Nucada 30/04/2011
A mulher que se casou com a renúncia
Como a própria autora afirma por duas vezes no livro, não tem vocação para escritora. A capa da obra, seu título e sua proposta são muito atraentes para quem deseja conhecer o lado pessoal do talvez maior ícone do século XX. O texto, no entanto, não estimula a leitura, que acaba sendo um exercício de persistência. Aleida March conta em Evocação - minha vida ao lado do Che (Record, 237 páginas) como se envolveu com a causa da Revolução Cubana, conheceu Che Guevara e viveu com ele por oito anos.
Aleida nasceu em 1937, em Los Azules, na província cubana de Las Villas. Filha de camponeses, foi mandada para a capital Santa Clara para completar seus estudos. Em 10 de março de 1952 ocorre o golpe militar de Fulgencio Batista. Nesse momento, Aleida desperta para a política. Na faculdade de pedagogia, ela entra em contato com as ideias do Movimento 26 de julho e ingressa na organização, atuando como combatente clandestina.
Tempos mais tarde, por já estar fichada nos corpos repressivos do governo, teve que se juntar à tropa guerrilheira do comandante Ernesto Che Guevara, na Serra Escambray. Rapidamente virou secretária dele, fato que os levou a um convívio constante. Ela fala de quando Che percebeu que sentia uma afeição diferente: “Ele me disse que tinha se dado conta de que gostava de mim no dia em que o tanque veio ao nosso encalço, por ocasião da tomada de Santa Clara, e que havia temido que acontecesse algo comigo”. A partir dessa declaração, os dois passam a ter uma “amizade colorida”, até que Che a pediu em casamento através de uma carta, antes mesmo de ter pegado em sua mão.
Contrariando as expectativas do leitor, o livro não revela tanto do homem Che Guevara. Nem poderia: apesar de ter sido sua esposa, Aleida March parece ter passado mais tempo esperando que ele retornasse de suas viagens do que ao seu lado. Ela carregou bravamente o fardo de ser esposa de um charmoso guerrilheiro revolucionário: viveu noites angustiantes temendo que ele fosse assassinado em suas missões ou que se apaixonasse por outra mulher, e criou praticamente sozinha os quatro filhos que tiveram, ou melhor, os “pedacinhos de carne”, como Che gostava de falar. “Só posso dizer, não importam as razões, que a nossa vida de casados encontrava outros apoios, os quais, apesar da separação, sempre se alimentaram de amor e responsabilidade compartilhados”.
Virada a última página, a impressão que fica é que Che Guevara era alguém coerente. Assassino, fatalista, obsessivo? Talvez, não vem ao caso. O que interessa é que ele de fato agia de acordo com suas ideias, muitas vezes contrariando Aleida. O livro traz várias evidências que mostram isso: Che não a levava consigo em suas viagens, pois se o fizesse, os outros combatentes também deveriam ter o direito de levar suas esposas; Pediu que a mulher distribuísse aos amigos um barril do seu vinho favorito, que ganhara de presente, por não achar justo que aquela quantidade fosse consumida por apenas uma pessoa. Aleida, em segredo, guardou alguns litros só para ele. E o caso mais extremo: Che arranjou outro dono para uma televisão que Aleida recebera de presente, por julgar que ela não necessitava daquele luxo.
A autora confessou sempre ansiar por um presente de viagem de Che, que raras vezes recebeu. Ele alegava que o dinheiro do Estado não podia ser utilizado para satisfações pessoais. “Na renúncia a esses pequenos prazeres, que sem dúvida teria apreciado, se encontra uma parte da essência de um caráter que tanto comove muitos dos que, em todas as partes do mundo, o consideram um homem de qualidades superiores”.
Apesar dos pesares, Evocação nos torna próximos de Che Guevara, criamos até certa intimidade com ele. Seríamos capazes de fazer seu café da manhã, comprar-lhe um livro de seu gosto, recitar-lhe seu poema preferido, escolher para ele um programa de televisão ou preparar seu banho sem errar a temperatura. Indo além da mítica, o livro nos faz entender que Che era um ser humano, como qualquer um de nós. Que ser humano foi esse? A dúvida permanece no ar.
Depois da morte de Che, Aleida transformou a casa onde viveram no Centro de Estudos Che Guevara.