jota 02/05/2022BOM: através do olhar das crianças de LFT a descoberta do mundo e das paixões humanasLido entre 28 e 30/04/2022. Avaliação da leitura: 3,8/4,0
A narrativa que abre esse pequeno volume (de cerca de apenas sessenta páginas) é “Herbarium”, que eu já conhecia de outra coletânea de contos da autora. Menina é apaixonada pelo primo, que tem um herbário num sítio: ela procura coletar folhas raras, que o rapaz ainda não tem. E as encontrando fica “tremendo inteira de paixão”. Mas uma bela moça da cidade surge na história; com ela o rapaz deveria partir, conforme tia Clotilde havia sonhado antes. Nesse dia a menina encontrara uma folha raríssima. E agora, enciumada, dará a folha ao primo ou não?
Em “O segredo” (terceiro conto) garota fica fascinada ao descobrir como vivem prostitutas nas vizinhanças de casa ao tentar recuperar uma bola caída (jogada propositalmente, na verdade) no quintal de duas senhoras "pecadoras", a quem as pessoas ditas direitas evitavam como se elas fossem leprosas. Em “O menino” (segunda história) um garoto experimenta enorme frustração ao descobrir que sua mãe não era exatamente a criatura digna de sua imensurável adoração. Ele percebe que o homem que no escurinho do cinema se senta na poltrona ao lado dela parece estar ali não exatamente para ver o filme. Tampouco a mãe.
Ainda teremos mais dois contos nesse volume de histórias curtas de Lygia Fagundes Telles (1918-2022). Todos eles têm duas coisas em comum, conforme destaca a professora Noemi Jaffe no posfácio. Uma delas é a descoberta, a revelação, “(...) o desvendamento do mundo e das paixões adultas através do olhar de uma criança.” Aqui principalmente através da ótica das meninas, já que elas são as personagens principais de quatro dos cinco contos do volume. De todo modo, as descobertas de meninos ou de meninas estão quase sempre ligadas ao fascínio (pelo primo, pelas prostitutas etc) ou então à frustração (pelo comportamento da mãe), conforme exemplificados nos contos mencionados.
A segunda coisa em comum nessas narrativas é que tanto a menina do herbário ou a da vizinhança quanto o menino que foi ao cinema com a mãe são personagens que não têm nome. Na verdade nenhum dos personagens centrais das outras duas histórias tem. Essa ausência, ainda segundo a professora Noemi, “empresta aos contos uma atmosfera de mistério e distanciamento, além de propiciar a ideia de que o que se passa com eles, embora bastante individualizado, é também o que se passa em todos os momentos de aprendizagem e descoberta.” Perfeito, é isso mesmo, parte-se do individual para o coletivo, universal.
O conto que deu título ao livro (o terceiro), mencionado acima, é sobre o encontro de uma menina com duas prostitutas da vizinhança, o descobrimento de certos segredos e tudo havia começado com uma aposta proposta pelo irmão, pouco mais velho que ela, mas nem tão inocente assim. Na sequência vem “O gorro do pintor”, bastante curto (duas páginas e meia apenas), que “revela o estranhamento de uma menina diante do contato com a poesia. Sentada ao lado da mãe, na primeira fila do teatro, a garota se assusta com a figura grande, vestida de preto, que declama a história de um pintor.” Essa história termina de forma engraçada, felizmente.
Quinta e última história, “A rosa verde” é sobre perda, o efeito que a morte dos pais, quase que em seguida, tem sobre uma garotinha. Ela agora está aos cuidados dos avós, vivendo numa pequena propriedade rural. A rosa verde do título é uma criação à qual se dedica o avô dela, um recurso de que ele se vale para interessar a menina por algo novo, para tentar espantar a grande tristeza em que ela vive. Ah, por último, mas não menos importante, o volume traz belas ilustrações em branco e preto do premiado artista gaúcho Eloar Guazzelli, que o enriquecem mais ainda.