Patricia.Nascimento 18/09/2017
A amizade faz desabrochar
Melo, Fábio de. “Tempo de Esperas: o itinerário de um florescer humano”. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2011
Padre Fábio de Melo é mineiro da cidade de Formiga, MG, graduado em filosofia e teologia, pós-graduado em educação e mestre em Teologia Sistemática. Dedica-se ao trabalho de evangelização pela arte em diversas áreas de atuação: como padre, professor universitário, escritor, cantor e compositor. Dentre seus escritos estão os livros “Quem me roubou de mim? o sequestro da subjetividade” (Ed. Canção Nova), “Cartas entre amigos: sobre medos contemporâneos” (Ed. Edioro), “Cartas entre amigos: sobre ganhar e perder” (Ed. Globo) e o aqui resenhado “Tempo de Esperas: o itinerário de um florescer humano” (Ed. Planeta).
Em seu “Tempo de esperas” o autor consegue levar o leitor a uma bonita e profunda reflexão. Amizade, sabedoria, felicidade, medos, dor, sonhos, confiança, fé, são alguns dos temas abordados. A obra é composta por trinta e uma cartas entre um, já aposentado, professor universitário renomado e um jovem rapaz de apenas vinte anos, estudante de filosofia que almeja chegar ao topo da vida acadêmica. Sonha com o reconhecimento e status possibilitados pelos estudos. Já o atencioso mestre abandonou a academia no intuito de levar uma vida mais leve e interiorizada na beleza oferecida pela natureza.
Uma amizade construída e alimentada através de um meio pouco utilizado na contemporaneidade, a carta, revela que o homem tem cada vez mais fome de algo que não sabe nomear. Alfredo é o nome do rapaz que começa a escrever ao experiente professor na busca de respostas para sua dor provinda de uma desilusão amorosa que o deixou sem chão. Enquanto Alfredo tem pressa, Abner contempla. Alfredo sofre de 'juventude', Abner tem aprendido todos os dias a diminuir o passo. E assim, embora nunca tenham um contato físico, os dois novos amigos são capazes de sentir as dores e alegrias um do outro. Eis que surge uma bela e desafiadora proposta: por que você não começa a cultivar um jardim?
Para Abner, a existência humana vale a pena em toda e qualquer circunstância. Neste ponto identifica-se grande semelhança entre a personagem e o autor, uma vez que padre Fábio de Melo em seus trabalhos com a evangelização levanta a bandeira em defesa do saber viver bem apesar de todos os desafios. Para o autor existe sempre a possibilidade de uma nova vida, se regada à esperança de um desabrochar contínuo, afinal "dar um passo na direção desejada já é chegar".
A cada correspondência os laços entre Abner e o jovem Alfredo se estreitam, tanto que as despedidas ao final de cada carta deixam de lado o formal, passando pelo carinho e pela ternura. Os dois começam a construir uma relação de grande, verdadeira e construtiva amizade. Grande é a sabedoria contida nas respostas – que nunca são prontas – do mestre, e, fecundos são os questionamentos do estudante.
Alfredo jamais soube valorizar a simplicidade. Sequer foi capaz de pensar em oferecer flores à sua amada Clara, que acredita ter fugido com um jardineiro, deixando-o arrasado. Ao falar de Clara em suas cartas o jovem demonstra grande angústia por não compreender que motivo levou a doce menina a abandoná-lo. Alfredo desde sempre amara Clara, e tinha certeza que era correspondido, no entanto, com um simples bilhete a moça despediu-se.
A temática do tempo, suas possibilidades e consequências são abordadas de maneira poética e reflexiva. É com o tempo que nasce a sabedoria, uma questão tão bem discutida no livro. Padre Fábio de Melo fazendo uso da voz de Abner e Alfredo propõe uma nova maneira de vê as ausências. É o itinerário de um florescer humano. Abner ao tentar ajudar o rapaz toca em feridas profundas da alma humana. E assim ao passo que o professor inquieta seu novo amigo o autor é capaz de inquietar o leitor.
Alfredo por ser jovem, inteligente, instruído, acreditava que era bom o suficiente para Clara jamais pensar em deixá-lo. Também por conta de suas qualidades, atributos intelectuais, nunca teve amigos, nem mesmo seus pais. Considerou-se autossuficiente a vida toda. E o vazio continuava a crescer. O rapaz aprendeu na universidade como deveria pensar. Nunca quis aprender a sentir a vida, descobrir a beleza oculta aos olhos. Era mais cômodo ser racional a ser um homem guiado pela emoção, nem mesmo em situações em que era indispensável ser. Abner o leva ao desconserto. O jovem sentirá o desejo de plantar um jardim e nessa simples atitude começa a florescer um novo ser humano.
Ao ler "Tempo de esperas: o itinerário de um florescer humano” é provável que o leitor sinta o desejo de aventurar-se na arte da jardinagem, ainda que seja uma simples curiosidade de compreender o processo de morrer para dar vida pelo qual uma pequena semente passa. A cada carta um aprendizado. A filosofia terá que prostrar-se diante da sabedoria possibilitada por um jardim. Não é exagero dizer que é possível que se chegue a conclusão de que para ser um grande filosofo é necessário aprender a reverenciar uma pequena flor.
Longe de ser mais um livro de autoajuda, embora um ou outro crítico o considere como tal, o livro não traz soluções mágicas, tampouco pretende apresentar saídas eficazes para as mazelas humanas. Na obra encontra-se reflexão, poesia, conhecimento, filosofia. O autor foi feliz ao abordar em forma de prosa – o que torna mais atrativa a leitura – diversos temas que inquietam a humanidade. Houve criatividade ao fazer de cada troca de correspondência um capítulo, e também na maneira de escrever, uma vez que há a junção de uma linguagem simples a uma mais rebuscada. É uma leitura de fácil compreensão apesar de na maioria das vezes as personagens estarem filosofando.
A obra é recomendada para quem deseja aventurar-se em uma leve e gostosa, ao mesmo tempo em que profunda, leitura; quem almeja adentrar no interior das fragilidades humanas de maneira branda a partir de pequenos questionamentos a respeito das esperas e ausências que nos são próprias. Em outras palavras, “Tempo de esperas” é recomendado para todos aqueles que gostam de refletir à luz da simplicidade.
Patrícia Bezerra do Nascimento
Estudante de Comunicação Social com habilitação em jornalismo
Universidade Estadual da Paraíba
2016