O Vendedor de Passados

O Vendedor de Passados José Eduardo Agualusa




Resenhas - O Vendedor de Passados


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Ana Sá 02/05/2022

Fico devendo a resenha
Tenho revirado algumas anotações literárias que estão perdidas na minha gaveta, e então me deparei com uns rabiscos sobre este livro de Agualusa, um escritor que já me emocionou muitas vezes. Em um canto, talvez de mim, encontrei um trecho que retirei de “O vendedor de passados”, e depois acabei sendo encontrada por um pequeno texto que escrevi logo ao finalizar a leitura, há uns bons anos.

O trecho do livro é este:

“A memória é uma paisagem contemplada de um comboio em movimento (...). São coisas que ocorrem diante dos nossos olhos, sabemos que são reais, mas estão longe, não as podemos tocar. Algumas vezes já estão tão longe, e o comboio avança tão veloz, que não temos a certeza de que realmente aconteceram”.

O texto que saltou de mim, à época, é este:

“ontem eu li um trecho bonito num livro do agualusa. era sobre a viagem de trem que é a vida, ou ao menos a memória que temos dela. aquela ideia de ver a vida passar bem rápido a partir da janela de um comboio. uma senhora que rega o jardim, a criança que joga bola, o rapaz que segue junto ao cachorro. muito rápido, a ponto de não sabermos se o que nos atravessou era sonho ou realidade. a flor do jardim que talvez nem estivesse lá, o movimento do animal que nos escapa... afinal, o que continua existindo depois desse (des)enquadramento das vidas que a gente não consegue ao certo capturar? será que ao entrar em casa, aquela senhorinha fez café? será que a bola do menino avançou pros lados do trilho? tinha mesmo uma bola ali?
lembrei de mim. eu, andando de trem em dezembro, digerindo uma fala recente de uma amiga querida: “é, aninha, às vezes a gente leva cada susto que chega a parecer que a vida segue enquanto ficamos paralisadas. você já teve a sensação de estar assistindo à sua vida, de tudo seguir e você permanecer?”. sim. ficar perdida em si e já não saber o que é sentimento inventado e o que é amor ou dor de beliscão. uma paralisia que nos leva a desejar até mesmo a pressa. o querer seguir, seguir rápido, correr. mas será que dá para acelerar sem abrir mão da lambida do cão? acelerar, mas com tempo suficiente para sentir o cheiro da terra molhada na qual pisamos pelo caminho? ficar à deriva tem disso. começar a querer escapar, mas sem deixar escapar. 

... como será que a gente faz pra correr da vida sem deixar o que há de vida pra trás? 

então o trem em que eu estava parou. entrou uma moça equilibrando um copo de café na mão. observei com aflição a coreografia daquela mulher para impedir que o líquido quente beijasse sua blusa. uma dança conduzida pelo trem frenético que deixa tudo e todos pelo caminho. mas não houve tragédia. e logo meu receio do tsunami de café deu lugar ao alívio da certeza de que, afinal, em algum lugar alguém fez café. eu posso sentir. alguém fez café. a senhorinha talvez. ao entrar em casa, depois de regar o jardim, a senhorinha fez café. em algum lugar há café fresco, inventado ou coado. e já está. e é o que resta. passa a vida, mas, por sorte, também passam café.”

Obs.: do Agualusa, eu prefiro “Teoria geral do esquecimento”, mas calhou de esta passagem de “O vendedor de passados” cicatrizar mais fundo em mim. Ah, vale dizer que este filme foi adaptado pro cinema aqui no Brasil, mas eu ainda não assisti (o protagonista é o Lázaro Ramos!). De resto, também sei que Agualusa posta fotos lindíssimas no Instagram, algumas delas retratando sua amizade com Mia Couto.
Stella F.. 03/05/2022minha estante
??? lindo!


Ana Sá 03/05/2022minha estante
Que bom que gostou, Stella!


Stella F.. 03/05/2022minha estante
Eu li esse livro faz um tempinho. Vou ver se tenho algum histórico ou resenha. ?


Stella F.. 03/05/2022minha estante
Achei a resenha
Achei a minha resenha. Tem 2 anos. Não é tão poética como a sua, mas reli agora e relembrei um pouco o livro. Faço resenhas para depois de um tempo relembrar minhas impressões. Caso se interesse...


Stella F.. 03/05/2022minha estante
Não consegui compartilhar.


Ana Sá 03/05/2022minha estante
Vou procurar no seu perfil, Stella. Obrigada !!


DIRCE 18/01/2023minha estante
Teoria Geral do Esquecimento, custa hoje, uma pequena fortuna. Eu assisti ao filme e como sempre ficou bem aquém do livro.


DIRCE 18/01/2023minha estante
Teoria Geral do Esquecimento eu não li porque hoje custa uma pequena fortuna.
O Vendedor de passados, li e gostei muito, Assisti ao filme e, como sempre ficou bem aquém do livro.




Claire Scorzi 12/07/2009

Entre os livros e a vida...
Um romance que explora temas como o desenraizamento do indivíduo, a importância da memória, e a solidão enquanto cria uma ficção usando a história recente de Angola. Para nós, brasileiros, pode ser surpreendente encontrar "a esquerda" como a vilã nesse romance. O que só prova que todos que detém poder demasiado, de esquerda ou direita, são funestos, diabólicos, perversos, pervertidos. Fantasia e realidade se mesclam de forma insólita nesse livro que é, afinal, otimista, ou menos sombrio do que a maioria dos nossos exemplares nacionais de ficção pós-ditadura (e sobre ela). Poesia, beleza, intertextualidade, como em outros de Agualusa, sempre numa prosa aparentemente muito simples. Um primor. Uma delícia de leitura. Que daria uma leitura comparada interessante com, digamos, "Sempreviva" de Antonio Callado.
Leia e saboreie. Talvez você também resolva dizer, a exemplo de uma personagem, que entre os livros e a vida, deve-se escolher os livros. Eu já fiz minha escolha.
Manuella_3 21/08/2012minha estante
Nossa, Claire, que delícia de resenha! Estou escolhendo qual livro de Agualusa ler primeiro... Qual vc indicaria?




Deghety 21/01/2022

O Vendedor de Passados
"Acho que aquilo que faço é uma forma avançada de literatura[...] Também eu crio enredos, invento personagens, mas em vez de os deixar presos dentro de um livro dou-lhes vida, atiro-os para a realidade."
A premissa de um vendedor de passados já é por si só muito interessante, com esse trecho, Félix Ventura, o vendedor,  nos traz um ponto de vista que torna a ideia ainda mais excepcional.
Mas ainda assim, todo destaque vai a osga  (espécie de lagarto) Eulálio. Toda a narrativa é feita por ele, os aspectos faz o livro parecer quase que um misto de fábula, fantasia e distopia.
Como se não bastasse toda magia, ou qualquer coisa que o valha, natural desses três gêneros que citei, o lirismo, humor e descrições de Eulálio são extraordinários. E de quebra a obra possui uma trama de dizer: "Supimpa, o que foi isso" (Mentira, só o Seu Madruga fala supimpa) mas é de deixar boquiaberto.
Excelente.
5/5
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Ladyce 04/01/2010

Traído pela memória

No futuro quando a transição entre os séculos XX e XXI for estudada, talvez encontrem vestígios de que a perda de memória era uma preocupação constante da época. Isso porque o assunto de construir ou re-construir memórias, refrescar as nossas memórias, revistas das décadas dos anos 50,60 70, 80, tudo isso parece confirmar alguma preocupação com o assunto. Parece o tema do momento, uma constante cultural pipocando no mundo inteiro. Algumas dessas preocupações vêm da generação pós-guerra, dos baby-boomers, que chegam aos sessenta anos. A medida que eles envelhecem o medo da demência senil, de doenças que acabam com a memória como Alzheimer, parece mais forte. Filmes de Holywood retratando situações em que há problemas de memória também têm sido constantes favoritos do público: “Amnésia”, 2001; “A identidade Bourne”, 2002; “Como se fosse a primeira vez”, 2004; “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, 2004; são uns poucos que me vêm à cabeça.



Diferentes aspectos da memória são revistos com bastante humor no livro de José Eduardo Agualusa, O vendedor de passados. O título se refere à ocupação de Felix Ventura, o personagem principal da história, que ganha a vida construindo passados o mais detalhados possíveis, para seus clientes. Essa elocubração fantástica inclui ancestrais, local de nascimento, profissão dos pais, avós, bisavós, país de origem, antes da imigração para Angola – e pode até incluir, se bem que nem sempre faz parte do pacote – anedotas familiares e árvore genealógica – tudo com documentação que dê apoio à nova vida passada do cliente.



Alguns vão querer argumentar que a prosa de Agualusa deveria ser definida como “realismo mágico”. É a moda, hoje em dia, atribuir realismo mágico a escritores cujas línguas nativas vêm do Latim, como é o caso do português. Sou contra essa definição, porque a acho redutiva. É verdade que a vida mostrada neste romance não existe, pelo que conhecemos. Mas, por outro lado, o inseto de Kafka na “Metamorfose”, deveria colocá-lo na categoria de “realismo mágico”. A verdade é que a imaginação de Agualusa está enraizada numa cultura animista, crente em fantasmas e em almas do outro mundo, em profecias e conversas com espíritos. O que pode parecer realismo mágico para uns é o cotidiano na vida de Angola.

Esse livro é narrado, com muito humor, por uma lagartixa, que se lembra de sua vida anterior, e que conversa com Félix Ventura através dos sonhos deste. Félix Ventura cujo nome, lembremos, quer dizer 2 vezes feliz é capaz de se lembrar tão bem desses sonhos quanto seus clientes acabam se lembrando de todos os detalhes, uma mistura de fatos com realidade, dos passados por ele construído para suas vidas. A arte de Ventura está na promiscuidade com que envolve fato e ficção, na construção de um mito que jamais existiu.



Através do livro somos lembrados que memória é identidade. Que memória é ficção. Que memória é relativa. Que memória é imprecisa. Que memória pode ser arquivada no inconsciente de maneiras que não entendemos e que ela pode nos trair. Que a memória, sendo única, é uma fábula individual. Ela é para ser questionada. Ela existe para ser embelezada. E que os detalhes que a fazem são representativos do espírito da época.



Este é um livro sensacional, que deve ser lido. Rápido na narrativa e com muito humor. É de leitura rápida também. E melhor que tudo, nos faz pensar. É para se guardar, porque tenho certeza que merece ser lido mais de uma vez.



06/12/2007



Uma outra versão desta mesma resenha foi publicada na época e também aparece em inglês na Amazon.

Manuella_3 12/12/2012minha estante
Mais uma resenha que me 'explica' o livro, Ladyce. Demorei a engatar a leitura. Achei o final surpreendente. Gostei da escrita dele, apesar de não ter curtido tanto o livro. Vale pela experiência de conhecê-lo, ainda quero ler outros. Gosto muito do pensamento de Agualusa quando entrevistado. Pra mim são três estrelas.




Thais645 04/01/2023

adorei! ???
Ótimas reflexões, história muito bem escrita, ótimos personagens e um final surpreende!
Achei incrível essa profissão de vendedor de passados e fiquei encantada com o nosso narrador observador e atento, spoiler: ele está ilustrado na capa. ?
Achei intrigante o fato de José Buchmann encontrar relatos de sua família sendo que seu passado é criado por Félix, nosso personagem principal, que criou todo seu passado.
Quando terminei a leitura, além de me surpreender com oq acontece com nosso pequeno narrador fiquei esperançosa em relação ao meu lindo casal, Feliz e Ângela Lúcia... Enfim, leitura com gostinho de quero mais! ?

Quotes:

"Dói-me na alma um excesso de passado e de vazio.?

"Acho que aquilo que faço é uma forma avançada de literatura. (...) Também eu crio enredos, invento personagens, mas em vez de os deixar presos dentro de um livro dou-lhes vida, atiro-os pra realidade.?

?Sei hoje, acho que já sabia antes, que todas as vidas são excepcionais.?

" Há alguma diferença, pensando bem, entre ter um sonho e fazer um sonho.
Eu fiz um sonho."

"Não sei se sonho, ou realidade, se é uma mistura de sonho e vida."
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Suellen223 16/06/2022

Interessante!
Ótima leitura para sair de uma ressaca, leve e divertida. Muitos trechos bacanas para refletir, foi muito legal acompanhar o pensamento dos personagens! Parece-me que nada passou de um sonho, um sonho cheio de vida.
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jheniverso 28/06/2020

Sem palavras!
Precisei ler esse livro por estar na lista de selecionados para uma Universidade e no meio disso, criei altas expectativas para ele, sem ao menos saber o motivo. No entanto, demorei muito com a leitura e apenas vim a ser "fisgada" pela história próximo ao seu fim, na minha opinião, quando o interessante começa a acontecer de fato. Ainda que isso tenha acontecido, o que vem antes é de grande importância para um futuro e bom entendimento, é completamente necessário.

Agualusa me pegou com essa história. Inovadora, eu diria, e não poderia deixar de recomendar!
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Pati 09/06/2021

Uma estranha história narrada por uma osga (lagartixa)?
Em uma narrativa leve e bem humorada, o vendedor de passados é uma reflexão sobre a construção da memória e seus equívocos. A história é contada por uma osga, uma espécie de lagartixa, que em sua narrativa conta a história do vendedor de passados, também revela que já teve um passado na forma humana e que ainda carrega memórias.
Na história prósperos empresários, políticos, generais, enfim a emergente burguesia angolana, que têm o futuro assegurado, porém, falta-lhes um bom passado, adquirem novas identidades, compram uma nova genealogia de luxo, memórias felizes e retratos de ancestrais ilustres. É aí que as lembranças do passado se misturam com as memórias não vividas do passado comprado e já não se sabe mais o que é real, o passado irrompe pelo presente e o impossível começa a acontecer.

A nossa memória alimenta-se, em larga medida, daquilo que os outros recordam de nós. Tendemos a recordar como sendo nossas as recordações alheias - inclusive as fictícias.

??Vale a reflexão:
Qual é o seu passado? Você ainda se recorda? Ou sua lembrança é do que os outros contam para você? ?
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Coruja 24/01/2011

Ano passado, no Clube do Livro, decidimos que em 2011 faríamos uma volta ao mundo literária: além de temas mais corriqueiros e fáceis de mastigar, íamos dedicar alguns meses para encontrar livros de cada continente do planeta, ler e debater.

Nossa viagem começou agora em janeiro com a África, o berço da humanidade. Foi assim um tanto complicado decidirmos o título do mês, porque ninguém do grupo realmente conhecia autores africanos, de forma que pesquisamos e indicamos livros só pela sinopse, sem conhecer muito mais da obra.

O livro mais votado acabou sendo o que eu indiquei, O Vendedor de Passados, de José Eduardo Agualusa. O engraçado é que só fui perceber que esse livro estava na minha lista de futuras leituras quando fui pesquisar as capas do livro para poder publicar com esse post.

Vejam só... eu conheci Agualusa. Ele foi o mediador da palestra de Alberto Manguel na Fliporto, em novembro. Durante a palestra, que tratava sobre identidade e literatura, Manguel citou o livro do Agualusa, mas pelo título em inglês, O Livro dos Camaleões. O que eles conversaram foi o suficiente para despertar minha curiosidade e anotei o título para futura referência.

Aí, pesquisando as capas no google, deparei-me com uma foto do Agualusa e pensei comigo mesma que ele era muito familiar, mas não sabia determinar o porquê dessa familiaridade. Estava resmungando comigo mesma sobre a capa brasileira, totalmente sem graça em comparação a de outros países, quando vi a capa da edição americana.

Foi quando minha memória decidiu dar as caras e eu me toquei de onde é que conhecia Agualusa e que também conhecia algo do livro. Claro que isso só aconteceu depois de ter terminado de ler, de modo que não me adiantou muito a dica.

Devo ter ficado pelo menos meia hora tentando descobrir o que era uma osga, quando finalmente me lembrei (memória não anda muito boa, né?) de que Angola (Agualusa é angolano) fora colônia portuguesa, a língua falada lá era português de Portugal, e eu não ia encontrar 'osga' num minidicionário escolar (o Aurélio está enterrado com um monte de livro em cima e eu não estava a fim de fazer bagunça na estante...).

E também, a edição brasileira não tem uma lagartixa na capa, de forma que eu realmente não tinha como adivinhar. Assim, fui para o Google, e afinal dei de cara com Eulálio.

Posso dizer que gostei ainda mais da história depois que descobri que o narrador era uma lagartixa super-desenvolvida dada a arroubos filosóficos que fora humano (ou sonhava que fora humano) numa encarnação anterior?

Sinceramente, eu não me lembro quando foi a última vez que li um livro tão deliciosamente bizarro quanto este. Alguma coisa no estilo do Agualusa me lembra o Gabriel García, e em especial, o Cristovam Buarque, em A Ressurreição do General Sanchez - acho que pelo enredo absurdo, aquela linguagem do realismo fantástico típico da América Latina, que ganha forma em meio a uma situação política bem específica. A diferença é que a situação absurda de O Vendedor de Passados vem mais da escolha do narrador do que exatamente das situações - coincidências ou não - que surgem ao longo da história.

Basta lembrar do episódio do presidente hondurenho deposto de pijamas ou do novo imposto criado este mês na Romênia especialmente para bruxas - entre tantas outras situações que cercam o mundo político e que parecem anedotas, mas são completamente reais. E, se podemos ter hoje ditaduras travestidas de democracia, porque a idéia de um sósia, escolhido pela União Soviética, substituindo o presidente de uma nação africana no período da Guerra Fria seria menos crível?

Fora isso, um país tentando se reerguer após um conflito que praticamente solapou todas as suas instituições me parece o lugar perfeito para a profissão de Félix, o vendedor de passados - que se apresenta como genealogista, mas que na verdade cria para quem possa pagar um inteiro e respeitável passado. São seus membros da elite, do governo, pessoas que gostariam de ter um avô famoso, um pai homem público, uma mãe filha de portugueses ainda à época da Colônia.

É interessante, aliás, compreender um pouco da história angolana para entender o livro, porque há muitos trechos e observações feitas ao longo da história que se remetem a fatos reais. Ângela, por exemplo, nasceu em 77, "era um fruto dos anos difíceis" - em 1977, Nito Alves deu um golpe de estado que acabou num banho de sangue. O Ministro da Panificação voltou ao país em 92, ao fim da guerra civil, quando ocorreram as primeiras eleições democráticas do país.

Angola viveu um período bastante turbulento testemunhado pelos personagens do livro: entre 1961 e 1974, esteve em guerra com Portugal pela independência, e quando esta terminou, seguiu-se um período de vinte e sete anos de guerra civil, financiada e observada de perto por EUA e URSS, com uma carnificina de cerca de quinhentas mil mortes e um país com todas as suas instituições em frangalhos.

Luanda é assim uma cidade de loucos que perambulam por ruas em escombros, como Félix observa; uma cidade e um país à procura de uma identidade - e é talvez por isso que os negócios de Félix prosperam tanto.

A história é toda uma constante construção e desconstrução de identidades; mentiras que repetidas mil vezes se tornam verdades. O título em inglês faz assim muito sentido, nesse ponto de vista: todos os personagens que formam o núcleo narrativo - Angêla, José Buchmann, Edmundo, Félix e o próprio Eulálio - são camaleões, permanentemente se adaptando, transformando-se naquilo que precisam ser.

São as mentiras que fazem a literatura, como disse o 'autor da diáspora' que Félix foi assistir, e ele também, confessa a Eulálio, ele também é um escritor e um mentiroso. O tempo todo estivera 'praticando literatura' sem o saber. Ele se apresenta como genealogista, mas é na verdade um fabricante de sonhos.

Não é à toa que Félix é albino... na África existe a crença de que albinos são feiticeiros - e não é um feiticeiro um homem capaz de vender passados, de "fazer sonhos", como ele diz em suas próprias palavras? O que me surpreende é a placidez com que ele vive, especialmente a se considerar que os albinos são extremamente hostilizados na África, sendo perseguidos, agredidos, linchados.

Aliás, é até engraçada a coincidência: quando já terminava de ler o livro, estava passando no Globo Esporte (acho que era o Globo Esporte - meu pai estava assistindo no quarto dele e eu ouvi do meu quarto) uma matéria sobre um time de futebol de albinos em algum país africano como forma de tentar frear esse preconceito.

Félix, ao contrário, é respeitado, visto mesmo até como um refúgio para o nosso Louco, que não é tão louco, Edmundo. Ou talvez, não ele em si, mas a identidade de uma mesma língua, do pertencer a uma mesma tribo, de terem ambos sido alunos do professor Gaspar - e lá temos o tema da identidade de novo, que permeia a obra inteira...

Foi uma leitura interessante - e surpreendente (eu não esperava nem de longe aquele final). Não sei dizer o que eu esperava do livro desse mês, da literatura africana - mas posso afirmar que gostei do que vi. Estou com Mia Couto na lista de próximas leituras e verei depois se me aventuro um pouco mais nesse território inexplorado.

(resenha originalmente publicada em www.owlsroof.blogspot.com)
Manuella_3 12/12/2012minha estante
Tb achei o final surpreendente. Gostei da escrita dele, apesar de não ter curtido tanto o livro. Vale pela experiência de conhecê-lo, ainda quero ler outros. Gosto muito do pensamento de Agualusa quando entrevistado. Pra mim são três estrelas.




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Erica.Barone 10/11/2023

Difícil comentar sobre este livro, ele traz muita filosofia, poesia e até mesmo críticas sociais, tudo feito por um narrador bem peculiar. Fiquei um pouco perdida em algumas passagens, mas curti a leitura.
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Lucy 14/01/2024

Amei esse livro. O livro de tão inverossímil se torna verossímil! Não sou especialista, mas o realismo cantaria o criado por Agualusa me lembrou Adolfo Bioy Casares, quando sonhos e realidades se misturam e trazem a história possível, crível e fantástica.
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nay.gba 15/04/2024

PASSADO ALEGÓRICO
O vendedor de passados foi uma leitura que fiz em decorrência do Oração para desaparecer, neste há um personagem que a Socorro pegou emprestado do autor Agualusa.
O livro tinha bastante potencial, achei muito perspicaz o Félix de Acioli e imaginei que aqui seria o mesmo nível.
E por muitas razões não foi. A principal foi que senti falta daquele homem profundamente complexo e desacreditado pelo amor.

Em seguida, não acho que tenha funcionado a escolha do narrador e nem os sonhos intercalados entre a história principal.
Além disso, eu senti muita dificuldade com o vocabulário, muitas palavras regionais. A diferença entre as línguas foi uma barreira pra mim.

Outra coisa, demorou muito para entrar no contexto sócio-político e a contextualização da época, achei que deveria ter sido explorado com mais calma.
A narrativa ficou em torno de uma situação em específico, gostaria de ter lido mais elementos do período.

Além disso, a participação de personagens femininos foram pífias. A figuração feminina tinha muito potencial, gostaria de ter lido tudo sob a perspectiva de Ângela.

Um livro criativo e provocador, que mostra um ponto de vista muito interessante sobre identidade individual e coletiva através de trechos do período histórico angolano.
Leitura Recomendada.
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Silvia Schiefler 20/03/2024

Conhecer novos autores é uma das coisas que mais aprecio na literatura.  Agualusa é novo pra mim, entretanto, é um aclamado escritor, além de  jornalista e editor angolano de ascendência portuguesa e brasileira. A literatura africana é riquíssima em boas histórias, e o Vendedor de Passados é um exemplo disso.
Narrativa surpreendente, cheia de reviravoltas. O narrador, uma osga, uma espécie de lagartixa, que se diz "um pequeno deus noturno", conta a história de Félix Ventura, um homem que vende passados gloriosos a novos burgueses que não têm muito do que se orgulhar em suas vidas pregressas. Félix só não esperava que alguém fosse crer numa biografia por ele inventada como sendo uma história verdadeira - é o que faz José Buchmann, um cliente de Félix que veste a personagem e muda completamente o seu comportamento, a forma de se vestir, até o sotaque. Vale muito a leitura! #leituras2024 #21/2024
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Mila.Soraia 22/05/2021

A forma como o autor escreve é lindíssima. Rendeu vários destaques no Kindle.
Para mim, o que mais se destacou é a questão da volatilidade, da maleabilidade das memórias, tijolinhos com os quais construímos nosso passado.
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