Quando escolhi esse livro para o mês através da parceria com a Paralela não sabia bem o que esperar. Uma romance que envolvia fantasia? Ou apenas um romance cheio de possibilidades e explicações? 312 páginas posso dizer que a história contada por Grace McCleen não foi feita para qualquer um ler. O que você tirar do livro é algo estritamente pessoal. A escrita da autora é subjetiva, cheia de metáforas e analogias, rica e sensível, por vezes cruel e extremamente penetrante.
Essa é a história de Judith. Uma menina de dez anos de idade que vive apenas com o pai desde que a mãe morreu. Eles são muito religiosos, acredita que o Armagedon está chegando e que a terra se tornou um Antro de Iniquidades. Frequentam o culto todo domingo, batem de porta em porta pregando e estudam a bíblia todo dia após o jantar. Não possuem televisão, não comem comidas comuns e mais um monte de coisas que toda criança normal faz. Judith só conhece esse mundo. Para ela o alívio é saber que o mundo vai acabar e ela vai encontrar sua mãe na verdadeira Terra Gloriosa. Tudo o que ela sabe da mãe é que ela gostava de artesanato e com o conteúdo do baú ela construiu uma maquete da própria cidade. Judith também é extremamente inteligente e está um ano à frente na escola, por ser religiosa tem que lidar com o odioso Neil Lewis, que bate nela quase todos os dias. Um dia com medo de ir à escola por causa de uma ameaça, Judith cobre toda a sua maquete de algodão e reza desesperadamente por um milagre. No dia seguinte a cidade amanhece coberta de neve e ela acredita que foi um milagre. O seu milagre. A partir daí a vida de Judith se complicada ainda mais quando uma voz surge e sua vida saí dos trilhos.
A premissa é essa. O que acontece é que muitas pessoas podem focar nessa parte "milagre" e esquecer o enredo por trás disso. Vamos esquecer o milagre e analisar por parte. Judith tem dez anos, um pai que usou a religião como escudo quando perdeu a esposa e teve que criar um bebê sozinho. Judith não tem amigos por só falar de religião. Judith começa a ouvir "Deus", o que nada mais é fruto de sua imaginação, um amigo imaginário perigoso que leva a criança, com sua fé ingênua a acreditar que tudo o de ruim que se sucede é culpa dela. Toda criança tem uma percepção diferente das coisas e Judith criada a vida toda nesse ambiente não sabe a hora de diferenciar o real do imaginário, porque acredita em Deus.
É complicado, mas por trás do conteúdo religioso que guiou toda a vida de Judith e por consequência a narração do livro temos temas como bullying, solidão e depressão infantil, ambiente familiar tenso e alquebrado. A menina sofre por ser diferente e por acreditar cegamente que o Armagedon está próximo. Judith acha que o pai não a ama porque ela foi a culpada da morte da mãe.
O mais triste é que as pessoas não percebem a crítica da autora. Religião demais é ruim. É um spoiler talvez, mas preciso dizer, a mãe de Judith morreu porque segundo a religião ela não podia receber transfusão e perdeu muito sangue durante o parto. A narrativa é bonita? Sim, muito. As mensagens de Deus na história são boas? Sim. Judith analisa de forma belíssima o nosso mundo e com sua voz infantil dá outra sentido a esperança e fé, mas tudo tem um limite. É cruel colocar uma criança na situação em que ela se encontra. Proibida de tudo, crendo, crendo e crendo. É triste e traz consequências terríveis, vide o que acontece com seu pai e sua família.
Leitura cadenciada, que prende o leitor pela curiosidade de como a vida da pequena Judith se resolverá, como os conflitos não ditos conduzirão a trama. Grace McCleen conseguiu baseando na própria infância dar uma voz única a protagonista, uma voz crível e que conquista e entristece o leitor. A edição da (...)
Termine o último parágrafo em: http://www.cultivandoaleitura.com/2013/03/resenha-menina-que-fazia-nevar.html