Liar1 22/05/2024
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- Não suporta que lhe faltem com o respeito. Não tolerou a bestialidade do sr. Lebeziátnikov, e, quando para se vingar de ela lhe ter dado uma boa lição, ele lhe bateu, ficou de cama, sofrendo mais com a ofensa feita à sua dignidade do que com as pancadas.
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- Ela não disse nem uma palavra, pôs-se a olhar para mim... Uns olhos que não são da Terra, como os dos anjos que choram as culpas humanas, mas que não as condenam! É muito mais penoso assim, quando não nos censuram!...
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Sofria de uma maneira horrível ao convencer-se de que tudo o abandonava, a própria memória, a mais elementar prudência.
"Será isso o princípio do castigo? É isso, é!"
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Experimentava simplesmente a penosa sensação de um grande isolamento. Que lhe importava, agora, a própria ignomínia? Que lhe importavam os militares, a letra, o comissário de polícia? Se, nesse momento, o condenassem a ser queimado vivo, nem isso o comoveria; nem ouviria até o fim a leitura da sentença. No foro íntimo, compreendida ou - o que era muito pior - sentia que estava para sempre afastado do convívio dos homens, que lhe era defesa qualquer expansão sentimental, como a de há pouco, que lhe seria impossível sustentar uma conversação qualquer, não só com essa gente da polícia, mas até com os próprios parentes. Nunca, até então, experimentara sensação tão cruel.
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- O que me irrita não é só a falsidade dessa gente; todos podem enganar-se; o erro é desculpável e é certo que por ele se chega muitas vezes a descobrir a verdade. O que me desespera é que, apesar de caírem em erro, eles continuam a julgar-se infalíveis.
Página 177
- De fato, os homens deixam-se levar e cometem erros, mas devemos ser indulgentes. Tais erros são simplesmente a prova de entusiasmo por uma causa e o anormal meio ambiente em que vivem. Se pouco foi feito até hoje é porque o tempo foi curto. Em uma palavra: separamo-nos irrevogavelmente do passado; e isso, em meu modo de ver, já é um grande progresso...
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- Deus é infinitamente bom e misericordioso; espere o seu socorro, respondeu o sacerdote.
- É, é bom, é misericordioso, mas não para nós!
- Isso é um pecado, senhora, uma blasfêmia - observou o padre.
- E isto que é? - perguntou apontando o moribundo.
Página 236
- Pensam que os ataco por falarem tolices? Nem um pouco! O erro nos conduz a muitas coisas boas, mas devemos errar sob nossa própria responsabilidade. Digam tolices, mas digam-nas as suas próprias, e eu os beijarei por isto! Errar em nosso caminho é melhor que acertar em caminho alheio.
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"O homem extraordinário tem o direito não oficialmente, mas pelo próprio alvedrio, de autorizar sua consciência a saltar sobre certos obstáculos, no caso especial que assim exija a realização de sua ideia, a qual pode, por vezes, ser útil ao gênero humano."
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"Não; eu só tenho uma vida; não estou para esperar 'felicidade universal'. Quero viver para mim próprio, de outro modo não vale a pena existir."
"Sou na verdade uma praga, porque sou talvez ainda mais vil e ignóbil que a praga que matei e porque pressentia que, depois de a ter matado, diria isso mesmo!"
Página 330
- Sou um monstro, ou antes uma vítima? A razão não é senão uma escrava da paixão.
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- Sem dúvida, és culpada, mas se o és, é somente para o bem de outros. Sei que és uma infeliz. Viver nessa lama que detestas, e, ao mesmo tempo, saber (porque não podes ter ilusão a tal respeito) que isso de nada serve, e que teu sacrifício não salva ninguém!...
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Se, com efeito, fosse culpado ou tivesse tomado parte nessa maldita questão pergunto: continuaria sustentando que procedera em uso da razão e não em delírio?
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Na sociedade atual este modo de vida não é normal, porque é forçado; mas na sociedade futura será absolutamente normal porque será livre.
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- E que necessidade tem de casar legalmente meu caro Pedro Petróvitch? Para que quer uma união legal? Bata-me, se quiser, mas declaro-lhe que me alegro pelo seu insucesso, que estou satisfeito ao pensar que é livre, que não está perdido para a humanidade...
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- Se alguma vez, o que é absurdo supor, eu contraísse o casamento legal, estimaria que minha mulher me enganasse. Dir-lhe-ia: "Até agora, querida, eu por ti só tinha amor: doravante respeito-te porque soubeste protestar!" A mulher prova assim ao homem que o estima, pois que o julga incapaz de impedir a felicidade dela e muito inteligente para tirar vingança de um rival.
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Era o seu feitio: via em tudo cores brilhantes e em todos encontrava merecimentos que só existiam na sua imaginação, mas que ela acreditava. Depois, ao entusiasmo sucedia uma desilusão: então despedia com violência e injúrias aquele que antes enchera de louvores demasiados.
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- Se só a necessidade me levasse ao crime, eu seria agora feliz!
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Dirigira-se à casa dela, dizendo de si para si que o seu único refúgio, a sua única esperança estavam ali: cedera à necessidade irresistível de desabafar as suas penas; e agora que ela lhe dava todo o seu coração, julgava-se muito mais desgraçado que antes.
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- Se o senhor convencer alguém com o rigor da lógica, de que no fundo não há razão alguma que justifique o choro, esse alguém deixará de chorar? É claro que não!
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Se lhe fosse possível naquele momento encontrar a solidão em algum lugar, ainda que ela devesse durar toda a vida, ter-se-ia julgado feliz. Ah! Desde algum tempo embora estivesse quase sempre só, não podia dizer que estava.
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- Cada um pensa em si próprio e mais alegremente vive aquele que sabe enganar a si mesmo!
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Oh! Como teria sido feliz se se pudesse acusar! Então suportaria tudo, até a vergonha e a desonra. Mas por mais que pensasse, sua consciência endurecida não encontrava no passado nenhuma falta horrorosa; só se arrependia de ter sido malsucedido, o que podia acontecer a todo mundo.
Ainda se o destino lhe tivesse dado o arrependimento, o arrependimento que despedaça o coração, que tira o sono, o arrependimento cujos tormentos são tais que um homem se suicida para lhe escapar! Oh! Ele tê-lo-ia acolhido com alegria! Sofrer e chorar - ainda é viver. Mas ele não se arrependia do seu crime.
Página 617
A vida tinha substituído nele o raciocínio.