spoiler visualizarSabrina 29/08/2016
A virtude é coisa que se ensina? - Mênon
O diálogo é iniciado por Mênon, com uma questão de época: a virtude é coisa que se ensina? Sócrates então muda o cenário para sua definição primária: Que é a virtude? A partir daí, Mênon enumera uma série de virtudes, sendo uma a homem, outra a da mulher, e outra ainda a da criança e do ancião. Sócrates o critica alegando que uma definição deve dar conta da unidade de uma multiplicidade. Em suas palavras, “embora sejam muitas [virtudes] e a assumam toda variedade de formas, têm todas um caráter único”.
Elaborado o quadro, Mênon realiza uma tentativa de definir a virtude em geral, mas também fracassa e é criticado novamente por Sócrates, que ressalta que a unidade da definição deve respeitar a multiplicidade do conceito, não podendo nem confundir suas variedades, nem com uma de suas espécies. Sócrates recorre então a um exemplo geral, a definição de figura, para mostrar a Mênon a unidade de uma multiplicidade, visada na definição.
Tendo Sócrates estabelecido um paralelo, Mênon volta a arriscar uma resposta sobre a virtude, dizendo que esta “é desejar as coisas belas e ser capaz de consegui-las”. Sócrates critica, afirmando que todos querem coisas boas, e a diferença entre virtuosos e não virtuosos só poderia estar na capacidade de consegui-las. Além disso, um conceito não pode ser feito de maneira fragmentada, ou casos particulares.
Mênon finalmente chega a aporia, onde reconhece que por diversas vezes havia feito discursos sobre a virtude, mas agora nem sequer sabia dizer o que ela de fato é. Levanta-se então uma segunda questão, sobre a impossibilidade de se adquirir conhecimento. Sócrates tenta uma saída, trazendo o aprendizado como rememoração e o conhecimento como reconhecimento. Mênon pede uma demonstração de sua tese. É chamado então um escravo para que o pensamento possa ser ilustrado, através de cálculos de superfície de figuras geométricas.
Sócrates leva o escravo a aporia, e os faz ver que esta é essencial para que se possa começar a adquirir o conhecimento. O escravo então “rememora” a solução do problema, e Sócrates retoma o diálogo com Mênon, elucidando que o servo antes não sabia, mas as opiniões estavam nele. “Logo, naquele que não sabe, sobre as coisas que porventura não saiba, existem opiniões verdadeiras – sobre estas coisas que não sabe?” Mênon concorda.
A conversação prossegue em torno da ideia de quando a alma adquire a ciência. Opiniões verdadeiras, sendo despertadas pelo questionamento, se tornam ciências. Segundo Sócrates, se a verdade das coisas que são está sempre na nossa alma, esta deve ser imortal. Portanto, é preciso procurar aquilo que não se conhece.
Mênon faz Sócrates voltar à questão original: a virtude é coisa que se ensina? Sócrates aceita examinar a questão por “a partir de uma hipótese”, ou seja, da mesma maneira como os geômetras frequentemente conduzem suas investigações. Aplicando-se ao caso da virtude, se a virtude é ciência, é coisa que se ensina, se não, não. A primeira evidência consiste em, sendo a virtude um bem, deve ser ciência, uma vez que a ciência é a única coisa que é sempre um bem. O segundo argumento para confirmar que virtude é ciência afirma que se os bons fossem bons “por natureza”, a cidade teria cuidados especiais com eles, e isso não acontece.
Surgem, portanto, também evidências contra o fato de ser a virtude ciência, uma vez que toda ciência, sendo coisa que se ensina, tem mestres e alunos. Mas quem seriam eles, no caso da virtude? Sócrates propõe que seriam os sofistas os mestres da virtude. Ânito, associado à pesquisa, responde enfaticamente que não. Em vez disso, afirma que a virtude tem mestres, que são os próprios cidadãos virtuosos. Sócrates então argumenta contra Ânito, que os bons não parecem ser capazes de ensinar a outrem sua virtude.
Sócrates se retrata sobre a afirmação de que só a ciência pode dirigir a ação correta. A opinião correta também o faz; logo, talvez a virtude seja opinião correta, não ciência. Mênon questiona em que consiste a diferença entre opinião correta e ciência, ao que Sócrates explica que:
“as opiniões que são verdadeiras, por tanto tempo quanto permaneçam, são uma bela coisa e produzem todos os bens. Só que não se dispõe a ficar muito tempo, mas fogem da alma do homem, de modo que não são de muito valor, até que alguém as encadeie por um cálculo de causa. [...] E quando são encadeadas, em primeiro lugar, tornam-se ciências, em segundo lugar, estáveis. E é por isso que a ciência é de mais valor do que a opinião correta, e é pelo encadeamento que a ciência difere da opinião correta.” (PLATÃO, s/d, p. 103)
Estabelece-se então que o homem é virtuoso por ciência ou por opinião correta, nenhuma das quais é “por natureza”. Logo, o homem não é virtuoso por natureza. Além disso, se a virtude fosse ciência, seria coisa que se ensina, mas, se fosse coisa que se ensina, haveria mestres que a ensinassem. Como parece que não os há, a virtude parece não ser ciência. Entretanto, a virtude é um bem. Como só há duas coisas capazes de guiar o homem corretamente – a ciência e a opinião verdadeira – se a virtude não é ciência, é uma feliz opinião. Sócrates conclui que “a virtude não seria nem por natureza nem coisa que se ensina, mas sim por concessão divina, que advém sem inteligência àqueles aos quais advenha”, e que o certo é primeiramente saber em que consiste a virtude em si, para só então empreender-se a saber de que maneira ela advém aos homens.