Cristiano.Konno 02/11/2019
Jonathan Strange & Mister Norrel (2004) é um livro complexo.
Ele é dividido em três partes, que são: Mr Norrel, Jonathan Strange e John Uskglass.
Mr Norrel
Esta parte nos introduz ao universo da autora e conta a história de uma Inglaterra que já foi mágica e acompanha o mago Mr. Norrel, enquanto ele erradica os outros “magos” (nessa história, estudantes de magia, mesmo sem ter qualquer prática, também são chamados de magos) da Inglaterra após uma prova de força real numa igreja (cena muito interessante, por sinal).
Ela apresenta um personagem mau humorado, mesquinho e cheio de si.
A escrita é bem didática, como se o narrador fosse um estudioso e aquela obra fossem registros biográficos dos acontecimentos daqueles anos de 18xx (Mil oitocentos e alguma coisa...). Tanto que há sempre notas de rodapé (muito criativas e revigorantes). Já nesse começo, temos os primeiros e fantásticos contatos com a ironia e farsa social que a autora derrama sobre o texto todo. É um tipo de humor escuro e ácido.
Se você gosta de bailes, encontros marcados, intrigas familiares e políticas, ironias e perucas, já deve perceber nessa parte que este livro é para você.
Jonathan Strange
Jonathan Strange é um homem jovem de uma família média que, sem saber o que fazer do futuro, é parado por um homem casualmente que lhe faz uma profecia sobre dois magos. Ele não entende muito bem, mas percebe que de ali em diante será mago! Simples assim. “Gostei disso: vou ser um mago!”.
Conforme a trama avança, ele acaba sendo apresentado à Mister Norrel e se torna seu discípulo. Com o tempo, Strange ganha sua própria fama é convidado a ajudar na guerra contra Napoleão Bonaparte. É aí que as coisas começam a sair dos rumos.
Norrel e Strange se desentendem cada vez mais até que viram rivais.
Enquanto isso, um ser mágico invocado por Norrel para um determinado serviço, rapta (apenas nas noites) dois personagens de importância: Stephen Black e Mrs Pole. Esse ser mágico, chamado de O Cavalheiro dos Cabelos de Algodão, é um ser ruim, que obriga damas a frequentar bailes intermináveis todas as noites e também quer tonar o criado Stephen Black no rei da Inglaterra. É um personagem bem interessante e cheio de peripécias e falas egocêntricas. Stephen e Mrs Pole vão ficando cada vez mais cansados, já que não podem dormir para fazerem companhia ao Cavaleiro dos Cabelos de Algodão numa prisão sem fim. E é muito interessante o recurso utilizado pelo Cavalheiro de Cabelos de Algodão para que ambos não falem sobre sua aflição, algo muito angustiante.
John Uskglass
Os maiores acontecimentos sobre magia envolvem a figura enigmática e mal vista de John Uskglass - ou como é geralmente chamado: O Rei Corvo.
Aqui, na terceira e última parte, somos apresentados a mais histórias envolvendo este predecessor da magia na Inglaterra enquanto a rixa entre Jonathan e Norrel se intensifica.
Mas, ao meu ver, o grande problema do livro a ser resolvido é mesmo o problema com o Cavalheiro dos Cabelos de Algodão. Ele faz algo com Strange que mexe não só com o mago, mas com Londres e com Veneza fisicamente, fazendo o mundo dos homens se entrelaçar com o mundo mágico. É um tipo de bagunça que faz John Uskglass aparecer de tempos em tempos para arrumar.
Certo. Vamos lá.
Embora seja uma leitura super rica e, de certa forma, divertida (note ao ler que, até mesmo o título do livro, seria um grande disparate à Mr Norrel), quase toda a trama é uma grande promessa. Você fica na expectativa de que algo muito maior há de acontecer no fim para justificar tanto falatório em torno da magia e de John Uskglass. Também, acha que vai acontecer algo arrebatador entre os Magos e o Cavalheiro de Cabelos de Algodão. TALVEZ SPOILER: esse foi o meu problema com o livro. Ele fica só na promessa. A resolução dos problemas se dá sem interferência dos magos ou do Rei Corvo num fim que é impactante, mas dá aquela sensação de teia desfeita sem sentido. FIM DO TALVEZ SPOILER.
O homem que fez a profecia à Strange e Norrel se chama Vinculus, um mago charlatão (será?), que também tem papel fundamental no fim da história, em conjunto com o criado de Norrel: Childermass.
A magia apresentada é febril, ruim, como uma tontura repentina. A fonte da magia, não aquela em que Strange tanto estuda nos livros, a magia real (vinda de outro lugar, senão dos livros) é sensacional.
Essas impressões não fazem jus ao livro, devo alertar. ''Jonathan Strange & Mister Norrel'' é muito mais complexo do que foi descrito aqui, só é possível mesmo capitá-lo totalmente numa análise bem mais extensa ou simplesmente o lendo mesmo. Os dez anos que a autora Susanna Clarke levou para concebê-lo se fazem presente em toda a obra em forma de qualidade, embora perca um pouco o ritmo irônico na terceira parte.
Não é um livro para todo mundo. Ele é longo e de vez em quando cansativo. Mas vale a pena, caso goste de algo mais cotidiano e sem grandes emoções. Uma leitura muito original e inteligente.
Recomendo com ressalvas.