Queria Estar Lendo 09/01/2018
Resenha: Como ser mulher
Como ser Mulher é um livro que narra a trajetória de vida da mulher moderna através de ensaios que usam a vida da autora, Caitlin Moran, como ponto de partida para discussões sobre sexualidade feminina, casamento, aborto, filhos, moda, feminismo, mercado de trabalho, etc. O livro foi cedido para resenha em parceria com a editora Companhia das Letras e traz um olhar "não acadêmico" sobre o feminismo moderno.
Com ensaios que buscam em sua vida particular um ponto de partida para as suas discussões, Caitlin Moran tenta montar um manual para "como ser mulher" nos dias do hoje, começando lá no seu 13º aniversário e seguindo até os dias recentes. São cerca de 16 ensaios nos quais ela expõe seus pensamentos, como uma ativista feminista que não foi formada na academia - embora hoje participe de discussões por lá - com o intuito de mostrar o "olhar da mulher comum" a respeito do assunto, de uma forma mais fácil e compreensível para quem, até então, teve pouco ou nenhum acesso as pautas feministas.
E eu preciso dizer que a premissa e a ideia do livro me conquistou muito rapidamente quando ouvi falar dele. Porque se tem uma coisa que pode acontecer quando a gente está tentando entender o que é o feminismo, é encontrar ele em um formato muito "formal", muito acadêmico, que não conversa tão bem com quem tem pouca instrução ou pouca familiarização com o movimento. Sem contar que eu estava apaixonada pela Caitlin desde Do que é Feita Uma Garota.
Mas quando eu comecei o livro, me senti um pouco inquieta e um tanto quanto incomodada pela orientação do feminismo da Caitlin, que tem uma inclinação mais liberal (e em algumas passagens, radical) do que o meu - eu tendo a ficar com o interseccional mesmo.
Então, ao ler essa resenha, você precisa levar isso em conta: se você se identifica mais com feminismo liberal, é uma leitura que, eu acredito, você vai conseguir se identificar e aproveitar muito mais do que eu.
Além de algumas opiniões que não batem com as minhas em ensaios como Sou Feminista!, Sou Gorda! e Entro na Moda!, por conta de desencontro de ideias mesmo, Como Ser Mulher tem também alguns ensaios que se contradizem - como a opinião dela sobre pornografia, no ensaio Começo a Sangrar! contra a opinião sobre os clubes de strip no ensaio Vou a Um Clube de Striptease!, já que o primeiro toma uma abordagem liberal sobre o assunto e o segundo uma mais radical.
Também teve aqueles ensaios que eu achei completamente desnecessários. Descubro o Machismo! foi um show de horrores na minha opinião, eu literalmente escrevi no fim dele "apenas não!" Acho que não sei nem dizer que abordagem feminista ela tomou aqui, porque 99% do que ela falou não se encaixa nas correntes que eu conheço de jeito nenhum.
Teve também aqueles ensaios que não foram nem bons, nem ruins, e que eu realmente não entendi o que ela quis dizer com eles ou qual a relevância para uma coletânea como essa. Como foi o caso de Não Sei como Chamar Meus Seios - tô até agora tentando entender qual o problema com a palavra "peito" e "vagina", na boa - e Preciso de Um Sutiã! Dispensáveis, realmente.
E, ainda, Modelos de Comportamento e o que Fazer Com Eles me deixou muito perturbada, especialmente porque o título sugeria acabar com essa ideia de "modelos de comportamento a seguir" e na verdade acabou sendo só um ensaio para criticar uma mulher em prol da outra, apontar o dedo e dizer "aquela não é feminista, mas essa aqui é sim, olha que linda!". Sendo que, a época, quem as tratava como "ícones do feminismo" não eram essas mulheres e sim a mídia - quem realmente deveria ter o papel discutido aqui.
Mas nem tudo foi terrível, porque eu consegui salvar alguns ensaios - mesmo fazendo uma anotação ou outra sobre uma piada ou parágrafo desnecessário ou, ao meu ver, equivocado.
Em Começo a Sangrar!, apesar de toda a opinião sobre a pornografia com a qual eu não compactuo, ela levantou pontos muito relevantes sobre o tabu da menstruação e como muitas mulheres chegam nessa fase sem ter noção do que ela é e o que significa, sobre como esse tabu é prejudicial não só para o psicológico, mas para o bem estar físico de muitas mulheres - por achar que menstruação era algo sobre o qual não se falava, Caitlin passou três meses sangrando direto e teve desmaios constantes por conta disso, além de anemia.
Em Estou Apaixonada! ela discorre de uma forma muito lúcida sobre a pressão que as mulheres sofrem para estar em um relacionamento, como se isso fosse o auge das suas vidas e o único objetivo com o qual deveriam se preocupar, o que faz com que muitas vivam relacionamentos abusivos ou sem amor só para não ficarem sozinhas. Sem contar que quando ela falou dos relacionamentos imaginários da adolescência eu total me vi ali.
Me Caso! Foi quase um ensaio complementar a Estou Apaixonada! e, apesar de algumas várias piadas de mal gosto, ela fala sobre não deixar a pressão vencer e fazer as coisas por você mesma. Vou a um Clube de Striptease! também foi lúcido ao tratar das condições desses clubes e das mulheres que trabalham nele, um ensaio que me surpreender bastante, especialmente depois de algumas outras opiniões dela.
Por que Ter Filhos, Por que Não ter Filhos e Aborto foram 3 dos ensaios mais conscientes e maduros, ao meu ver. Embora ela ainda se apoie em algumas piadas de mal gosto, ela foi lúcida, ela não menosprezou a experiência e o desejo de outras mulheres, e falou em grande parte por si mesma. Da sua experiência própria, sem julgamento e sem amarras. Ensaios como eu gostaria que todos os outros tivessem sido.
Por fim, os últimos dois ensaios fecharam o livro me deixando com a sensação de que não era realmente isso que eu queria ter lido. Intervenção é uma grande crítica as cirurgias plásticas, mas não achei um tom de companheirismo, foi quase um manual do que você deve fazer, esquecendo que mulher deve fazer o que quiser, que o feminismo luta pelo direito de termos escolhas e fazermos elas por conta própria.
E o pós-escrito, quando ela reflete sobre todos aqueles ensaios e se agora ela já sabe o que é ser mulher, foi bem problemático. Além de deixar no ar uma opinião "vamos parar de falar de machismo e então ele vai desaparecer" ainda deu a entender que o problema do machismo é que nos poda pequenas liberdades como escolher manter ou não os pelos, usar ou não saltos e roupas apertadas, etc, ignorando que machismo mata e mutila todos os dias. Que é um problema real.
Gostaria de dizer que meu grande problema com Como Ser Mulher não foi unicamente as correntes feministas que Caitlin Moran parece adotar, mas como ela parece não ter consciência de classe e raça dentro do feminismo. Como, apesar de ter nascido e crescido muito pobre, ela parece não ter noção de que quando mais baixa a classe da mulher, mais ela sofre com o machismo. Quando mais negra a pele da mulher, quanto menos heterossexual e/ou cis é a mulher, maior é a desvantagem na qual ela se encontra.
Como ser Mulher, no fim, apresentou um feminismo bastante branco, num conceito geral, e isso foi decepcionante. Porém, não estou marcando ele como uma perda de tempo, uma vez que levantou assuntos importantes, tocou (mesmo sem querer) em discussões sobre assuntos que precisamos prestar mais atenção e também trouxe ensaios muito bacanas.
Dito tudo isso, não posso dizer que não recomendo o livro. Ele tem seus pontos positivos, em especial para quem busca uma linguagem mais fácil para mergulhar o pé pela primeira vez na piscina do feminismo. E se as suas crenças se assemelham as dela, então você vai aproveitar ainda mais. Deixo minha resenha como uma vitrine sobre o que você vai encontrar por lá e confio que você vai saber se é um bom livro para você ou não.
site: http://www.queriaestarlendo.com.br/2018/01/resenha-como-ser-mulher.html