caio.lobo. 05/04/2023
Mito É realidade
Você irá passar, mas o mito não. Pode uma civilização acabar, mas seus mitos permanecem, são redescobertos ou suas estruturas se mantém com outras roupagens. Eliade demonstra muito bem seus conhecimentos através das fontes antropológicas citadas na obra, mas seu primor está e unificar e interpretar todos estes estudos de um modo que dá sentido profundo à existência humana e compreende o mundo atual. Eliade tem a perspicácia e inovação de explicar a realidade através dos mitos, mas não começando pelas grandes mitologias como a grega, hindu e nórdica, e sim pelos mitos mais antigos, como dos aborígenes. Além disso, começa pelo começo, através da criação e as diferentes cosmogonias e teogonias, mostrando que festas e ritos sazonais querem recriar este momento primordial para restabelecer a perfeição perdida.
Perceba que o mito tem sua própria temporalidade, ocorreu num ?tempo fora do tempo?. Quando eu era criança eu ficava imaginando em que época ocorreu os fatos da mitologia grega, imaginando que foram anteriores a toda essa história contada nos livros. E descubro com este livro que já os aborígenes, que existem há dezenas de milhares de anos, tem um pensamento semelhante, com o mito se passando no ?tempo dos sonhos?. Esse tempo sagrado é o mesmo que chamamos de mito e contam uma história atemporal que se manifesta de diversas maneiras nas múltiplas existências. Um exemplo é o deus, figura que se apresenta também nos heróis, salvadores e líderes; os estados totalitaristas comunistas e socialistas repetem temas religiosos como o maniqueísmo e luta final entre ?nós contra eles?, a queda do estado de perfeição primordial e o fim da história através de uma ?redenção?.
Um alerta que Eliade faz, e que serve muito bem atualmente, é sobre a perda da memória. Os antigos tinham memórias poderosas e graças a isso os mitos nos chegam. Esquecer o mito é esquecer-se um pouco de si, pois esquecemos o nosso Totem (antepassados), nossa cultura, e principalmente, esquecer a natureza humana. ?Perdendo a memória? o homem começa a se tornar homogêneo na multidão, ou seja, ?morrendo em vida?. Isso se demonstra bem hoje, onde nossa memória está mais num ?HD externo? (celular, computador, nuvem etc.) do que no nosso viver, e quando nos esquecemos de conceitos e palavras não temos mais tantas ?gavetas mentais? para resgate, mas fazemos uma pesquisa no Google e/ou perguntamos ao ChatGPT.
Somos seres ritualísticos, mitológicos em busca do sagrado, mesmo que esse sagrado seja profano. Ritualizamos nossas ações e ?mitologizamos? nossa existência, pois o rito cria transcendência e o mito se eterniza. Enfim, o mito dá início e matéria para aquilo que será fundamental a nossa existência: a religião. A ciência explica, e muito bem, como as coisas funcionam, porém não dá sentido às coisas, mas a filosofia, a religião e os mitos fazem tudo ter sentido. Dessas três, o mito e a religião se aprofundam num tema essencial: a morte. Graças à morte que temos a sacralização da vida, a vida é sagrada e vale a pena por causa de sua finitude e isso nos faz pensar além, transcender olhando para o horizonte...o horizonte da vida.