jota 02/02/2013Um bibliotecário da pesadaIcamole, lugarejo mexicano pobre e seco, onde não chove há muito tempo é o cenário deste livro. Os habitantes contam com o aguadeiro Melquisedec para suprir suas necessidades do precioso líquido.
Porém, há um poço, no quintal de Remigio, onde a água não secou completamente. Um dia ele encontra uma menina morta no fundo. Recorre ao pai, Lucio, para ajudá-lo a ocultar o cadáver: alguém deve saber que seu poço tem água, tem inveja dele, quer prejudicá-lo, pensa. Mas as suspeitas recaem sobre o aguadeiro Melquisedec, e a polícia o leva preso.
Lucio, bibliotecário de Icamole, é o único para quem a literatura importa. Ninguém retira livros ou faz consultas ao acervo: ele reina sozinho na biblioteca. Lê tudo o que lhe cai em mãos, sabe trechos inteiros dos livros que leu. Separa os livros em duas categorias: os bons e os ruins. Lança os livros que considera ruins num cômodo – a que chama de Inferno – povoado por baratas, para que os destruam.
O bibliotecário tem um estranho método para saber se o livro é bom ou ruim: ele sempre lê o final dos romances. Se gostar do final isso significa que o livro é bom e logo vai para a prateleira dos favoritos, para lê-lo um dia. Não apenas isso, ele também muda finais de livros, acrescenta ou desenvolve finais, imagina outros, como faz com o belo final de As Neves Azuis, do russo Igor Pankin. Num mesmo parágrafo, numa linha, estamos em Icamole, mas na outra linha o bibliotecário mexicano já nos transportou para Paris ou algum lugar na Rússia ou no Japão.
De volta ao começo: desde logo, Lucio identifica no caso da menina morta do poço muitas semelhanças com a morte ficcional de Babette, a pequena personagem do livro A Morte de Babette, do francês, Pierre Laffitte. Seguindo o livro de Laffitte, ele traça o destino que deverá ser dado ao corpo e que rumo a investigação policial tomará. Orienta, então, Remigio e o ajuda a enterrar Anamari (a menina morta) sob um frondoso abacateiro no quintal do filho.
E então vão se misturando à historia que estávamos acompanhando enredos e personagens de outros livros, numa espécie de revisitação dos clássicos apreciados por Lucio, ao mesmo tempo em que a tênue linha que separava realidade (aquela vivida pelos personagens de Icamole) e ficção (as histórias dos livros que Lucio lê) é rompida. Agora é a ficção que passa a explicar a realidade que também é ficção; criada que foi por Toscana. Não sou grande leitor de Jorge Luís Borges, mas me pareceu haver neste livro um certo borgianismo presente em muitas páginas, não sei.
O Último Leitor tem de ser lido com alguma atenção a mais, não porque seja leitura difícil, mas para não perder algum petisco do saboroso festim literário que o autor nos oferece. Pelo modo como foi escrita (plena de metaficção), é uma obra que deve agradar profundamente estudantes de literatura, mas não apenas eles. Não é uma historia emocionante, mas atiça nossa inteligência com certa força de que poucos livros são capazes.
Lido entre 29/01 e 02/02/2013.