Fabrício Franco 28/05/2024
Da fluidez da memória
Do que eu li: nesse romance de José Eduardo Agualusa, o narrador é uma lagartixa que conta a estória de Félix Ventura, um albino angolano que comercializa memória ao traçar para seus clientes uma nova árvore genealógica, num trabalho feito com base em muito estudo e respeitando questões históricas e culturais de países como Angola, Portugal e Brasil. É importante notar o que motiva os clientes de Félix: na maioria das vezes, buscam um passado do qual possam se orgulhar; buscam o esquecimento do acontecido, uma tentativa de apagamento do que se viveu, uma forma de se construir uma nova identidade. No entanto, mesmo quando construída com muita atenção e detalhes, essa nova biografia deixa lacunas. As informações faltam, algumas histórias não possuem explicação satisfatória, pois não foram vivenciadas.
Para além da questão da comercialização da memória, há referências à fotografia, as escritas do corpo e a escrita propriamente dita. O romance apresenta meios de recordar, seja voluntariamente, por meio de fotografias ou leitura de escritos, jornais, revistas e livros, ou involuntariamente, por meio de eventos traumáticos que deixam marcas no corpo, como no caso de cicatrizes.
Mesclando realidade e fantasia, tecendo uma narrativa complexa sobre identidade, memória e a natureza fluida da verdade, o autor explora temas profundos de forma poética, mergulhando o leitor em um universo rico em metáforas e simbolismos. A escrita de Agualusa é fluida e cativante, levando o leitor a refletir sobre questões universais enquanto se envolve com os personagens e suas jornadas. No entanto, a fusão entre realidade e fantasia pode não agradar a todos, especialmente aqueles que preferem uma narrativa mais linear e tradicional.