danilo_barbosa 23/02/2013Ser revisor não é fácil. Além de ter a formação necessária, deve-se ter uma verdadeira paixão por livros. Não no sentido de mergulhar na história e esquecer os menores erros que aparecerem durante o decorrer das páginas. É respeitar a obra e seu autor em todos os momentos.
Há trabalhos que você vai amar fazer, outros que literalmente não quer nem ouvir falar depois que terminar; textos que são fáceis de conduzir, outros que se transformarão em um verdadeiro parto... Por isso, tem de ser apaixonado por aquilo que faz, tentar adivinhar muitas vezes o que o autor quis dizer naquela frase que parece sem sentido e ajudá-lo a encontrar o caminho certo. Revisar uma obra, especialmente nacional, é ser parceiro do autor, não apenas prestar um serviço. É isso que venho tentando fazer nesta minha jornada como revisor.
Bom, muita gente deve estar se perguntado: você? Revisor? Como assim? Pois é, para quem não sabe sou formado em Comunicação Social e, apesar de atualmente exercer a função de redator publicitário de conteúdo on-line, atuei grande parte da minha jornada profissional como revisor publicitário. Ao contrário da revisão de um livro, no "mercado da propaganda" você participa de um processo mais otimizado, como conferir um manual técnico em poucas horas ou um anúncio em segundos. Isso serve de treinamento a sua capacidade para olhar todo o texto tecnicamente, já que na maioria dos casos um erro de digitação ou de tempo verbal é imperdoável.
Foi assim que fui convidado a ser revisor literário. E gosto imensamente de executar este trabalho!
Bom, o fato é que resolvi escrever esta coluna por um simples motivo: desmistificar o trabalho do revisor. Alguns nos trucidam, outras falam bem de nós, mas na maioria das vezes não sabem como o processo funciona. Por isso, utilizarei como exemplos alguns livros que já trabalhei, expondo todos os percalços de um revisor.
Hoje vou falar de um caso que gostei muito de atuar, mas que no final tanto eu quanto sua autora, a Fabiana Cardoso, tivemos uma série de contratempos. Falarei de ADQS, lançado pela Modo no ano passado. O livro, deliciosamente engendrado pela autora, conta a história de Cíntia, que literalmente se envolve com o "cara errado". Presa como cúmplice de um assassinato cometido por seu namorado, acaba sendo salva por uma organização bem fora do comum: a ADQS, que recruta jovens criminosos dispostos a mudar. Eles são treinados e preparados para se infiltrar nos mais diversos lugares para acabar com o crime e manter a ordem. Neste enredo cheio de aventura, amizades são testadas, amores são deflagrados e a morte espreita os jovens que não sabem o que os espera na próxima aventura. E nem nós, leitores, sabemos o que esperar no próximo capítulo.
Além de, como leitor, achar o livro divertidíssimo, passeando entre a ação e comédia com igual teor, ADQS e sua equipe foram especiais para mim. Primeiro, por que foi o primeiro livro nacional do qual conheci a autora. Segundo, foi o primeiro livro no qual eu fiz parte do projeto que vi exposto no estande de uma Bienal. É muito gratificante ao autor ver o seu trabalho exposto, mas para o revisor também é. Fazemos parte da publicação da obra, pegando certas vezes coisas que o próprio editor mesmo não vê. Eu, pessoalmente, mando anotações ou sugestões do que acho sem sentido, falhas de continuidade e coisas assim. É papel da editora ou do autor aceitarem ou não. Sim, minha gente, nem todas as palavras revisadas ou alteradas saem na versão final. O autor pode muito bem recusar sua revisão, parcial ou completamente.
Não que ADQS tenha passado por isso. A forma que ela conduziu a trama, homenageando séries que fizeram parte da minha infância e juventude, como o clássico Anjos da lei, me transportaram em uma viagem nostálgica. Apesar do tom extremamente leve e cômico, utilizado até no nome da organização - Acima De Qualquer Suspeita -, Fabiana foi inovadora em conseguir transportar o mundo dos seriados para dentro de um livro. Ou seja, cada capítulo da trama é uma aventura, um "episódio", onde Cíntia e sua turma passam pelas mais diversas situações.
Bom, mas trabalhar com ADQS não foram só alegrias. Confesso que livros deste estilo devem levar o dobro de atenção, não só pelo ritmo ágil da trama e pelas suas reviravoltas, mas o caso era que, em cada novo caso, todos os personagens adquiriam papéis e nomes fictícios, o que pode confundir um pouco a cabeça de quem revisa. Isso foi uma das coisas mais dificultosas durante o processo de revisão, assumo. Bom, mas o grande aperto de que eu e a Fabiana passamos (aquele mencionado lá no início do post) ainda não foi dito. Pois é... Mas para explicar o fato, devo antes salientar de que nós, os revisores, assim como vocês, somos humanos e não máquinas. É impossível que tenhamos um completo conhecimento da língua (uma das mais difíceis do mundo) e suas nuances. Por isso pedimos para, após a revisão, o autor leia com afinco aquilo que mudamos. Podem ter coisas das quais ele não concorde, outras que tenhamos deixado passar. Neste caso, autores, leiam outra vez: assim como vocês, queremos sua obra se destacando no mercado. Editoras, é imprescindível de que a obra passe pela avaliação final de seus autores, pois os mesmos são os criadores exclusivos destes universos impressos em páginas. Abster-se deste simples gesto soará, no mínimo, desrespeitoso.
Bom, o caso é que terminei a minha revisão, alegre e feliz, e por fim entreguei a obra à editora, chegando até as mãos da autora. Mas para nossa infelicidade, na hora que a Fabiana abriu o arquivo, o danadinho corrompeu, perdendo a maioria dos apontamentos e revisões que havia feito!
Quando ela entrou em contato comigo, primeiro veio o grito duplo de lamentação diante do trabalho perdido. Depois, com muita calma e paciência, fomos mexendo juntos, ponto à ponto, em tempo recorde, para entregar esta obra que, graças aos deuses literários, conquistou a apreciação do público.
Espero que vocês gostem de ADQS, assim como eu gostei de trabalhar com ele. E pensem que uma obra nacional não é apenas um livro na prateleira: tem o suor, a alegria, a dor e a vontade de oferecer cultura de toda uma equipe que recebe de volta mais do que dinheiro (se isso fosse verdade, todos os trabalhadores do mercado editorial seriam ricos). Dentro de suas páginas construídas por um autor reside a satisfação de ter oferecido uma porta mágica, uma nova viagem cultural à todos vocês.
Espero que tenham gostado dessa coluna. Regularmente, falarei aqui com vocês de alguns dos livros que trabalhei e como foi o processo de trabalho. Deixo aqui um beijo à todos.
PS: Ah, uma dica que aplico sempre após este ocorrido: para evitar riscos, ao salvar qualquer arquivo no word, salve na versão .doc (97-2003). Esta é a versão que a maioria das pessoas têm e diminui os riscos de dar o chamado "pau", bug ou conflito de versão.