Clube do Farol 12/10/2022
Resenha por Elis Finco @efinco
Olá, pessoas. Se existe um nome na literatura que sempre tive uma curiosidade quase reverente em ler é Isabel Allende, e confesso que essa oportunidade me pareceu ser única, então, vamos a ela.
Esse é um romance para jovens leitores, mas também recomendo para leitores de outras faixas etárias, porque a escrita brilhante de Allende não vai te decepcionar, mesmo que não curta tanto a história por ser o desenvolvimento de um garoto de 15 anos, que vai nos contar sua história. Ok, não era bem o que esperava, mas com a promessa de aventuras e uma ida à Floresta Amazônica, a leitura começou me deixando meio confusa e ansiosa pelo que viria.
Vamos começar conhecendo a família de Alexander Cold, que no momento está definhando conforme a doença de sua mãe piora. Literalmente o pai fica por cuidar da esposa e envia os filhos para morarem com seus avós e Alex vai ficar com a avó paterna, enquanto suas irmãs com os maternos. E, assim, vamos descobrindo mais sobre a avó Kate Cold.
Não dá para ter tido mais antipatia por uma personagem do que senti por ela nos primeiros capítulos, mas tudo tem um porém, não é mesmo? E adorei a autora não ter demorado a mostrar que mesmo pessoas menos propensas a demonstrar afeto, tem sua própria maneira de os demonstrar e sentir. E o gelo que senti, em um primeiro momento, começou a se transformar em curiosidade e um voto de confiança.
A história vai acontecer na região amazônica entre a Venezuela e o Brasil, muito legal para lembrar que, mesmo estando grande parte no Brasil, a floresta se estende por toda região norte da América do Sul. À medida que eles viajam para lá, vamos lendo informações e desinformações sobre a região, preconceitos, ensinamentos desatualizados e muitas lendas e mitos não apenas sobre os habitantes, mas também sobre a própria região florestal.
Personagens como Lebanc são o suprassumo do que existe de mais tóxico no homem, a grandeza da Allende se mostra em um capítulo despretensioso e que lindamente exemplifica conceitos que só agora a sociedade parece começar a perceber que acontecem em uma frequência assustadora. O “mansplaining”, quando um homem explica coisas que ele considera óbvias à mulher, muitas vezes com um tom paternalista, como se ela não fosse intelectualmente capaz de entender algo. E o “manterrupting”, quando homens interrompem falas de mulheres. Mas deixando a troca de olhares entre Kate e a Dra. Torres, com aquela sensação gostosa de sororidade.
Alex é o típico garoto de apartamento, que ao se ver jogado em meio à selva, hora parece agir como criança, mas na maior parte do tempo é só um adolescente que está chateado demais, porque o mundo não o serve como o príncipe que ele imagina ser. Portanto, no começo existem cenas que tanto enternecem quanto irritam da parte dele, mas sem dúvida o crescimento dele durante o livro é uma das melhores partes de se acompanhar.
Nádia traz o equilíbrio do nativo que não tenta ser o que não é e aproveita o máximo tudo que pode ser. Afinal, ela não tenta ser canadense por ser filha de uma, ou brasileira por ser filha de seu pai, ou indígena por viver na floresta, ela é Nádia, o que lhe basta enquanto pessoa. Se veste e se enfeita conforme a adolescente que é. E, sinceramente, a maturidade dela transpira perto de Alex, o que só me deixou ainda mais apegada a Nádia por seu amor e respeito pelo seu mundo.
A floresta é muito descrita, imagino que para dar uma experiência para quem nunca esteve ou estará lá e também para deixar de longe a maioria do que é descrito dela ou simplesmente não é verdade ou já deixou de ser a alguns séculos. Alex ajuda muito com sua visão errônea e cercada de avisos inúteis ou conselhos úteis.
A escrita é muito fluida e envolvente, mesmo em uma parte que você considera descritiva (porque já conhece tudo que está sendo descrito, então não tem deslumbramento) é muito tranquilo e vai super bem. Ela não demora muito a rever o que está por trás daquela expedição e da fera que aterroriza as pessoas, nem mesmo tem muita sutileza para explicar porque homens como Lebanc são realmente escolhidos para estarem a frente de projetos, uma pausa para dizer que adorei!
Existe muita ação e constantemente coisas estão acontecendo, não ao ponto de cansar, mas na medida para manter a atenção e a tensão na história. A parte de fantasia é bem misturada com a verdade ao ponto de o limiar da ficção ficar confuso a ponto da possibilidade. Me remeteu, talvez entregando a idade, ao "Mundo Perdido". Gostei muito de a autora mostrar que vários melindres e manias são decorrentes do excesso de opção. Que a privação ensina mais que muitas aulas e que a fome faz o faminto se alimentar do que pode e não do quer e, em um determinado momento, Alex deixa de ser o único narrador da história, passando também a termos brevemente a visão de Nádia.
Perto do fim temos as reviravoltas acontecendo, algumas completamente surpreendentes, pois achei serem de assuntos resolvidos, mas o plot twist principal me deixou muito triste. Porém, não retirou de todo o brilho da história criada e já estou animada para a continuação. Uma das partes mais emocionantes, para mim, foi ter reconhecido e entendido Nádia, antes que a autora a revelasse e, claro, a cena entre mãe e filho. Vou guardar essas lembranças para sempre, com a aventura vivida nesse primeiro livro da trilogia.
Sobre a edição, a capa é lindíssima, a parte interna colorida deixou o conjunto ainda mais elegante, ela tem aquele toque soft e o título em dourado ficou muito lindo. A fonte, diagramação e papel colaboram para o conforto da leitura, a revisão e tradução são excelentes. Boa leitura e até a próxima!
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