spoiler visualizarLeticia 21/02/2017
A Reportagem: clichês e originalidade em um mesmo livro
Gisele Coelho é uma jornalista que atua no caderno de Cultura da Gazeta de Curitiba e é a preferida de seu editor, Pedro Mello, sendo conhecida por sua eficiência e acuidade. Entretanto, inesperadamente levada pelo instinto jornalístico, acaba se envolvendo em uma investigação policial que a coloca em situações de perigo extremo por mexer com personagens poderosos da política brasileira e empresários ambiciosos. Ao entrar de cabeça nessa história, Gisele começa a puxar um novelo de lã que vai se revelando um emaranhado de segredos e armações muito suspeitas, fazendo-a contratar o advogado novaiorquino Matthew Newmann para ajuda-la a rastrear uma alta quantia em dinheiro público que se encontra escondido nas ilhas Cayman, no Caribe. Como profissional experiente na busca de contas fantasmas, Matthew é um dos melhores advogados da empresa Kroll Corporation, por isso aceita o desafio de Gisele para descobrir onde se encontra essa fortuna ilegal, ao mesmo tempo em que surge uma atração intensa entre eles que os faz misturar trabalho com prazer. Percorrendo lugares paradisíacos enquanto fogem de criminosos dispostos a matar, o casal vive uma verdadeira aventura com consequências imprevisíveis tanto para sua relação quanto para a vida daqueles que estão investigando, já que um verdadeiro escândalo abala as estruturas do Congresso Nacional brasileiro e ameaça repetir um memorável episódio de nossa história: o impeachment de um presidente.
Análise da Narrativa:
Com um tema centrado na realidade política brasileira, a obra de Bettina Souza, lançada em 2011, possui elementos que poderiam ser considerados proféticos, já que a investigação policial e o cenário político retratados em sua trama são bem semelhantes à conjuntura que o Brasil vive atualmente com o andamento da operação Lava-Jato, a queda de dezenas de políticos aparentemente intocáveis e o declínio de empresários bem sucedidos. O fio condutor do enredo de A Reportagem é a jornalista curitibana Gisele Coelho, que além de competente é descrita também como bela e atraente, o que explica o encanto sentido pelo norte americano Matthew Newmann ao conhecê-la.
Entretanto, se por um lado, a autora acerta na originalidade do tema e no ritmo de ação para conduzi-lo, por outro lado, peca em excesso ao introduzir características clichês em sua narrativa e nos personagens. A começar pela própria protagonista que possui uma família de classe média alta semelhante aos típicos personagens de Manoel Carlos, moradores do bairro do Leblon, no Rio de Janeiro. Os diálogos denunciam ainda mais a semelhança com os textos do novelista, o que já me desanimou logo no início da leitura da obra.
Outro ponto negativo que não passa despercebido é a forma como Gisele e Matthew se conhecem e logo iniciam um romance sem nem ao menos construírem um mínimo de envolvimento emocional. Isso porque a autora acreditou que somente os atributos físicos de ambos e a aparente aversão inicial - briguinhas fúteis que tentam esconder o óbvio namoro que terão - seriam suficientes para garantir a química entre o casal. Ledo engano! Tudo pareceu mais mecânico que um beijo técnico e não conseguiu me prender e nem me empolgar durante a leitura. Gisele é arrogante e mimada, o que já é um ponto negativo na identificação com o leitor. Já Matthew, embora aparentemente superficial, foi o que teve melhor conteúdo a ser explorado, pois seus dramas familiares eram realmente comoventes e trouxeram profundidade à narrativa. Porém, a forma como tudo foi resolvido em sua vida acabou tornando o desfecho superficial diante da complexidade que possuía.
E apesar das boas doses de ação, elas não conseguiram melhorar a história, pois mesmo estando movimentada pelas investigações que o casal fazia no Caribe, a perspectiva era unilateral e limitada, não mostrando o outro lado do cenário, em Brasília, que estava em polvorosa com a repercussão dos escândalos detonados pelo dossiê Cayman. Pode-se dizer que a maior parte do livro se concentra no romance entre a jornalista e o advogado e ignora totalmente o potencial que possui as intrigas políticas. Por exemplo, qual seria a relevância de mostrar as aulas de mergulho de Gisele no Caribe enquanto há coisas mais interessantes acontecendo no Brasil?
E mesmo quando finalmente ela retorna ao país, a atenção continua voltada para suas crises existenciais pouco empolgantes, enquanto o caos toma conta de Brasília devido o impeachment do presidente. No fim, quando o episódio é narrado, ele é simplesmente jogado sem muitos detalhes e deixa inúmeras lacunas sobre seus desdobramentos posteriores. Por conta disso, o livro perde a qualidade que prometia no enredo e termina sendo superficial quando poderia surpreender com diálogos menos novelísticos e maior aprofundamento sobre a política brasileira. O final dos personagens envolvidos nos escândalos foi o mais realista possível, o que foi um ponto positivo, já o desfecho entre os protagonistas, não poderia ser mais clichê, por isso dispensa comentários. Nota: 6,5