Andreia Santana 12/12/2016
Histórias de terror para assombrar crianças travessas
Contos de terror do tio Montague, do britânico Chris Priestley, é um Penny Dreadful em versão infanto-juvenil. Mais juvenil, inclusive, porque certos trechos, definitivamente, vão causar pesadelo em crianças muito pequenas. Fazendo uma comparação mais próxima do público brasileiro, o livro lembra a deliciosa série de animação Historietas assombradas para crianças malcriadas, de Vitor-Hugo Borges. A atmosfera gótica e soturna, porém, é menos Tim Burton e mais Bela Lugosa.
O livro é uma matrioska. Dentro da história principal, de um sobrinho-neto que visita seu tio-avô para o chá da tarde, misturam-se diversos contos de terror com desfechos que não fazem concessões à pouca idade do protagonista ou dos leitores. Por isso, acredito que vá agradar crianças mais velhas e adultos. A obra também tem um senso de humor ácido e agridoce que a aproxima da saga de 13 livros Desventuras em série, que é bem mais popular entre os integrantes das gerações X e Y do que junto ao seu suposto público-alvo.
Contos de terror... apresenta os leitores a Edgar, um garoto entediado e negligenciado pelos pais (quase um alter-ego masculino da Coraline de Neil Gaiman), que estão sempre ocupados e sentem-se desconfortáveis na presença do menino. Nas férias do colégio interno, Edgar visita o seu tio-avô Montague, um sujeito excêntrico, que vive em um tétrico casarão onde a luz do sol nunca é bem-vinda.
Para chegar à casa do tio, Edgar precisa atravessar um bosque cheio de presenças não muito amistosas, vencendo seus próprios medos, como num rito de passagem da infância para a vida adulta. A recompensa pela travessia são tardes inteiras ouvindo histórias assombrosas que seu tio Montague jura serem verdadeiras.
O autor, com toda reverência aos mestres, mas dotado de criatividade e uma ótima condução narrativa, bebe da fonte de Edgar Allan Poe e de H.P. Lovecraft, com pitadas de Mary Shelley, H.G.Wells e Robert Louis Stevenson. Entre os contemporâneos, há traços do universo onírico de Neil Gaiman.
O mote de histórias fantásticas que o narrador garante serem reais, inclusive com uma coleção de objetos coletados durante as supostas aventuras para a comprovação dos fatos, é um traço em comum deste livro com O orfanato da Srta. Peregrine para crianças peculiares. Mas as semelhanças acabam por aí. Embora o livro de Ransom Riggs utilize o mesmo imaginário gótico, Priestley cria um conjunto mais sinistro.
Acreditar ou não nos contos do tio Montague, como se saídos de uma sequência das Histórias Extraordinárias de Poe, é uma escolha de Edgar e do leitor. Mas o grande mistério da trama é decifrar os segredos escondidos por esse senhor pálido, esguio e esquivo que serve chá para Edgar, enquanto o extasia e assusta com narrativas bizarras.
Chris Priestley, que além de escritor, é cartunista e ilustrador, passou a adolescência lendo obras de terror dos principais autores do gênero. E por ter todas essas leituras, seu Contos de terror... é um deleite em termos de referências e citações que, certamente, serão identificadas de imediato por leitores com mais bagagem. O protagonista ser xará de Poe não é mera coincidência. Os fãs do lado sombrio da fantasia se sentirão em casa.
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