Adriana 02/10/2012Empolgante, repleto de ação, aventura e uma boa dose de drama, conheçam hoje o primeiro livro da série Dustlands, de Moira Young.
Caminhos de Sangue é mais um livro em que o autor mostra como ficará a sociedade em um futuro apocalíptico: os seres humanos quase acabam com seu planeta graças a guerras sem fim. Neste mundo vivem Saba, Lugh e Emmi, que moram com seu Pai em uma cabana junto a Lagoa da Prata. Porém, este é só um nome, pois qualquer água que existia no lugar minguou há muito tempo. Eles levam uma vida sofrida e solitária, pois podem passar meses até que alguém apareça em sua cabana. Lugh e Saba são gêmeos e carregam uma ligação muito especial. A garota é dependente do irmão pra tudo: como ela mesma afirma, Lugh é seu sol. Já Emmi é desprezada pela irmã, porque foi no parto da menina que a mãe deles morreu.
A vida pacata termina abruptamente quando, no meio de uma tempestade de areia, quatro guerreiros trajados de preto matam o Pai e sequestram Lugh, fazendo desmoronar o mundinho daquela família.
Saba, que prometeu recuperar seu sol a qualquer custo, decide partir em uma jornada épica atrás dele. Porém, os perigos e desafios de um mundo até então desconhecido para ela podem ser fatais, e carregarem junto todos aqueles de quem ela gosta.
“O homem sábio vê isso, dá meia-volta e foge o mais rápido que pode. (Jack)
Mas a gente num vai dar meia-volta, falo. (Saba)
Não, ele fala. Sabedoria num é uma virtude que eu finjo ter.”
Pg. 247
Um fato curioso é que a autora usa uma linguagem tipicamente “caipira” para narrar as falas dos personagens. “Vamo”, “tá”, “fazeno”, “comeno”, “num” e assim por diante são corriqueiros e ninguém fala corretamente no livro. Apesar de ser bem estranho no começo, depois de um tempo o leitor se acostuma com isso e dá pra perceber nitidamente o que Moira Young quis mostrar. Naquele mundo futurista a sociedade regrediu aos primórdios da civilização. As pessoas são reclusas, não existem grandes cidades e nenhum tipo de tecnologia.
Porém, o mais incrível é a comunicação, ou falta dela, que se dá somente por via oral. Não existem livros ou qualquer tipo de escrita, as pessoas são rudimentares até na fala, como se fosse uma espécie de regressão evolutiva necessária. É como se tivéssemos que retornar a um estágio anterior porque evoluímos demais em pouco tempo e não soubemos lidar com isso. Foi fascinante perceber que a autora conseguiu dizer tudo isso nas entrelinhas, quando o foco da trama está todo em outro lugar (a busca de Saba por seu irmão).
“Eu num vou abandonar você, falo. Prometo. Vou tentar ser uma irmã melhor pra você Emmi. (Saba)
Tá tudo bem. Num precisa. Eu to meio que acostumada com você do jeito que é. (Emmi)”
Pg. 218
Preciso confessar que até a página 100, mais ou menos, o livro foi bem arrastado para mim. Talvez a autora pudesse ter agilizado um pouquinho mais o começo da ação. Porém, depois que ela acontece não dá pra largar o livro. É um acontecimento atrás do outro, entram em cena novos personagens muito divertidos e, é claro, um mocinho extremamente fofo, mas com aquela pegada bad boy que agrada tanta gente! Eu terminei Caminhos de Sangue apaixonada por Saba, Jack, pela fofa da Emmi, pelo Ike, pelas Gaviãs Livres e por todo aquele universo tão bem descrito por Young.
“Eu num tenho tempo pra isso Emmi, digo. Eu…
Cala a boca Saba, ela fala.
Eu to tão bestificada que fico quieta.”
Pg. 261
Saba é uma protagonista bem difícil de lidar: assim como os personagens (principalmente a Emmi, que é esculachada constantemente pela irmã) temos dificuldade em aceitar os trejeitos grosseiros e as atitudes malucas dela. Ainda bem que podemos acompanhar seu desenvolvimento, até que no final o livro todo já tem uma pegada bem mais divertida, mesmo com os acontecimentos sombrios que o permeiam.
“Atrás de mim ele (Jack) começa a cantar.
Eu já escalei montanhas altas e naveguei por mares vastos
E muitas formosas vi
Mas a beleza dela me derrubou com um único olhar
Ó, Annie malvada, a quem nunca hei de agradar.
(…)
Ah, tantas belezas desejaram que eu ficasse
Mas só Annie me arrebatou
Pode me ferir, me afastar, meu coração cortar
Mas minha Annie malvada eu não vou deixar.
(…) Em pouco tempo to cansada não só da melodia e da voz dele, mas também de ouvir falar da Annie malvada. Que canção imbecil. Quer dizer, que tipo de idiota ia aguentar uma mulher tão problemática?”
Pg.278
Na capa há uma citação assim: “Forte… Perfeito para fãs de Jogos Vorazes”. Eu, pessoalmente, não gosto deste tipo de comparação, principalmente na capa de um livro. Porém, é impossível não notar certas semelhanças: protagonista durona sacrifica quase tudo por um irmão, tem que lutar contra diversos oponentes por obrigação, um mundo alternativo onde as diferenciações de classes sociais são mais rígidas e onde a violência é lei. Entretanto, acredito que Saba é ainda mais dura que Katniss: ela tem dificuldades em gostar de qualquer um e de qualquer coisa que não seja seu irmão. E é este processo de amadurecimento que também acompanhamos ao longo da jornada.
Poderia ficar falando horas sobre o livro, pois ele realmente rende muita discussão e muita reflexão. Porém, acredito que só me resta recomendar Caminhos de Sangue firmemente, não só para fãs de young adults, mas para todo mundo que procura um livro de entretenimento que agrega cultura e um pensamento bem marcante sobre os rumos que damos para nossa sociedade.
Resenha em http://mundodaleitura.net/?p=4768