Simone 10/12/2021MATTELART, A. História da sociedade da informação. São Paulo: Loyola, 2002. 197p.Em História da Sociedade da Informação, Mattelart remonta à “Saga Tecnológica” para nos contar em uma obra de poucas páginas um breve histórico sobre o processo de construção da então denominada Sociedade da Informação. Fazendo-se uso de uma vasta bibliografia, o autor se apóia nos conhecimentos de estudiosos para contar esta história, ao mesmo tempo em que lança um olhar crítico sobre essa sociedade, mantendo uma posição de quem não nega o avanço tecnológico, mas também de quem não se entrega à “miopia dos tecnolibertários”.
Para Mattelart, “a ditadura do tempo curto faz com que se atribua uma patente de novidade, e portanto de mudança revolucionária, àquilo que na verdade é produto de evoluções estruturais e de processos que estão em curso há muito tempo”. O pensamento sobre uma “sociedade regida pela informação” já se moldava na inspiração pela “mística do número”, ou segundo o sociólogo Max Weber, no “romantismo do número”, ganhando forma nos séculos XVII e XVIII. Onde a “virtude dos números” (BACON, 1996, apud MATTELART) e ou da matemática torna-se protótipo das reflexões de alguns filósofos da época, em busca da “perfectibilidade” das sociedades. Visando a existência de uma linguagem universal mediada pelos números, projeta-se uma organização do pensamento, com o intuito de “contribuir para a aproximação dos povos, para unificação do gênero humano por inteiro” (LEIBNIZ apud MATTELART).
A projeção em torno dos números é posta à prova na visão da sociedade como indústria, onde “a aliança entre industriais e cientistas positivos funda um modo inédito de gestão, orientando não mais para o governo dos homens, mas para a administração das coisas”. Vê-se nessa “era” o determinismo da técnica, os pensamentos sansimonistas que inauguram o cruzamento entre a representação de rede e o pensamento religioso, recorrendo à analogia de as ferrovias como forte instrumento para religar povos separados. Assim como a invenção do telégrafo elétrico (1837), e do cabo submarino que liga Douvres a Calais, tornam-se elo de uma rede “destinada a cingir o universo”. O conceito de rede, por sua vez, ganha impulso com os espíritos visionários de Paul Otlet e Henri La Fountaine, numa “nova ciência da organização sistemática da documentação”.
Nos períodos que se seguem durante e pós Segunda Guerra Mundial, as máquinas inteligentes são impulsionadas pelo “fluxo crescente de contratos de pesquisa e desenvolvimento” provindos de projetos americanos. Inserindo-se assim, um elo na produção do saber-operação denominado think tank (repositório de ideias), que visava a cooperação e coordenação nas/das pesquisas. No cenário pós-industrial (cap. IV), a “futurologia técnica” se destaca com a necessidade de antecipar o futuro, desenvolvendo uma nova tecnologia direcionada à tomada de decisões. Forma-se uma nova intelligentsia, com nicho nas “universidades, organizações de pesquisa, nas profissões e no governo”. Os Estados Unidos lideram o projeto de universalismo, considerados o foco irradiador da inovação tecnocientífica e da cultura de massas. “Enquanto a sociedade pré-industrial era um jogo contra a natureza, a industrial, um jogo contra a natureza fabricada, a sociedade pós-industrial é um jogo entre pessoas”.
Na década de 1970, rumo à liberalização concorrencial, questiona-se o “perímetro do Estado-nação no desenvolvimento das tecnologias”, enquanto que a referência à “sociedade da informação impõe-se sub-repticiamente nos organismos internacionais”. As questões envolvendo o reequilíbrio dos fluxos de informação (free flow of information) provêm debates na UNESCO, ao mesmo tempo em que desencadeiam o surgimento de diretrizes que abalariam o rumo à liberalização, sendo alguns exemplos o Livro Verde (1987) para países membros da União Europeia, que “preconiza a abolição dos monopólios nacionais”; o Livro Branco apresentado por Jacques Delors, que sendo uma resposta ao projeto americano de infoways, “enumera os desafios e traça as pistas para entrar no século XXI”; e o relatório Théry na França, revela que a “Europa está longe de falar a uma só voz”.
“O paradigma tecnoinformacional” é inserido nas dimensões geopolíticas com pretensões de rearranjo geoeconômico do planeta. As discussões envolvendo a sociedade da informação “ziguezagueiam entre dois axiomas opostos: a entrada na nova era das mediações ou a saída dessa mesma era”. Vê-se a noção de rede sob o foco da empresa-rede, vinculada à valores como flexibilidade, fluidez, autonomia, civismo, etc., com o retorno dos discursos sobre a mínima participação/intervenção do Estado em questões que não sejam de domínio da justiça e forças armadas. A noção de “revolução da informação” então atinge dimensões totalizantes, abrangendo as relações diplomáticas, militares, e administrativas. E o que esperar a partir desse contexto, são mobilizações/resistências e questões referentes ao perigo de um mundo “todo mercado”. Como cita a UNESCO em uma de suas reuniões no ano 2000, sobre o acesso universal ao ciberespaço e uso do multilinguismo, sem os quais “o processo da globalização econômica seria culturalmente empobrecedor, desigual e injusto”. “A apropriação democrática das novas técnicas interativas requer um necessário e paciente diálogo entre as culturas”.
Para Mattelart, estamos percorrendo caminhos batidos. Como dito no começo deste texto, a amnésia em relação à tecnologia anterior nos faz atribuir novidade àquilo que é produto de evoluções, sendo possível verificar a partir do final do século XVIII, a prática de olhar para a história em termos de eras. A cada “geração técnica” vê-se reavivados os discursos e promessas de “concórdia universal, de democracia descentralizada, de justiça e de prosperidade geral”, no entanto, para o autor, a tecnologia não resolve os problemas, apenas os desloca, onde “a sociedade das redes está longe de ter colocado um fim ao etnocentrismo dos tempos imperiais”. Sendo que, a revolução da informação mediada somente pelos seus próprios recursos, disparará as desigualdades entre “os países ricos e os países pobres, e entre os ricos e os pobres em cada país”.