Marcos Scheffel 01/11/2018Um passado amargoMeus verdes anos é um livro de memórias de José Lins do Rego sobre sua infância. Para quem já leu a produção ficcional do autor, fica evidente com estas memórias ecoam em seus romances (Menino de Engenho, Fogo Morto, Moleque Ricardo entre outros).
Focando no aspecto memorialístico, fica evidente um desejo do homem feito de revisitar criticamente seu passado e entender as relações familiares e sociais que vivenciou. Tudo isso num passado que tinha herdado as marcas da escravidão, do machismo e do mandonismo local.
Todas as relações pessoais giravam em torno de posições hierárquicas fortemente marcadas. O menino Dedé (apelido de José) sentia o abandono da criança relegada a um segundo plano. Suas tias sentiam a condição de mulheres brancas submissas aos seus maridos. E nessa escala pobres, negros e mulheres sentiam ainda as marcas de uma sociedade escravocrata. As lembranças de uma de suas tias (branca) - humilhada pelo marido - espancando uma de suas empregadas (negra) revelam um profundo criticismo do autor destas memórias.
É muito bonito o olhar de simpatia pelos humildes, pelos pobres, pelos negros, pelos presos que o menino constrói por se sentir como eles também vítima dos abusos e violências daquele mundo.
A escrita lírica de Zé Lins gera um contraste violento entre a beleza da linguagem e a dureza das cenas narradas, deixando este gosto amargo de um passado que nos assombra.