spoiler visualizarmariwsk 12/05/2024
Um trabalho do EM que merece atenção
“A Igreja do Diabo” é uma obra de Machado de Assis, um dos mais renomados escritores brasileiros do século XIX, publicada em 1884, no Rio de Janeiro. É um conto do livro “Histórias sem Data”, lançado pela editora Garnier, em que, assim como todos os outros do autor, ele busca manter a atenção de quem está lendo e apresenta características do Realismo, movimento literário que buscava retratar a realidade de forma objetiva, como a crítica social e a representação irônica da realidade, utilizando o Diabo como um personagem central para questionar valores estabelecidos e explorar a natureza humana.
Da mesma forma que a sociedade acredita, essa história retrata a dualidade entre o Diabo e Deus. O maligno tem a ideia de fundar uma nova religião, já que estava insatisfeito com sua condição bagunçada que estava vivendo: sentia a falta de controle e poder sobre a sociedade, apesar de seus ganhos abundantes e constantes. Portanto, ele decide tomar medidas para mudar essa situação, assim, revelando a doutrina que enaltece os pecados e rebaixa as virtudes, argumentando e subvertendo a tradição, extinguindo a solidariedade humana e consolidando seu poder organizadamente.
Como uma forma mostrar que é capaz de desafiar o próprio Criador, o Diabo vai ao encontro de Deus para comunicar-lhe sobre sua ideia. Deus, por sua vez, após garantir que não irá apoiar nada, escuta ele revelar sua determinação em distorcer as normas estabelecidas e sua independência em relação ao Outro. Em seguida, o Ser Absoluto o repreende, expressando sua frustração em relação à falta de criatividade do Diabo.
Dessa maneira, o demônio desce a terra e começa a disseminar sua doutrina, desmentindo os rumores sobre o próprio, distorcendo valores e a visão do certo e errado, se aproveitando das fraquezas e desejos humanos. Logo, muitas pessoas tornaram-se fiéis a ele, porém, às escondidas, alguns praticavam a antiga doutrina ainda, assustando o próprio. Por causa disso, o ser maléfico retorna ao céu em busca de confrontar Deus, que o responde com compreensão, reconhecendo, diferentemente do Diabo, que as pessoas têm o livre arbítrio de escolher entre seguir o ensinamento ou não. Percebe-se, assim, a famosa contradição social que o autor faz, que também é reconhecido pela complexidade psicológica e ironia.
A partir do ponto que o Diabo começa a pregar, persuadindo as pessoas, elas começam a seguir, não porque acreditam verdadeiramente na religião dele e que essa é a resposta para as questões da vida, mas porque é do desejo delas pecar, e, agora, convém, pois é uma doutrina rotulada dizendo que o desejo delas é certo. Sendo assim, o seguimento à religião do Diabo é uma maneira de satisfazer seus desejos pecaminosos sem culpa.
Revelando a complexidade humana, Arthur Schopenhauer, filósofo alemão, disse uma vez: “a vida é uma constante oscilação entre a ânsia de ter e o tédio de possuir”, encapsulando a ideia de que os seres humanos buscam o que acreditam trazer a satisfação através da aquisição de objetivos e, uma vez que alcançam-os, descobrem que o sentimento é passageiro. De maneira análoga, é evidente a relação dessa frase com o conto, visto que os seguidores do Diabo tiveram a ânsia de pecar sem sentir culpa quando ele influenciou-os a isso, crendo que isso traria prazer, e o tédio de finalmente poder pecar sem sentir culpa, oscilando em seguir a antiga doutrina, quando isso já não é visto como um desafio a ser cumprido.
Vejo isso refletido em situações em que opto por seguir o caminho mais fácil, mesmo que isso possa ser errado, como quando estou com pressa para entregar um trabalho escolar e considero a possibilidade de plagiar textos da internet. Pode ser fácil e rápido, o meu desejo, mas não é considerado correto, e se fosse, não acharia graça, pois não seria mais considerado uma regra que eu quebrei. Assim, o tédio de possuir se manifesta na situação, fazendo com que minha ânsia seja transformada em tédio.
Na minha opinião, o ponto mais marcante é quando o ser maléfico decide erguer sua igreja. Pode-se notar uma sátira às igrejas convencionais, já que até o maligno está erguendo, frisando a ironia de um ser considerado o próprio mal promovendo algo associado ao bem. Como se tem a legitimidade? Quem tem autoridade para determinar o que é certo ou errado? Nota-se a facilidade com que valores podem ser distorcidos e manipulados para servir a interesses particulares, questionando as estruturas de controle e as narrativas de moralidade que sustentam essas instituições.
Isso se manifesta em situações onde figuras de autoridade, como líderes políticos ou religiosos ao meu redor, podem abusar de seu poder para se beneficiar, mesmo que isso seja contra os princípios que supostamente deveriam defender, influenciando minhas ações na igreja ou meu voto eleitoral, pois talvez o padre esteja desviando o dízimo ou o presidente o meu imposto, fazendo eu questionar as figuras que guiam meus princípios.