Di 14/07/2012
De dentro do escafandro
Não haveria melhor metáfora para descrever o estado em que Jean-Dominique Bauby se encontrou após ser acometido por um acidente vascular cerebral no dia oito de dezembro de 2005, que o deixou trancafiado na rara síndrome do encarcerado. Um escafandro. A idéia de permanecer dentro do aparelho de mergulho sufoca e parece dar conta de exprimir o que o jornalista francês vivenciou cerca de um ano, período em que esteve internado no hospital de Berck-sur-Mer, no norte da França, até sua morte em nove de março de 1997.
Mas e a borboleta? Qual seria o sentido em aproximar a leveza, a agilidade e a liberdade desse belo inseto com a rusticidade, o peso e a claustrofobia do estrambótico escafandro? A reposta para tal indagação só se torna consistente após a leitura do livro em que o próprio Bauby concentra algumas memórias de vida e sua experiência como paciente da síndrome do encarcerado. Paciente que não podia mover nenhum de seus membros, mas que tinha perfeita consciência e se comunicava através do piscar do olho direito. Uma piscada significava sim, duas não. Além disso, a fonoaudióloga de Bauby desenvolveu um método para que ele pudesse comunicar-se em outras palavras. Por meio do ditado do alfabeto em ordem de freqüência de uso na língua francesa e muita paciência, a médica ficava atenta ao sinal do jornalista para parar na letra desejada. Letra por letra, palavra por palavra, período por período. Ao som de uma constante repetição dessas letras nasce O Escafandro e a Borboleta.
Encontram-se nos capítulos curtos uma forma poética de relatar o que poderia ser monótono e maçante. Bauby intercala o cotidiano do hospital com as lembranças da própria vida. Isso sem que haja um apelo para a compaixão do leitor pelo seu estado vegetativo. Não por acaso, o jornalista utiliza-se de certa frieza, ironia e, às vezes, até bom humor para descrever sua condição. Não existe uma tentativa de exaltação ou mesmo de redenção em relação ao passado. O leitor é apenas convidado a sentir e viajar nas memórias e imagens do jornalista através do visor redondo do escafandro. De acordo com a ilustração de Bauby, em suas próprias palavras, depois de mergulhar em seu livro, “o escafandro já não oprime tanto e o espírito pode vaguear como borboleta. Há tanta coisa pra fazer. Pode-se voar pelo espaço ou pelo tempo, partir para a terra do fogo ou para a corte do rei Midas.” Aí está a imagem da borboleta encaixando-se perfeitamente à do escafandro. A adversidade que não impede a liberdade do espírito.
Tão poético quanto o livro de Bauby é a adaptação heterônoma do pintor norte-americano Julian Schnabel para o cinema. O longa-metragem estreou em 2007 e foi premiado com dois Globos de Ouro (melhor direção e melhor filme estrangeiro), além de três indicações ao Oscar e uma premiação no festival de cinema de Cannes. Schnabel sufoca e, ao mesmo tempo, faz e espectador voar numa fotografia meticulosa e bem articulada. O ponto de vista de Bauby, estrelado por Mathieu Amalric, é bastante explorado no filme. Na maioria dos enquadramentos, a íris da câmera assume o olho direito de Bauby e a voz em off de seu pensamento constrói a sensação de interioridade no escafandro do jornalista. Quase todas as memórias do livro estão presentes no filme de forma fidedigna e a montagem nos moldes do cinema moderno só contribuem para uma harmonia perfeita do filme com o livro. Em ambos encontra-se a experiência, mesmo que literária, de um jornalista que, nos últimos dias de sua vida, esteve preso em si mesmo, mas que voou na imaginação e fez surgir de um escafandro milhares de borboletas.