Ana Ferreira 21/07/2012
Um final mais sombrio, intenso e realista
Nenhuma outra trilogia que eu já tenha lido até hoje mexeu tanto comigo, fez-me esperar ansiosamente por cada lançamento e torcer pela felicidade das personagens como a trilogia "Gemma Doyle" o fez.
Desde a primeira vez que li "Belezas Perigosas", em apenas um dia, fiquei completamente encantada com a capacidade que aquela escritora, Libba Bray, tinha de envolver os seus leitores numa trama juvenil tão distinta, com muitos toques sombrios e um casal que estava longe dos padrões dos YA books. A propósito, nem se podia ter certeza de tratar-se de um casal. E ainda que "Anjos Rebeldes" estivesse a alguns dias de seu lançamento pela Rocco, corri atrás de e-books e devorei o segundo capítulo da série, mais apaixonada, mais extasiada, em pouquíssimo tempo. Naquela época, "The Sweet Far Thing" ou "Doce e Distante", como ele viria a ser publicado no Brasil, não era nem sequer um projeto. Então corri atrás dele novamente por toda a internet, porque eu necessitava saber como seria o fim da história de Gemma, Felicity, Ann, Pippa, Kartik, Simon, Fowlson, Tom, e tantas outras personagens que, de uma forma ou de outra, tinham se tornado queridas.
Neste ano, então, comprei o terceiro livro logo quando ele foi lançado e, apesar do preço absurdo, só sendo fã para compreender o júbilo de poder reler essa história fantástica e de se emocionar em dose tripla com ela...
Em "Doce e Distante", temos uma Gemma mais desinibida e, apesar de todas as suas fraquezas e medos, decidida a reagir e dar um final a todo o problema com os Reinos e suas tribos. Como se não bastasse isso, a moça também está próxima do início de sua temporada social e a apresentação perante a rainha da Inglaterra, um período que acarreta imensas responsabilidades e decisões de sua parte. Aqui Felicity e Ann estão mais ativas, mais egoístas, de uma certa forma. Felicity quer a todo custo salvar Pippa de sua existência mórbida e Ann... Ann desistiu de ver o mundo fazê-la sofrer para ir atrás de seu sonho, com todas as suas hesitações e receios na bagagem. Pippa nunca me pareceu mais sombria e cruel com Gemma, de uma certa maneira, tentando colocá-la contra as outras em nome do poder. Sempre o poder, poder, poder... Kartik, o nosso querido, por sua vez, demora um pouco até aparecer aproximadamente na página 100 e começar com um papo que deixa Gemma com o coração despedaçado após estar crente de que seriam, enfim, aliados na questão dos Reinos.
Pelas 688 páginas, a história começa meio lenta e vai, aos poucos, pegando força, direcionando-nos ao tão esperado final. Os Reinos estão em crise; as Terras Invernais agitam-se a cada instante, deixando tudo obscuro e tirando a beleza do lugar mágico; a Ala Leste da Spence, palco da desgraça ocorrida com Sarah Rees-Toome e Mary Dowd, a mãe de Gemma, no passado, com o último sacrifício, está sendo reconstruída pelo incentivo da perturbadora Srtª McCleethy; a mente de Gemma nunca esteve tão confusa e ela passa a ver as criaturas que só existem nos Reinos vivendo em seu mundo real. Ainda, em seus sonhos, uma mulher estranha aparece falando-lhe sobre uma Árvore de Todas as Almas que pode ser a solução para os problemas mágicos e a chave de muitos enigmas.
Tudo neste terceiro volume tem uma intensidade maior, um lado obscuro que mostra o amadurecimento, para o bem e para o mal, das personagens e um realismo típico de Libba Bray, característica notável dela desde o começo da trilogia. Acho admirável, inclusive, a capacidade da autora de inserir assuntos como vício em drogas, homossexualismo, loucura, abuso sexual, automutilação e tantos outros em meio a uma obra direcionada a jovens. É perturbador, na medida certa, e humano, acima de qualquer outra coisa. Quando dizem-me, eventualmente, que acham a Gemma uma protagonista ruim, respondo apenas que ela é humana e, como nós, cheia de defeitos e qualidades responsáveis por aproximar leitor e personagem.
Para os que estiverem esperando por uma nova face da amizade de Gemma, Felicity, Ann e Pippa, aqui poderão vê-las mais unidas e, também, extremamente distantes. Neste livro, as meninas provam umas às outras o significado não somente da lealdade, mas da inveja, do afastamento e da culpa, aquela culpa sempre tão presente na trilogia GD. Para os que estiverem esperando por um romance definitivo entre Kartik e Gemma... Puxa vida, esses vão se emocionar. Nunca havia torcido tanto pelo casal como torci aqui e cada momento vivido só veio para provar o quanto eles pertencem um ao outro, o quão ligados estão pelo destino, pelo amor, pela alegria e pela crueldade da vida. Libba Bray concedeu-nos um romance, nos outros dois livros, em doses homeopáticas e em "Doce e Distante", terceiro e último, ela simplesmente deixou a intensidade fluir, colocou tudo a ganhar e a perder em cada beijo e na descoberta de um sonho compartilhado. Apesar de tudo e de todos, no entanto, quem mais me impressionou neste livro foi a protagonista da história, Gemma. Cada ação sua, cada difícil decisão tomada e o controle da magia aprisionada em seu corpo fizeram dela uma mulher que, enfim, arcou com as duríssimas consequências de seu bem mais precioso: a liberdade.
Embora muitos digam que este foi um livro cansativo, eu diria que ele foi ideal. Teve seus momentos ágeis, depois os mais lentos, sempre numa cadência típica de Libba Bray. Teve seus instantes de euforia e, não menos presentes, os de tristeza aguda, os quais certamente farão com que o leitor vá às lágrimas. Teve uma Gemma menina e frágil e uma outra, a guerreira, a que cresceu e se viu obrigada a sacrificar seu sentimento mais puro e belo em nome daquilo que o mundo ainda tinha a lhe oferecer.
Quando, por acaso, abro este livro nos últimos capítulos, especialmente os do ato final, o "Amanhecer",é inevitável que eu não chore, que eu não sinta meu coração quebrado uma vez e outra pela perda de alguém que também aprendi a amar pois, das maiores características de uma autora e de seu livro, o envolvimento do leitor e a perturbação nele sejam talvez as mais louváveis. E só posso terminar esta resenha parabenizando Libba Bray e seu "Doce e Distante" por me deixarem arrasada e, de maneira ambígua, realizada por horas a fio com este final tão digno de Gemma, seu grito de libertação.
"O mundo espera aqueles que querem ver. Parece muito mais do que um ditado. E talvez seja.
Talvez seja uma esperança."
p. 678