Claire Scorzi 09/04/2021
O Dia em que Adonias Filho me Deixou Maravilhada
Este romance foi publicado em 1962, e segundo alguns encerra uma trilogia do autor sobre a região cacaueira na Bahia. Carlos Heitor Conny disse que "Corpo Vivo" mescla faroeste e tragédia grega. Concordo.
A primeira cena na parte 1 do livro é puro western: a descrição da emboscada, a forma como os tiros das armas atingem as vítimas, o ritmo. É seco e é - sim - poético. As frases repletas de inversões o atestam, e a imagética da terra - agreste, inóspita, hostil, misteriosa, cheia de segredos e de armadilhas, terra que mata o homem e continua inatacável, fechada para ele; terra com a qual o homem pode, na melhor das hipóteses, transigir, aprender a contornar, obedecer sua rudeza, mas jamais domá-la - é impressionante. Para ler em voz alta, como poesia em prosa.
E é romance de tragédia grega: o massacre e a criança sobrevivente, criada para vingar os mortos, menino que vira homem e fera porque seu ambiente e seus algozes são, também, feras, tem muito de tragédia.
Falta falar do Naturalismo do autor, tão presente em obras anteriores ("Os Servos da Morte", de 1948), aqui também: o estilo de época passou, mas a escrita de Adonias Filho encorporou suas marcas, a descrição de fisionomias e de gestos, a visão de suas figuras, as palavras para nomeá-las. Linguagem naturalista que sobreviveu ao Naturalismo. Naturalismo ainda no determinismo, a ideia de destino traçado: há um fatalismo percorrendo o livro, visível na fala dos personagens.
Beleza, ritmo, o que mais dizer? De mim, posso dizer que Adonias Filho é grandioso porque eu não gosto de sua visão de mundo, eu não gosto do assunto, não gosto da extrema violência, porém rendo-me à grandeza do autor. Talvez aí resida uma prova: se o leitor desgosta de tudo que apontei e ainda assim termina de ler o livro maravilhada, embasbacada, com um "Minha nossa..." escapando dos lábios, lendo e tornando a ler a passagem tal o maravilhamento - estamos diante de um grande escritor. Tão imenso que cativou uma leitora que desgosta de tudo o mais nele, mas queda-se emudecida, tentando escrever uma resenha que preste (não deu, mas tentei) e querendo ler mais, e mais, e mais dele...
Há anos, falando sobre Adonias Filho num vídeo, eu disse que, malgrado minhas divergências ideológicas / de enredo com ele, eu jamais sentia, lendo o autor, que estava perdendo meu tempo. Nunca. Eu ainda não havia lido algo dele que alcançasse 5 estrelas, mas admirava-o fortemente.
Adonias atingiu minhas expectativas, até as ultrapassou, com "Corpo Vivo". Magnífico. Soberbo. Sem palavras, que não dão conta. Chegou o momento: 5 estrelas.
Viva o velho e querido Henry James, que dizia que na literatura, o que importa não é o assunto, mas o tratamento que o escritor dá ao assunto. Ele estava certo.