Val 19/09/2012
Para uma grande jornada, é necessário uma grande protagonista.
Demorei algum tempo para conseguir terminar este livro, e mais outro para escrever a resenha. Não, o pior é que não é que livro seja desinteressante, mas meu o meu tempo estava um tanto “corrido”, por isso fui obrigado a lê-lo aos poucos, o que fazia meu coração dar pulos de desespero, pois a história seguiu em um ritmo totalmente intenso e elétrico. Caminhos de sangue (Blood Red Road, no original) é de autoria de Moira Young, e é o primeiro volume da série “Duslands“, que ganhou recentemente o Costa Children’s Book Award, categoria dedicada à literatura jovem do Costa Book Award — um dos prêmios de maior prestígio do Reino Unido. Desde então, fiquei muito curioso para saber mais sobre mais essa trilogia distópica, e agora que a editora Intrínseca finalmente trouxe a obra para terras brasileiras, posso afirmar que fui surpreendido.
Saba mora em Lagoa da Prata, junto com Lugh (seu irmão gêmeo), Emmi (sua irmã mais nova, de 9 anos) e seu pai. Sua mãe morreu quando ela era ainda muito jovem, ao dar a luz prematuramente a Emmi. Desde sempre vivendo isolados do mundo exterior, Lugh passou a ser a razão de viver de Saba, levando em conta a ausência da mãe, o pai que pouco a pouco enlouquecera, e o ódio que sente de sua irmã, por culpá-la como a razão de tudo de ruim que aconteceu a eles. A família vive na dificuldade extrema, tanto em mantimentos, quanto em relação ao clima louco de sol escaldante e tempestades de areia. Mas ainda assim, conseguiam viver dia após dia, até que isso lhes foi tirado.
Após Lugh brigar com o seu pai, alegando que já não aguentava mais as loucuras dele, cavaleiros de preto aparecem em Lagoa de Prata, afirmando que haviam ido em busca de Lugh, que seria o “garoto do solstício de inverno” que completara 18 anos recentemente. Após de tentar lutar para impedir o rapto, Saba acaba ferida e, o seu pai, assassinado. Tendo sobrado apenas sua irmã como família, ambas vão atrás de Lugh, conhecendo a dura realidade do mundo em que vive, e aprendendo a não confiar em ninguém.
Caminhos de Sangue me trouxe uma satisfação imensa com seus personagens e relações entre si. A começar de Saba, tão decidida e tão humana. Muitas vezes petulante e, aparentemente, insensível, não conseguimos ficar com raiva dela porque acabamos nos identificando com a sua personalidade e, querendo ou não, a maioria de nós teria atitudes parecidas com a dela em determinadas situações. Por exemplo, nos momentos em que ela maltrata sua irmã, tive uma espécie de choque, pois apesar de ser um ato inconsequente e malvado, a autora fez com que se tornasse entendível para nós o que se passava na cabeça de Saba, e os motivos que a levaram a criar essa raiva de Emmi, que acaba por ser recíproco. Já um pouco mais à frente, Moira dá um belo de um tapa na cara tanto da protagonista, quanto de nós leitores, pois ao ser enganada por um casal de idosos e ser capturada junto de Emmi, ela é obrigada a fica acorrentada e a ver sua irmã sendo torturada caso ela faça algo contra eles, como cuspir, ofender ou tentar fugir. Nesse momento, percebemos que no fundo ela realmente gosta da irmã, ou do contrário, se esse ódio todo fosse verídico, não teria se submetido a algo assim. E esse é só o primeiro dos muitos momentos complexamente emocionantes do laço entre as duas, que não tem tem nada de superficial. Já em Vila Esperança, onde Emmi é obrigada a trabalhar e Saba a lutar com outras garotas presas para servir de atração para o público (que vivem controlados à base de uma espécie de droga conhecida como chaal), nossa protagonista descobre sobre os segredos dessa sociedade sanguinária e as pessoas que vão te dar apoio para que seus objetivos possam ser cumpridos.
Outro grande ponto a favor é o relacionamento amoroso que dá outra visão a história. Jack, assim como Saba, tem uma personalidade muito marcante para nossa realidade de garotas repetitivas e rapazes tipo “príncipe perfeito e esnobe” de nossa literatura atual. Há fogo de verdade entre eles, aquela “química”. Se mostra como uma relação que nos deixa com uma sensação de realidade entre eles. Resumindo: foi um casal muito bem construído, com uma interação impecável entre eles. Quanto aos personagens secundários, dificilmente há algum que você vá se esquecer ou não sofrer pela sua morte. Como esquecer das garotas do grupo Gaviãs Livres, que ensinaram para Saba que a união é que faz a verdadeira força? Ou o gigante Ike, que parecia ser um bobão bruto, mas que nos emociona com o seu desenvolvimento e coração generoso. Sem falar do Rei Pinch, totalmente louco, e que inferniza a vida de nossos lutadores. Enfim, é uma elenco de personagens magníficos e únicos.
Quanto à linguagem do livro, afirmo que a editora adaptou muito bem a forma como eles falam. Tudo é narrado pelos olhos de Saba, no presente. Então vem aquela sensação de que tudo que é novidade para nós, está sendo novo inesperado para ela também. Vi muita reclamação de algumas pessoas que se disseram desanimadas a dar continuidade a leitura do livro, pelo simples motivos que a linguagem é mais “humilde”, sendo bem fiel a realidade deles. Nos diálogos e na narração está repleto de “num”, “fazeno”, e muitos outros termos escrito como pessoas humildes falam. Mas ao meu ver, a autora quis colocar isso dessa forma porque tudo o que lemos é como se estivéssemos dentro da mente e pensamentos de Saba, que assim como todas as outras pessoas desse universo distópico, não tem estudo e obviamente escreveria como fala, caso soubesse escrever. A falta de travessão e algumas outras pontuações é algo que você se adapta logo, construindo uma “voz” de Saba na sua cabeça relatando tudo.
O universo geográfico é muito rico e detalhado, dando pra mentalizar tudo muito bem. Cada capítulo é nomeado com um dos lugares que estão situados em sua jornada naquele momento. Realmente incrível quantas coisas passaram em apenas 350 páginas de livro. Tudo muito frenético, mas que se encaixou muito bem. Moira Young não quis enrolar onde poderia, o que foi muito bom, já que isso deu esse ritmo de leitura acelerado e incansável, mas que não se mostrou desenfreado e sem deixar momentos marcantes pobres, sendo cada um deles muito bem construídos. Tendo dado início à leitura, dificilmente você vai querer parar, porque são tantos mistérios soltos jogados em você e reviravoltas surtantes a todo momento, que o leitor se mantém sempre curioso para descobrir qual será a próxima investida dos personagens, seja do elenco de heróis, ou dos vilões. Tudo com muita tensão e sensação de soco no estômago, mas com diversos momentos cômicos e quentes em várias passagens.
Quanto à comparação com Jogos Vorazes, não achava necessário, tanto que, como opinião MUITO pessoal, se mostrou superior. Mas como The Hunger Games é o símbolo dessa nova moda – a literatura distópica juvenil -, nada mais entendível do que usá-lo para promover obra de tema semelhante, embora nessa situação sejam tratados de forma tão distinta e com elementos que não têm quase nada a ver um com o outro. Podem ler sem medo de ficarem lembrando de fragmentos de um livro aqui ou acolá, pois Caminhos de Sangue conseguiu ser tão singular quanto podia, revolucionador.
No mais, Caminhos de Sangue foi a leitura mais satisfatória que tive até agora nesse ano de 2012, e estou esperando loucamente pela continuação, Rebel Heart, que sairá nos próximos meses lá fora, enquanto sequer tem data prevista por aqui. Resta esperar que eu não enlouqueça de abstinência de novas aventuras (na vida desgraçada x:) de Saba. Lembrando que os direitos para uma adaptação cinematográfica foram vendidos, sendo que logo devem surgir novidades para nós. Então corram – SÉRIO, CORRAM – e vão ler esse livro que merece tudo o que falam de bom!
Resenha postada originalmente em: http://calibrecultural.wordpress.com/2012/09/15/dustlands-livro-1-caminhos-de-sangue/#more-2381