O último voo do flamingo

O último voo do flamingo Mia Couto




Resenhas - O Último Voo do Flamingo


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isa.dantas 26/09/2017

Mia nos faz voar nessa narrativa fantástica sobre esperança. Que linda história!
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Debora.Vilar 04/06/2017

O mistério do pênis voador
Primeiramente vou apresentar o autor: Mia Couto (é homem) é de Moçambique, e expõe na narrativa os mitos e desgraças que normalmente faz parte de quem vive os povos da África.

Na obra o ambiente passa-se, em uma vila esquecida que sofre pela corrupção e abuso de poder, segundo o prefeito da vila não se trata de abuso de poder, porque o povo não tem poder nenhum o que ele faz é exercer de forma plena seu suposto poder.

De repente um fato coloca a vila no mapa e os olhos do mundo viram-se, para esse canto até então ignorado. Mas os acontecimentos surpreendentes nada tem a haver com os nativos da vila, o fato extraordinário é com os soldados da ONU que estão explodindo como bola de gás e a única que resta do corpo é o pênis. Pelo que entendi, os soldados estavam abusando sexualmente das mulheres da vila. Então os moradores encomendaram, um feitiço caso um extrangeiro abusa-se, de alguma mulher seriam explodidos e sobraria, o pênis porque o pênis sem o corpo não é nada é para ser uma forma de humilhação.

Um dos aspectos que achei interessante na narrativa é o estilo, não dá pra saber o que realmente de fato aconteceu; porque cada personagem têm a sua própria versão da história, e a forma que vai tecendo a narrativa é incrível, a princípio parece que está tudo tão claro mas conforme vai lendo as possibilidades dos fatos são tantas que a verdade não existe, porque não existe uma verdade e sim várias verdades. Resta ao leitor escolher a versão que mais lhe agrada, eu particularmente gosto disso dessa participação do leitor na leitura. Lygia Fagundes abusa desse recurso nos seus livros. É impressionante a forma como manipula os fatos e confunde o leitor, e isso prende bastante na leitura, lembrou-me o estilo machadiano.
O final é surpreendente e engraçado e uma coisa é certa: os mistérios e a fantasia está presente do começo ao fim.

O que aprendi com esse livro é que os que não amam a sua terra, e não respeitam seus antepassados estão sujeitos ao desaparecimento e à condenação do azar.
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Claudio 02/03/2017

Tanta coisa é dita nas entrelinhas
"Porque nos ensinaram essa merda de sermos humanos? Seria melhor sermos bichos, tudo instinto. Podermos violar, morder, matar. Sem culpa, sem juízo, sem perdão. A desgraça é esta: só uns poucos aprenderam a lição da humanidade"

O que dizer sobre esse livro?! O que dizer do Mia Couto?! A premissa é sensacional: em uma cidade fictícia de Moçambique, logo após o fim da guerra civil, soldados da ONU, responsáveis por manter a "paz", explodem inexplicavelmente. Um emissário italiano vai investigar e se depara com todas as peculiaridades do caso, da cultura moçambicana, do ressentimento de um povo colonizado e da corrupção dos governantes.

O narrador é o tradutor do emissário, um indivíduo imerso no ambiente local e que precisa traduzir (não as palavras) tudo isso para o italiano.

Tanta coisa é dita nas entrelinhas deste texto, o autor personaliza toda situação politico-social da africa em seus personages e, ao mesmo tempo, sabemos pouca coisa sobre os mistérios que estão a acontecer.

Não vou dizer que amei o livro, confesso que me perdi algumas vezes na "viagem" do autor, mas o jeito de escrever do Mia Couto é apaixonante (sério, leia uma página aleatória de algum livro dele, você vai entender), todos os aspectos apresentados da cultura moçambicana são muito curiosos e há passagens que são apaixonantes. Fora o final de um simbolismo poético dos mais lindos.
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Daniel 11/11/2016

Mia Couto e A Arte de Narrar o Inenarrável Africano
Em O Último Voo do Flamingo, Mia Couto, através de uma linguagem bastante poética e que visa apresentar, sem desvendar, os mistérios das histórias africanas, nos revela uma narrativa ambientada em Tizangara, após a guerra de Independência. O governo, tentando desvendar os mistérios das mortes que rondam o pequeno vilarejo, vai aos poucos colocando os participantes em mais mistérios ainda. Mistérios esses que envolvem as lendas e as histórias que são passadas e repassadas através das gerações. Assim, gera-se um conflito entre os habitantes locais, já acostumados às coisas que sempre acontecem de sobrenatural em sua terra; e os forasteiros, estrangeiros enviados à Tizangara para tentar desvendar os mistérios da localidade, que se acentua, quando eles entram em contato. Dessa maneira, Mia Couto constrói uma narrativa sólida, poética e cheia de tipos representativos da cultura moçambicana.
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Marcus Vinícius Sales 10/04/2016

"Fiscal do horizonte"
Mia Couto é inegavelmente um ótimo escritor. É possível chegar a essa conclusão, mesno só tendo lido uma obra sua. "O último vôo do flamingo" é um livro de passagens. O que significa isso? Um livro em que o autor dedica especial atenção a trechos, pontuando a obra com verdadeiras pérolas literárias. Ocorre, entretanto, que não se consegue bem desenvolver a história ficando, justamente, marcado, mais pela beleza de dados trechos e seguimentos do que a coesão integral da narrativa.
Me pareceu, algumas vezes, que o autor não sabia ao certo para onde conduzir sua história, que se apóia no realismo fantastico e os estranhíssimos acontecimentos (ou desacontecimentos, como fala o povo de Tizangara) para discutir a seu modo a visão dos colonizados pelos colonizadores, o retrato de uma África com seus ressentimentos, belezas e peculiaridades
Mia falhou um pouco nesse sentido. Poderia ter construído sua história de modo a não ficar tão presa à fina ironia.
Um bom livro, no qual depositava maiores esperanças.
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Rodrigo 06/01/2016

Um mergulho na África
Numa pequena vila de Moçambique soldados de paz da ONU misteriosamente começam a "explodir", porém não no sentido literal. Um missionário italiano é enviado para investigar os acontecimentos e tenta entender aquela realidade tão diferente da sua. Uma estória muito interessante que desnuda um pouco dos países africanos numa era "pós-colônia", nos levando a uma crítica sobre a real dimensão de suas independências.

O estilo de Mia Couto é bem fluido, muito boa a leitura! A seguir algumas passagens que destaquei:

-A guerra ja chegou outra vez, mãe?
-A guerra nunca partiu, filho. As guerras são como as estações do ano: ficam suspensas, a amadurecer no ódio da gente miúda.

...esses chefes deveriam ser grandes como árvore que dá sombra. Mas têm mais raiz que folha. Tiram muito e dão pouco.

Regressei à minha velha casa, e ali, sob a sombra do tamarindo, me deixei afogar em lembranças. Olhei a imensa copa e pensei: nunca fomos donos do tamarindo. Era o inverso, a árvore é que tinha a casa. Se estendia, soberana, pelo pátio, levantando o chão de cimento. Eu olhava aquele pavimento, assim enrugado pelas raízes, se erguendo em placas, e me parecia um réptil mudando de pele.

Conhece a diferença entre o sábio branco e o sábio preto? A sabedoria do branco mede-se pela pressa com que responde. Entre nós o mais sábio é aquele que mais demora a responder. Alguns são tão sábios que nunca respondem.

Para si, meu filho, para si que estudou em escola, o chão é um papel, tudo se escreve nele. Para nós a terra é uma boca, a alma de um búzio. O tempo é o caracol que enrola essa concha. Encostamos o ouvido nesse búzio e ouvimos o princípio, quando tudo era antigamente.
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Cris @cristinadaitx 11/07/2019

Leitura intrigante
Em uma remota cidade de Moçambique, um representante da ONU chega para investigara morte de soldados. A únicapista que tem são as genitáliasdos soldados que ficam perdidas pela cidade. Porém, o que ele encontra é muito mais que um simples crime. Ele se vê envolvido nos mistérios e na crença de um povo que muito já sofreu, e que continua sendo enganado por aqueles que deveriam protegê-los. É com a ajuda de seu tradutor, que éum morador da região, que ele vai desvendar os mistérios dessa gente, e também ser um dos únicos sobreviventes da cidade. Esta última, será engolida pela ganância, e entre fantasia e realidade, descobrirá que essa remota cidade não está imune da corrupção, e dos pecados do materialismo.
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Wagner 12/12/2015

MORADAS

(...) É preciso consultar um demônio para se saber a morada de outro demônio (...)

In: COUTO, Mia. O ultimo voo do flamingo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. página 125.
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Gildo 05/08/2015

Críticas e almas
Fosse uma carta de Pero Vaz de Caminha para descrever a África e teríamos incontáveis detalhes de sua exuberância, diversidade, cores, intensidades. Fosse uma passagem bíblica, talvez fosse descrito o Éden, com seus pecados, incertezas, inícios e fins. Mas é Mia Couto. Então, temos a alma africana.

O Último Voo do Flamingo é uma alegoria sobre os negócios da guerra e a guerra nos negócios, como ele mesmo diz. Num vilarejo de Moçambique, lotado de minas terrestres, soldados da ONU começam a explodir, misteriosamente. Sim, explodir. Sim, misteriosamente. Deles, nada sobra, nem sangue, nem restos mortais. De alguns, fica apenas o órgão genital. A intriga surreal é apenas um ponto de partida para a visita de um italiano ao vilarejo, enviado para investigar os crimes.

Acompanhado por um tradutor local, Massimo começa a conhecer as estranhas crenças do povo, recheadas de histórias sobre feitiços, homens que retiram o esqueleto, flamingos que voam para criar o por do sol, mulheres novas com corpos velhos.

Parece apenas um romance fantástico, mas é uma viagem analítica sobre o relacionamento entre homens e mulheres e também sobre as políticas de exploração e corrupção que correm soltas no continente africano. Mia Couto é soberbo na linguagem, na precisão, na descrição, nos neologismos. Um vocabulário surpreendente, ainda que em Português claro, evidencia que as tradições africanas devem ser contadas de outra maneira, com outra lógica. Interessantíssimo, por exemplo como um ancião do vilarejo descreve um gravador: uma máquina de fotografar a voz. Esse tipo de conceito revela muito falando pouco: a restrição de conhecimento, as referências que se tem e a crença de que aquilo não era necessariamente bom. Rico assim, é um livro que desnuda tudo, com pouca roupa na linguagem.
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Felipe 16/06/2015

Médio, mas vale a pena.
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Tenda dos Livros 05/02/2015

Triste ausência do voo
É a primeira vez que leio algo do escritor moçambicano Mia Couto, estou impressionada com a facilidade que o autor tem de nos conduz a entender e entrar nessa história que perpassa ficção, poesia e críticas embasadas na realidade de um país.
Demorei um pouco pra iniciar essa leitura por acreditar que seria um livro muito difícil, com uma narrativa chata e cansativa. Eu estava certa? Não, não mesmo.
A história de O último voo do flamingo acontece alguns anos depois da conquista da independência de Moçambique, o país ainda vivia crise econômica e social em busca da reorganização e reestruturação. É nesse contexto de pós-guerra que acontecimentos estranhos assombram o vilarejo fictício, Tizangara. O primeiro capítulo me fez rir muito, não imaginava que a história fosse começar com um pênis decepado no meio da estrada. Eis os acontecimentos estranhos: soldados das Nações Unidas explodiam sem nenhum motivo aparente, e as únicas coisas que sobravam eram seus capacetes e seus órgãos sexuais.
Por conta de todo esse mistério, foi enviado à Tizangara o inspetor Massimo Risi, para entender e explicar tais acontecimentos aos seus superiores. Chegando na vila, Massimo é apresentado ao administrador local Estevão Jonas. O administrador trata logo de arranjar um "tradutor" para o estrangeiro, que na verdade nem precisava de tradutor, a pessoa seria muito mais uma espiã do que qualquer coisa, a intenção de Estevão era deixar alguém "de olho" em Massimo.
Para desvendar o mistério das explosões, Massimo passa a ouvir muitos moradores e as suas mais variadas formas de explicações, todas baseadas em suas crenças locais. Para tentar entender, o inspetor mergulhava cada vez mais na cultura e conhecimento daquele povo, só que quanto mais fundo ia, mais perdido ficava. Não fosse o tradutor que o acompanhava para tudo quanto era canto e lhe contava histórias daquele terra, Massimo já teria enlouquecido.

O livro é repleto de personagens ilustres, como a prostituta Ana Deusqueira que fazia os velórios dos pênis falecidos, ou padre Muhando que tinha uma relação tão próxima de Deus a ponto de lhe dá sermão... Cada personagem com sua peculiaridade foi ganhando espaço na narrativa. Mas houve um grande personagem que desde que apareceu, encheu as páginas de sabedoria, filosofia e poesia, esse personagem era o pai do tradutor, Sulplício.
Mia Couto põe a mesa a desgraça e pobreza do povo Moçambicano que vive à margem e ainda governados por corruptos. Mas em contrapartida, nos mostra um povo que ainda luta por suas tradições e que tenta resgatar a todo custo os destroços dos seus antepassados.
A narrativa é em primeira pessoa, feita pelo tradutor e é incrível como vemos o reencontro desse personagem com suas origens, no decorrer da história, ao relembrar seus diálogos com sua mãe (já falecida) e o retorno do seu velho e sábio pai.
Outra coisa que encanta é o lirismo depositado no flamingo, uma ave que simboliza esperança e paz para aquele povo.
Quem protagoniza toda a história é a ausência, daquilo que pertencia aquele lugar, mas que foi levado, ou evaporado, junto com o suor dos escravos e as lágrimas da libertação de um povo que ainda vive preso na triste ausência do voo.
Pra quem procura uma leitura intensa, cheia de humor e requinte crítico, faço mais que uma indicação, leia O último voo do flamingo.

- Daiana Ayalla

site: http://www.tendadoslivros.com.br/2014/09/resenha-livro-o-ultimo-voo-do-flamingo.html
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Aninha 12/11/2014

Fantasia, magia & arte
"Não vê os rios que nunca enchem o mar? A vida de cada um também é assim: está sempre toda por viver." (Página 49)

Viajando para Bertioga, me deparei com esse exemplar do Mia Couto na biblioteca do SESC. Não pensei duas vezes em pegar pra ler, já que estava de férias e tinha todo o tempo do mundo para pôr a leitura em dia.

"...a terra é um ser: carece de família, desse tear de entrexistencias a que chamamos ternura." (Pág 110)

Em resumo, eis a trama: a pequena cidade de Tizangara (Moçambique) está com um grande problema. Vários soldados das Nações Unidas começaram a explodir e não se sabe o motivo.

O delegado da ONU, o italiano Massimo Risi, vai até a cidade para investigar esse mistério e conta com a ajuda de um jovem para ser o tradutor.
Ali ele conhecerá um pouco da cultura local, as histórias da terra e da sua gente.
Gente como o administrador Estevão Jonas e sua esposa Ermelinda, o adjunto Chupanga, a prostituta Ana Deusqueira, a jovem-velha Temporina, o padre Muhando, o velho Sulplicio e o feiticeiro Zeca Andorinho. Cada um tem o seu mistério, a sua história de vida - seja real ou fruto de sonho, seja passível de ser verdadeira ou fantasiosa. Com Mia é assim: a fantasia se sobrepõe à narrativa e o resultado sempre surpreende.

"Do que me lembro jamais eu falo. Só me dá saudade o que nunca recordo. Do que vale ter memória se o que mais vivi é o que nunca se passou." [Sulplicio - pag. 209]

Vale a pena a leitura!


site: http://cantinhodaleitura-paulinha.blogspot.com.br/2014/11/o-ultimo-voo-do-flamingo.html
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Zana 23/10/2014

Impressionante semelhança
Numa pequena vila imaginária chamada Tizangara, soldados das Nações Unidas, que estão em Moçambique para acompanhar o processo de paz depois de um longo tempo de guerra civil, simplesmente explodem, restando deles apenas vestígios dos seus órgãos genitais e boinas azuis. Cabe então, a um italiano representante da ONU desvendar os misteriosos acontecimentos.

Mia Couto conta essa história através de uma fábula, fazendo alusão a ausência dos flamingos no Sul de Moçambique que na tradição do lugar é símbolo de esperança. O escritor faz uma crítica acre aos disseminadores da guerra e da miséria, um empenho moral, que segundo ele, cabe a todos os escritores.

"O último voo do flamingo fala de uma perversa fabricação de ausência _ a falta de uma terra toda inteira, um imenso rapto de esperança praticado pela ganancia dos poderosos..."

A enigmática escrita em forma de fábula e sua admirável narrativa, recheada de lirismo, metáforas poéticas e humor apurado terminam colocando em segundo plano o argumento do livro, não obstante a importância e verdade do assunto ilustrado. O teor social assim meio que se perde nos meandros do realismo fantástico e das inúmeras metáforas poéticas.

Um aspecto interessante que saltou visivelmente aos olhos em O Último Voo do Flamingo é a impressionante semelhança da escrita poética de Mia Couto com a do escritor brasileiro Manoel de Barros, e guardado as devidas proporções, com alguns personagens de Dias Gomes e Aguinaldo Silva, que poeticamente brincavam de descontruir e construir palavras.

"Cortaram esta coisa do homem ou vice-versa?"

"naquele tempo não havia antigamentes"

"Só quero ser contemplável"

"Agora eu já não sou sujeito de nada. Me irresposabilizo"

"Agora é que vem aí chuva de molhar vento"

"Duvidam? Sou puta legítima. Não uma desmeretiz, dessas"

A fábula em si não convenceu, mas pela poesia, da qual Mia Couto se faz mestre, vale a leitura!
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Jacqueline 08/10/2014

Agora meu filho, eu já não falo língua nenhuma, falo só sotaques. Entende?
Inspirado pelo achamento de uma pena de flamingo, pela ausência e pelo significado dessa ave para uma comunidade de pescadores de uma praia do Sul de Moçambique (que a viam como anúncio de esperança), Mia Couto escreve um romance sobre uma cidade inventada que poderia ser muitas das existentes na África ou em outros continentes ou regiões historicamente marcadas por colonizações. Nesse contexto, Mia chama a si a responsabilidade de escritor:

O último voo do flamingo fala de uma perversa fabricação de ausência a falta de uma terra toda inteira, um imenso rapto de esperança praticado pela ganância dos poderosos. O avanço desses comedores de nações obriga-nos a nós, escritores, a um crescente empenho moral.
Contra a indecência dos que enriquecem a custa de tudo e de todos, contra os que têm as mãos manchadas de sangue, contra a mentira, o crime e o medo, contra tudo isso se deve erguer a palavra dos escritores.

Em Tizangara, soldados da ONU desandam a explodir. Um italiano, integrante das forças de paz, é enviado para investigar essas estranhas explosões. Um habitante negro do local é nomeado seu tradutor, mais de cultura do que de língua, já que o italiano falava e compreendia a língua local. Acompanhando a essa investigação somos apresentados a tipos ao mesmo tempo comuns e singulares a prostituta Deusqueira, o padre Muhando, o feiticeiro Zeca Andorinho, Temporina, uma mulher de corpo jovem e feições de velha, um pescador que desossa e por aí vai. O curso da investigação se cruza com a história do próprio tradutor, narrador da história, e na relação que tem com seu pai (por ocasião de um abraço dado entre os dois em um momento de emoção, o narrador nos deixa entrever o espaço existente entre eles: Nem eu sabia se era despedida ou chegada)

Para a maioria da população de Tizangara, a exemplo de tantas outras, após guerras e guerrilhas sucessivas, o que muda é quem manda, mas suas ausências permanecem as mesmas.

Trata-se de um fábula sobre a ganância humana, sobre as relações de poder e a deterioração da política:

__Mas pai, esse italiano nos está ajudar.
_ A ajudar?
_ Ele e os outros [representantes da ONU].Nos ajudam a construir a paz.
_ Nisso se engana. Não é a paz que lhe interessa. Eles se preocupam é com a ordem, o regime desse mundo.
_ Ora, pai...
_ O problema deles é manter a ordem que lhes faz serem patrões. Essa ordem é uma doença em nossa história.

Que bom que escritores como Mia couto existem e que uma das muitas sem-razões da literatura possa ser essa!
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Camila(Aetria) 16/08/2014

Último voo.
Esse foi o primeiro livro de Mia Couto que li, e depois de lido, não sei porque demorei tanto pra pegar um dele. Foi o que resolveu minha ressaca literária de Persuasão, embora esse não tenha me deixado com ressaca, mas sim uma vontade de ler todos os outros dele.

A escrita dele, o ritmo da leitura, tudo compõe um conjunto maravilhosamente escrito. É um livro que dá pra ler em 1 dia, como estava correndo que nem uma desesperada, levei 3 HAHA

"A administratriz de novo se interpôs, deixando invisível o esposo. Falava ajeitando o turbante e sacudindo as longas túnicas. Ermelinda clamava que eram vestes típicas da África. Mas nós éramos africanos, de carne e alma, e jamais havíamos visto tais indumentárias."

O último voo do flamingo, Mia Couto, pg 19

O que achei mais interessante foi quão delicadas e sutis as críticas foram posicionadas no livro, como uma realidade que deveria ser vista por todos, mas que por comodidade a gente releva e deixa passar. As situações políticas onde países ditos de primeiro mundo vão "trazer a paz" para os que estão em situação precária, como isso também se tornou um mercado viável. E a habilidade dele de trazer 500 opções de palavras para um significado, como ocorre quando trata dos órgãos dos soldados explodidos, senti um Guimarães Rosa naquele momento haha

"- Mas pai, esse italiano nos está ajudar.
- A ajudar?
- Ele e os outros. Nos ajudam a construir a paz.
- Nisso se engana. Não é a paz que lhe interessa. Eles se preocupam é com a ordem. O regime desse mundo.
- Ora, pai…
- O problema deles é manter a ordem que lhes faz serem patrões. Essa ordem é uma doença em nossa história."

O último voo do flamingo, Mia Couto, pg 188

É um livro que transpira cultura, transpira história e realidade de uma forma bem humorada e delicada, é quase uma poesia em prosa.

"- Com o devido respeito, Excelências: é se chamássemos Ana Deusqueira?!
- Mas, essa Ana, quem é? - Inquiriu o ministro.
Vozes se cruzaram: como se podia não conhecer a Deusqueira? Ora, ela era prostituta da vila, a mais competente conhecedora dos machos locais."

O último voo do flamingo, Mia Couto, pg 26

Ele consegue misturar as crenças, as lendas, com uma realidade da terra local, e mesmo essa mistura de folclore e "realidade" são feitas de forma tão natural, como deveria ser sempre que analisamos a cultura de qualquer lugar que seja, e não com olhos ocidentais e ditos civilizados.

"O confronto ficou-se por ali. Porque os estrangeiros rodearam a prostituta, fungando da intensidade dos seus aromas. A delegação se interessava: seria zelo, simples curiosidade? E pediram-lhe documentos comprovativos da sua rodagem: curriculum vitae, participação em projetos de desenvolvimento sustentável, trabalho em ligação com a comunidade."

O último voo do flamingo, Mia Couto, pg 29

site: http://www.castelodecartas.com.br/index.php/2014/08/16/ultimo-voo-flamingo-ogs-80/
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