outroelton 16/02/2023
O sofrimento como finalidade
À primeira vista, ?Rituais de sofrimento? pode parecer apenas uma crítica ao universo dos reality shows, mas, logo nos primeiros capítulos, percebe-se que essa é uma leitura incompleta.
Nesta obra, a socióloga Silvia Viana usa os reality shows como ponto de partida para uma reflexão mais ampla, adotando como lente a perspectiva materialista. A interpretação do fenômeno se fundamenta, portanto, em bases teóricas marxistas, não somente por tratá-lo como produto da indústria cultural, mas, sobretudo, por considerá-lo mais um exemplar das condições de produção e reprodução do capitalismo.
Por isso, embora a autora destaque o cinismo que permeia a criação e o consumo dos reality shows (seja quando se reconhece o viés exclusivamente mercadológico das produções, como fazem seus criadores, seja quando se racionaliza o consumo do espetáculo sob o pretexto de um suposto ?interesse sociológico ou psicológico?, como fazem os consumidores), Silvia Viana não se rende a julgamentos morais, justamente por reconhecer o peso das estruturas (materiais) sobre a forma como lidamos com o tema.
É por esse motivo que o esforço de ampliar a leitura do fenômeno para além das fronteiras do gênero se mostra uma decisão acertada, pois o que acontece nos reality shows é senão o reflexo das relações materiais que tornam possível a sua existência. Assim, falar sobre o jogo, as regras e os jogadores é o mesmo que falar sobre o trabalho, suas regras (de seleção, avaliação, eliminação) e os trabalhadores, porque todos são vítimas dos mesmos rituais de sofrimento e relações de exploração que subjugam tanto uns quanto os outros.
Portanto, o que se vê no trabalho de Silvia Viana, e no excelente posfácio de Pedro Rocha de Oliveira, é a exposição dos mecanismos de manutenção e perpetuação do sistema capitalista por meio dos seus aparatos ideológicos.