Leite derramado

Leite derramado Chico Buarque




Resenhas - Leite derramado


271 encontrados | exibindo 1 a 16
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 |


Marcos Bassini 16/04/2009

Panos
Existem, entre outras, inúmeras, duas tramas inesquecíveis sendo tecidas ao longo deste romance que é, não sem razão, um deleite até para a crítica.

Uma é o próprio enredo do livro, um velho num leito de hospital, narrando, através de caducas reminiscências, a história da sua família, usando como pano de fundo a história do país com sua política, seus costumes e suas mazelas (fingindo aqui não estarem aquelas contidas nesta).

A outra, como já insinuei no parágrafo acima (você se recorda?), é a mecânica da memória, estes panos pingando lá do alto, que nunca conseguimos agarrar, apenas puxar de cada um deles um fio que, enredando-o a outros, guardados onde não sabemos, transformamos em panos que jogamos lá embaixo para nós mesmos.

Chico Buarque, agora com pleno domínio da narrativa, planejando o segundo exato de conceder ao leitor uma nova informação (ou dúvida), conseguiu de mim o mesmo que nos seus shows: a sede de bis quando as cortinas se fecham e o pano cai como uma chapa de leite negro derramando-se no palco.
Samyta 14/04/2009minha estante
Brilhante resenha, Marcos!

Fiquei instigada a ler...



caramelim 17/04/2009minha estante
inspirado, hein!

uhuuuuu!


Aryana 24/04/2009minha estante
Acho que discrepamo um pouco. Fiz uma resenha também, pequenina, na outra edição!


Nessa Gagliardi 19/08/2010minha estante
Linda resenha!!!


Agatha 15/11/2011minha estante
A melhor resenha das que li. Pena que poucos compreenderam o livro da forma que você fez.


Ninha Machado 26/06/2014minha estante
Linda resenha! Fiquei com mais vontade ainda de ler


Bianca 10/01/2018minha estante
UAU! Excelente resenha.


Narrilla 10/02/2021minha estante
Uma resenha é uma resenha.




Felipe Albiero 27/05/2011

Deveras cansativo.
Imagino que criei expectativa demais acerca deste livro. Decepcionei-me.

Um velho falastrão em pleno leito de morte, uma tagarelice sem fim. Estórias, histórias e o conteúdo? Nada muito proveitoso... Para quem busca sempre por algo de cunho mais reflexivo, passe longe deste livro. A medida que eu lia, pensava: "Espero que na próxima página a história ganhe fôlego e aconteça algo interessante".

Quando mais eu esperava que acontecesse algo, mais o velho falava, falava e falava - sem nada dizer, enveredando-se por um devaneio sem fim e tornando a obra cada vez mais obtusa. Até que fui fiel a mim mesmo e parei a leitura na página 40.

Acredito que um livro com conteúdo idêntico, porém escrito por "Astrogildo da Silva", não angariaria tantos fãs.

'Chico, devolve o jabuti!'


Grande abraço a todos.
Heidi Gisele Borges 16/01/2010minha estante
Também concordo com a sua resenha! Consegui ir até o fim, mas sinceramente foi um sacrifício absurdo. Não vi lógica na história ainda. ^.^


Sibele14 31/07/2010minha estante
Também não gostei muito do livro só li até o fim por uma questão de honra digamos assim, achei um livro chato, ilógico uma hora ele estava aqui no presente logo em seguida ele tava lá no início do século confuso demais.


Monique Pacheco 09/05/2012minha estante
Faço minhas suas palavras. Esse livro não me acrescentou em nada. Criei tanta expectativa por ser o Chico e me frustrei. Que ele devolva o Jabuti e se limite a compor apenas.
Esse livro me lembrou uma frase de Carlos Drummond de Andrade:
"Há livros escritos para evitar espaços vazios na estante."


Cris 11/11/2014minha estante
Concordo com todos vcs!So fui ate o fim tb por questao de honra hahaha


Bernadete 17/04/2015minha estante
Concordo plenamente, coloquei expectativas demais, cansativo.




Camila.Nunes 19/01/2022

Síndrome de vira lata
Este é o segundo livro de Chico Buarque que leio. Gostei muito da narrativa. Na qual, um homem, membro de uma família tradicional brasileira, em que através de anos de privilégios históricos foi cada vez mais caindo em decadência. O livro é narrado pelo centenário enfermo em seu leito de hospital. Recontando toda a história de sua vida que também se mistura a história do país. Cheio de racismo, machismo, misoginia, superioridade e falta de reflexão sobre seus privilégios. O autor faz com que o leitor reflita sobre esses personagens que ainda habitam a nossa realidade.
Ricardo.Silvestre 29/01/2022minha estante
Se eu quisesse começar a ler algo de Chico Buarque, seria este livro uma boa opção?


Camila.Nunes 29/01/2022minha estante
Olha, eu só li dois livros dele até hoje. Esse e Budapeste. Não que Budapeste seja ruim. Mas esse é sensacional. Indico muito! Me prendeu do início ao fim. É fácil de ler, flui.


Ricardo.Silvestre 29/01/2022minha estante
Obrigado Camila. Já está na estante dos livros que quero ler.




Pandora 16/11/2010

Gosto tanto do Chico escrevendo livro quanto música. E Leite Derramado foi o romance dele de que mais gostei: achei leve, interessante, a narrativa flui...
Jessica 02/05/2011minha estante
Já leu Budapeste? :))


Pandora 12/11/2011minha estante
Lerei, com certeza!!! :))




Samyle 01/10/2013

Sabe aquele livro que te conquista na primeira linha, na primeira palavra, te encanta, te toca com uma singeleza e um sentimento ímpar? Pois é.
"Mas se com a idade a gente dá para repetir certas histórias, não é por demência senil, é porque certas histórias não param de acontecer em nós até o fim da vida." Pág. 184

Eulálio de Assumpção é um senhor com mais de cem anos, filho de gente rica, de alta estirpe, ligados à política e íntimos de toda a História do Brasil, mas que agora, no quase fim da vida, está num hospital público, à base da morfina e sonhando em reconstruir sua vida lá fora, até mesmo pedindo em casamento a enfermeira que o trata.

"Estou pensando alto para que você me escute. E falo devagar, como quem escreve, para que você me transcreva sem precisar ser taquigrafa, você está aí?[...] Mas hoje a moça não está para conversas, voltou amuada, vai me aplicar a injeção. O sonífero não tem mais efeito imediato, e já sei que o caminho do sono é como um corredor cheio de pensamentos.[...] Até eu topar na porta de um pensamento oco, que me tragará para as profundezas, onde costumo sonhar em preto-e-branco."

Eulálio vai narrando toda a sua vida, sem ordem cronológica, às vezes se contradizendo, começando com algo e terminando com outra coisa que não tem nexo algum com a primeira, demonstrando perfeitamente bem uma mente confusa e desgastada com a idade.

"Vai ver que estou delirando, e de bom grado voltarei a falar somente de coisas que você já sabe. Se com a idade a gente dá para repetir casos antigos, palavra por palavra, não é por cansaço da alma, é por esmero. É para si que um velho repete sempre a mesma história, como se tirasse cópias dela, para a hipótese da história se extraviar. Pág." 96

Achei incrível o fato de haver passagens comentando (brevemente) um acontecimento histórico e que fez parte da vida das personagens, não como um livro de História, mas são meras menções com lembranças, da vida de alguém que supostamente presenciou tudo ou ouviu dos pais sendo narrado como história de família.

"As pessoas não se dão ao trabalho de escutar um velho, e é por isso que há tantos velhos por aí, o olhar perdido, numa espécie de país estrangeiro." Pág. 78

Há partes que me deram um dó tão grande.Fiquei com medo de envelhecer, confesso. É um abandono tão grande, embora ele tenha histórias incríveis, uma vida fantástica e um modo de falar tão aconchegante. Imagina se ele fosse mais um qualquer, quão pior seria? Esse é um daqueles livros que te fazem pensar sobre uma porção de coisas, são memórias registradas desse personagem que é humano, você vê seus defeitos, mas o compreende: o que passamos nos marca permanentemente. Me apaixonei por esse livro, só iria lê-lo porque gosto muito do Chico, mas ele me provou que é um ótimo escritor também.

"É uma tremenda barafunda, filha, você nem vai me dar um beijo? É desagradável ser abandonado assim, falando com o teto."
Fernanda 09/11/2013minha estante
Sam, faço minhas as suas palavras! Chico me conquistou na primeira linha também! Haha
Parabéns pelo comentário!




Marker 10/03/2020

chatíssimo.
Laura Regina - @IndicaLaura 12/07/2020minha estante
Por que você achou chato?




Breno Vince 26/01/2015

Livro para aprender a gostar de Ler
Um bom livro. Assim defino Leite Derramado. Uma boa história que é bem escrita, mas, ao meu ver, não é, nem de longe, genial. Sobre a história de um homem de idade avançada remexendo suas memórias, sobretudo de Matilde, a mulher da sua vida, que ele ora tem certeza absoluta de que o traía e ora a tem como santa, confesso que não achei original por ter me lembrado bastante Dom Casmurro, mas ainda assim vale a pena ser lido. Uma leitura fácil, rápida, que envolve (embora, ao meu ver, provavelmente não se torne o livro mais marcante que vá ler na vida) além de agregar conhecimento.
Rafa P. 01/04/2015minha estante
Breno foi a mesma impressão que tive lendo o livro, me lembrou Dom Casmurro.




Rai @atequeolivronosrepare 02/11/2019

É de um leite que derrama, azeda ou empedra.
📚 "Leite derramado", por Chico Buarque.
📚 Edição de PT de Portugual: grupo LEYA. @leya_portugal
🇧🇷 Literatura brasileira contemporânea. 2009.
🌡 Nota: 5/5 💭 [Minhas considerações]: Não é a primeira vez que recomendo este livro neste perfil. Comecei há muito tempo, na adolescência, em minha primeira leitura dele. Ensaiei algumas informações no post anterior a esse, mas enfim agora finalizei minha releitura.

O primeiro impacto: a quem fala o velho Eulálio em seu leito de hospital? É à enfermeira? Em certo ponto, é à sua esposa Matilde? À sua filha Maria Eulália? À sua mãe? O fato é que quase sempre o velho Eulálio fala à uma mulher. E em uma análise emprestada da psicanálise, cabe muita transferência, projeção e condensação em cada figura feminina que lhe visita ao leito de vida.

O livro começa diretamente com memórias. Através de uma narrativa magistral com a poesia na medida certa, Chico Buarque traz o papel social do velho à tona sem deixar de lado a subjetividade particular da velhice.

Como nos trechos em que diz: "Seria até cômico, eu aqui, todo cagado nas fraldas, dizer a vocês que tive berço. (...)" "As pessoas não se dão o trabalho de escutar um velho, e é por isso que há tantos velhos embatucados por aí, o olhar perdido, numa espécie de país estrangeiro." Chico constrói um personagem que reclama berço, mas derrama suas lamúrias e sua própria libido em uma maca velha de hospital, contentando-se em virar a mancha recente para baixo enquanto se deita sob a mancha seca. (Há algo de dúbio no Leite que intitula a obra, pois é de sexualidade - nem sempre genital, mas também com ela - que o protagonista fala por muitas memórias). Vemos um resgate de um brasileiro que ainda existe (e como resiste exatamente como Eulálio, reclamando suas raízes europeias). Do brasileiro metido à política, de antepassados que falavam bom francês, davam suporte às Forças Armadas e de repente até tiveram "desgostos" familiares como um neto comunista, tal qual o Eulálio senil.

É de um leite que envolve memória, libido, sexualidade, velhice, maternidade e angústia. É de um leite que azeda pela crítica social. Ou empedra no seio. E incomoda. Como Chico bem sabe incomodar.

site: https://www.instagram.com/p/B4Yoj2opjQG/?igshid=ruclbd95kyl7
Laura Regina - @IndicaLaura 12/07/2020minha estante
Nossa, nem minha própria resenha conseguiu resumir e explicitar tão bem o que senti lendo este livro! Amei, Raíssa!




Lima Neto 13/04/2009

fraco
nunca tinha lido nada de Chico Buarque, e resolvi começar justamente por este, que é seu mais novo livro, tão elogiado pela crítica e público.
confesso que admiro muito Chico como cantor e compositor, e talvez por isso tenha me deixado levar a conhecer o Chico Buarque escritor, romancista. talvez tenha sido esse o meu erro: ter me deixado levar pelo nome do escritor, muito mais do que pelo desejo de conhece-lo propriamente dito.
já tinha ouvido algumas críticas não muito favoráveis ao escritor Chico Buarque, mas eu nada falava, afinal de contas, não tinha lido, até então, nada dele. mas agora posso falar: todas estas críticas tinham e têm fundamento, sim.
o livro, pelo menos o "leite derramado", é muito fraco. muito bem escrito, com um português perfeito, com descrições magníficas, com os diálogos, ou monólogos, muito bem produzidos, mas, de maneira geral, o livro é um fiasco. é muito disperso, um devaneio sem fim, muitas vezes sem pé nem cabeça, pouco linear.
a ideia central do livro é perfeita, a de um homem que, ao fim de sua vida, debilitado, em seus devaneios, resolve contar, muitas vezes a uma enfermeira que não o escuta, sua vida e a vida de seus familiares. mas, ao meu ver, a ideia não foi bem explorada, pois a narrativa, por ter sido muito dispersa, talvez, afaste um pouco o leitor o objetivo central, o faça sentir-se pouco propenso a se envolver com a historia.
eu, que já tinha um pé atrás quando o assunto era Chico Buarque como escritor, agora tenho os dois. melhor eu ficar a admira-lo como cantor e compositor.
Claudia Furtado 05/09/2009minha estante
Concordo plenamente!


uyara 27/02/2014minha estante
Talvez você tenha começado com a obra errada. Tente Budapeste. É excelente.
beijo.




vortexcultural 06/08/2016

Por Flávio Vieira
Eis que Chico Buarque retorna com seu quarto livro, Leite Derramado. Uma história que traça todo o panorama do Brasil do último século, sob o ponto de vista de Eulálio Montenegro D’Assumpção, um senhor já com seus 100 anos de idade, que em seu leito de morte, relembra da melhor maneira possível – devido a sua memória já um tanto envelhecida – trechos de sua vida, relembrando em alguns momentos “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel Garcia Marquez.

“…A MEMÓRIA É DEVERAS UM PANDEMÔNIO, MAS ESTÁ TUDO LÁ DENTRO, DEPOIS DE FUÇAR UM POUCO O DONO É CAPAZ DE ENCONTRAR TODAS AS COISAS”

Chico cria uma narrativa sem ordem cronológica, porém, de maneira genial. É possível ir montando esse quebra-cabeça da história da nossa personagem de acordo com suas narrativas, e assim contextualizando com os costumes e valores do último século, além de referências a quebra da bolsa de NY, a Era Vargas, a ascensão nazista e a Segunda Guerra Mundial, a própria ditadura militar, entre outros acontecimentos.

[Resenha completa no Vortex Cultural - Link abaixo]

site: http://www.vortexcultural.com.br/literatura/leite-derramado-chico-buarque/
Gisele 27/10/2016minha estante
undefined




Flavia 28/10/2010

“Se com a idade a gente dá para repetir casos antigos, palavra por palavra, não é por cansaço da alma, é por esmero. É para si próprio que um velho repete sempre a mesma história, como se assim tirasse cópias dela, para a hipótese de a história se extraviar.” (Frase dita por Eulálio no monólogo “Leite Derramado” de Chico Buarque)

Essa é a frase chave para descobrir se realmente quer embarcar nesta leitura. Imagine se um velhote desconhecido, com 100 anos de idade, virasse a você e começasse a despejar um monte de histórias da sua vida... sem tempos exatos, cheios de preconceitos, petulância, contradições e amores, vividos numa sociedade carioca decadente. O engraçado é que durante a leitura você começa a julgá-lo... No decorrer do texto é possível fazer leituras nas entrelinhas, pois o personagem deixa dúvidas e suspenses em sua fala. É preciso ter paciência e querer escutar o que o Sr. Eulálio tem a dizer desde os ancestrais portugueses até os tempos atuais... passando por dois séculos... entre idas e vindas. Se você não está “no clima” é melhor nem começar a ler.

Não é o meu tipo de leitura preferido (não sou fã de monólogos), mas achei interessante para uma análise social. É possível tirar várias características de uma sociedade carregada de aparências e machismos.
Monte Cristo 09/01/2012minha estante
Essa frase também me marcou!




Nessa Gagliardi 19/08/2010

Se tenho idolatria por alguém, certamente é pelo Chico. A fluência da escrita dele é extasiante e sempre fui contagiada por suas palavras e suas melodias. Ao arriscar ler um romance dele pela primeira vez, estava nesse desespero louco de continuar a ser tragada por seu jogo de palavras, suas construções verbais e métricas perfeitas. O escolhido, à época, foi "Budapeste" que, infelizmente, pouco correspondeu à minha expectativa. A monstruosidade de Chico (adjetivo que o próprio abomina, mas que me vem sempre à cabeça para me referir a ele, monstro) não se revelou ali para mim.
Ao ter "Leite Derramado" em mãos para ler, encarei-o sem grandes esperanças, já conformada em permanecer fã apenas do Chico-músico-letrista, e não do Chico-romancista. Talvez esse tenha sido o grande presente do livro para mim. Ao não esperar muito, pude me deixar ser levada e arrebatada pelo brilhantismo do meu ídolo.
Com uma história simples, lembranças de um velho moribundo, Chico consegue nos deliciar com um labirinto de sub-histórias, que se confundem umas às outras e se embrenham ao emaranhado de lembranças dos Eulálios. Leitura para ser devorada em poucas horas, ou degustada por alguns anos.
Lindo, maravilhoso, delicioso, contagiante.
É Chico, né?
*Carina* 19/08/2010minha estante
Ótima resenh para um livro maravilhoso! E acho que a leitura dele se presta às duas coisas: devoramos em poucas horas e continuaremos degustando-a por alguns anos. Como o próprio Chico disse, "certas histórias não param de acontecer em nós até o fim da vida".
Beijos!




Lucas 17/11/2019

Uma obra que encanta mais pela narrativa do que pelo que ela conta
Leite Derramado foi o quarto romance do compositor, músico, dramaturgo e escritor Chico Buarque (1944-), lançado em 2009. Dentro das suas menos de duzentas páginas, são vários os traços que fazem deste um livro peculiar, seja no mau ou no bom sentido.

A narrativa se divide em 23 capítulos, que funcionam mais ou menos como uma coletânea de crônicas sobre a vida de Eulálio Montenegro d'Assumpção, centenário indivíduo que está numa cama de hospital e que disseca suas memórias (não fica claro como ele faz isso) de um jeito confuso, mas que acaba sendo inerente às condições do idoso enfermo. Os antepassados de Eulálio eram portugueses, da alta sociedade do Brasil Imperial, com o pai dele sendo descrito como amigo íntimo de Dom Pedro II. Tendo uma vida abastada, o protagonista se apaixona e se casa com Matilde, de longe a personagem que mais abriga tempo na narrativa, seja em descrever sua aleatoriedade como pessoa, seja para ilustrar a relevância que ela exerce na vida do enfermo.

Os 23 capítulos não são dependentes entre si, daí o caráter nítido de que se tratam de crônicas. Em todos eles, o narrador exprime seus sentimentos para com a família, sem se ater a datas ou linhas cronológicas. Mas ao montar a narrativa desse modo fragmentado, Chico Buarque acaba por dimensionar a caráter das "elites" e sua relevância ao longo do fim do século XIX e por todo o século XX. Se, em muitos momentos dentro desse período, conturbado para a história do Brasil, a classe dominante era vista como um elemento de comando dentro da estrutura social, em outros essa mesma classe era invadida por tipos de classes ditas inferiores, provocando desse modo muitas quebras de paradigma conservador que eram o cerne desse estrato social na qual Eulálio sempre se encaixou.

O leitor desavisado pode achar que esse mecanismo narrativo tenha sido um traço da militância de Chico Buarque, sempre com vieses de esquerda e alvo de dezenas de rótulos ao longo dos anos. É inegável o seu apego a estes ideais, mas isso não explica seu tratamento com a "elite" em Leite Derramado. Na obra, Chico trata das transformações que essa classe superior teve que passar ao longo das décadas para manter sua relevância, não se ocupando necessariamente de tratar essa "elite" como uma fonte de malefícios ou futilidades (até porque o autor esteve longe de ter uma vida pobre quando criança ou adolescente). As nulidades de muitos elementos da classe alta são sim representadas, mas não com o intuito expresso de serem criticadas.

Na verdade, tudo isso sucumbe ao melhor traço de Leite Derramado, que é a forma peculiar de escrita. Inicialmente, o texto de Chico Buarque causará confusão, pois os relatos são misturados, não há um fluxo de pensamento contínuo que interligue dois capítulos seguintes, tampouco ordem cronológica. A edição é diagramada com muitas margens nas páginas, fazendo a leitura fluir com muita rapidez (Leite Derramado pode ser lido de uma "sentada" só). Não há nenhum diálogo explícito, nem parágrafos; o texto vai sendo "jogado".

Tudo isso pode simbolizar um caos narrativo que torna o livro desinteressante, mas aí é que reside a genialidade do autor. De fato, a falta de cronologia pode confundir leitores menos imaginativos; o texto é jogado, mas no colo do leitor, com delicadeza, sem tornar o livro cansativo em nenhum momento. Há uma poesia nas entrelinhas que nada tem de fantástico ou absurdo, mas que é capaz de encantar. Na opinião do autor da presente resenha, inclusive, estes traços de leveza da narrativa e a maneira com que ela é escrita superam de longe a trajetória do protagonista, que nada aparenta de especial ou heróico.

Ler Leite Derramado vale justamente por isso, pela poesia implícita sem ser forçada ou absurda. Isso explica porque maiores detalhes que Eulálio narra da sua vida são aqui omitidos (e são muitos). Chico Buarque certamente não quis expor ensinamentos, explorar os conflitos de classe, tampouco "doutrinar" seu leitor, mas o que ele conseguiu foi encantá-lo por meio de uma narrativa leve, que, mesmo que incapaz de transformar ou ensinar algo, traz vários momentos dignos de lembrança.
Lisboa 30/11/2019minha estante
Caraca, não sabia que Chico Buarque escrevia. Além de suas músicas, é claro. Já gosto das músicas e espero ler em breve este livro. Obrigado pela resenha, ou a indicação.




Eli 17/07/2017

Minhas impressões sobre o livro Leite Derramado, de Chico Buarque
A obra Leite Derramado tem como narrador um homem idoso, acamado em um hospital. A narrativa é não linear pois sua memória é falha, obsessiva e com lacunas.

"É a mão que me sustém pelos raros cabelos. Até eu topar na porta de um pensamento oco, que me trará para as profundezas, onde costumo sonhar em preto e branco."

Tratando-se de um narrador em 1ª pessoa, particularmente este narrador senil e desfalecente, existem dúvidas sobre a veracidade dos fatos. Neste caso essa característica confere uma verossimilhança à construção do narrador-personagem o que muitas vezes é contraditória pois existem divagações e lapsos de memória na narrativa.

"Mas nem assim você me dá remédios, nunca vi essa cara por aqui.Claro, você é minha filha que estava na contraluz, me dê um beijo."

O fluxo de consciência tão marcante na escrita de Chico Buarque dá um tom caótico aos seus livros, esse caos predomina em todo romance e confere um estranhamento, aspecto que longe de ser negativo, qualifica e valoriza a obra.

site: https://elitrevellinescritosguardados.blogspot.com.br/2017/07/resenha-da-obra-leite-derramado-de.html
Juliana 24/03/2018minha estante
undefined




Jim do Pango 06/07/2010

Um leve espírito
Leite Derramado faz jus às alusões unanimemente positivas que recebeu da crítica literária: é, de fato, extraordinário. É belíssimo.

Antes desse livro, o escrito Chico Buarque não havia me despertado grande interesse. Por nenhum motivo específico, naturalmente. É que Se chega a uma fase da vida em que você descobre que (infelizmente) não vai conseguir ler tudo o que quer, então é natural que haja uma seleção maior das obras e escritores. Não bastasse, é justo nessa fase que também se descobre que é preciso volver à algumas obras do passado, que são sempre representadas por uma vasto acervo, cada vez mais vasto à medida que os anos se acumulam. Por essas e outras razões permanecia ignorando o Chico Buarque.

Foi então que, depois de ouvir e ler um pouco a respeito desse livro específico, de repente, ele começou a ganhar forma em minha estante. Ele se materializou ainda mais e quase ficou palpável ao lado daquele meu velho Alexandre Dumas quando chegou uma indicação da pessoa mais sensível que conheço (minha namorada). Esse último acontecimento já me dera motivos suficientes para o Chico Buarque tomasse a dianteira na ordem de leitores que me aguardam na estante, porém, faltava ainda uma última cartada para que o livro fosse parar em minhas mãos (e não estou me referindo ao fato de tê-lo ganho justamente de presente no dia nos namorados, isso naturalmente ajudou, e muito, mas não foi isso); essa última cartada de que faltava, que para atingir o mesmo efeito posso bem nomear de uma última ponte que me ligaria ao romance, veio de um curto raciocínio lógico, que tento reproduzir agora:

Pensei em “Tanto Mar”, a belíssima canção em que o Chico Buarque trata da Revolução dos Cravos. Refleti que é espantoso o fato de o Chico conseguir dizer tanto sobre um evento histórico tão importante em tão poucas linhas, em tão poucos versos e ainda emocionar. Foi a partir dessa premissa que me questionei: o que alguém como o Chico – que consegue em um verso de uma canção registrar tanta coisa bonita e passar tanta emoção – faria escrevendo um livro?

A resposta, agora me parece ainda mais evidente, já estava presente na aceitação da obra pela crítica especializada. A resposta estava ali e foi exato o que pude confirmar nas pouco menos de duzentas páginas em que o velho senhor Eulálio Montenegro D’Assumpção narra suas memórias.

E ele fez esse livro que faz sorrir em muitos momentos e, portanto, diverte.

Fez esse livro que desperta certa melancolia em outros e, portanto, emociona.

O protagonista em dado momento diz que a sua Matilde tinha “um espírito leve”, como a dizer que ela não guardava rancores por muito tempo, mas é o próprio protagonista que revela o espírito mais leve desse romance na maneira estóica com que narra as agruras de sua família.

Ademais, são tantos e tão precisos os relatos de um tempo que já não existe, e que o próprio autor não viveu, que deixa a forte impressão que a obra tem bases sólidas, erigidas em detida e séria pesquisa.

O curioso é que, antes do fim, voltei a pensar em “Tanto Mar” quando vi o Eulálio dizer: “[...] O bar fechava ao amanhecer, e eu ia dormir um pouco mareado. Vedava a escotilha do meu camarote de popa, para não ver o acúmulo de oceano que mais e mais me afastava da minha mulher.” (p. 58).

Esse “acúmulo de oceano” me soou como: “Sei que há léguas a nos separar: tanto mar, tanto mar; sei também quanto é preciso, pá, navegar, navegar.”

Li o livro de um só golpe, como sua composição exige. Antes de voltar a ele, irei atrás de outros títulos do escritor Chico Buarque, é evidente, mas fato é que pretendo voltar e reler. E Dessa vez, pretendo fazer como se deve: com vigor e vagar.
Carla Macedo 05/10/2010minha estante
Carteaux.
Muito boa sua resenha. Quem convive com pessoas mais velhas e/ou tem sensibilidade suficiente e sabe olhar o outro, percebe a poesia deste livro. O li pouco tempo após ter assistido ao filme "O estranho caso de Benjamin Button" e uma conversa sobre velhice em um evento familiar. Então minha cabeça estava cheia de reflexões a esse respeito. Quando o livro chegou em minhas mãos aconteceu como você mesmo disse, e bem dito,o li EM UM SÓ GOLPE!(rs) Dei muita risada quando, perto do final do livro, Chico nos prega uma peça com o lápso de memória da personagem que achei que era eu quem tinha me atrapalhado na leitura. Se terminasse alí seria perfeito!




271 encontrados | exibindo 1 a 16
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 |


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR