Lodir 26/09/2011ÓTIMA ESTRÉIA“Chick-Lit” é a denominação na literatura para os conhecidos “livros de mulherzinha”. Ou seja: livros destinados ao público feminino (principalmente jovem), onde a protagonista geralmente é uma moça na faixa dos vinte aos quarentas anos que está vivendo os dilemas da vida moderna. “Você Tem Meia Hora”, de Camila Nascimento Silva, um dos primeiros lançamentos do Subtítulo (blog que virou editora), é um romance que se enquadra perfeitamente para essa classificação, e não tem medo algum de definir tal público como o seu alvo.
O que eu, um homem, estou fazendo resenhando esse livro, então? Sim, eu provavelmente sou o seu primeiro resenhista do sexo masculino. “Você Tem Meia Hora” chegou até mim após uma grande expectativa, já que faço parte da equipe do site que agora o publica. Não que eu não tenha interesse por esse gênero: já li a obra que provavelmente é a ‘mãe’ dele, “O Diário de Bridget Jones”. Ainda que seja declaradamente feminino, o tal Chick-Lit é um tipo de livro que tem como principal característica a diversão. Não há intenção de passar mensagens aos leitores, nem se aprofundar demasiadamente sobre um tema. Essa é a grande graça do estilo, que o torna atrativo a todos. Se o leitor se divertir durante a leitura e rir um pouco, já está valendo. Essa foi exatamente a intenção que levou a leitura da obra – função que ela cumpre sem problema algum.
“Você Tem Meia Hora” começa com um ponto chave para o gênero: Beatriz, a protagonista, é abandonada pelo marido Arthur em pleno ano novo, quando entra de férias do trabalho. Ela é uma mulher moderna (como estilo literário exige), e dessa forma enfrenta todos os dilemas dessa geração, incluindo ai maridos que abandonam mulheres que se dedicam demais a carreira a ponto de deixá-los de lado. É o caso da pobre aeromoça, que passa dias sem ver seu companheiro enquanto enfrenta turbulentas viagens internacionais. Desesperada, Bia enfrenta uma inevitável depressão, que rende um dos pontos fortes do livro: a narrativa verossímil de uma mulher que passa os dias sem sair de cara, se isolando de todos enquanto detona garrafas de vinho e deixa a sujeita tomar conta da casa. Essa parte é tremendamente empática: não há maneira de não se identificar e sentir compaixão pela personagem. É como se estivéssemos lá, em seu lugar, vendo a própria vida acabar diante de tal situação sem volta.
No fundo do poço, com os dias vazios devido às férias, Bia é carregada de volta a superfície por sua amiga Mariana, a única alma que parece se importar com ela. Mariana faz questão de tentar devolver a ela sua antiga vida, levando-a para fora do apartamento e até para baladas – uma das cenas mais cômicas, desde a dança estilo Beyoncé na pista, até o flerte com o caipira e a cena de sexo no banheiro. Enquanto tenta apagar as memórias que remetem ao ex-marido, Bia acaba aceitando a sugestão da amiga e se inscreve em um programa da empresa para trabalhar em Londres, onde ela acaba sendo aceita.
A autora então nos proporciona uma experiência interessante: acompanhar alguém que muda de país na tentativa de reinventar-se e mudar de vida, buscando em outra cultura os desafios necessários para isso. Claro, é algo comum, que certamente você já viu algum amigo fazer. Como a própria escritora lembra, Londres é o lugar perfeito para isso. Nesse momento, podemos sentir o medo e a insegurança da protagonista quando ela chega ao lugar que é tão distante e desconhecido para ela – um medo natural, mas que ela precisa enfrentar.
A narrativa da vida de Bia em Londres segue. Acompanhamos sua adaptação, a criação do novo círculo de amizades, a vida com o colega de quarto e o seu novo trabalho. Quando as coisas parecem entrar nos eixos e a vida de Bia caminha para um final feliz, quase caindo na rotina (e possivelmente no tédio para o leitor), a autora entrega uma reviravolta inesperada, que pega o leitor de surpresa e muda totalmente a história. Justamente quando a trama parece ficar morna e perder o fôlego, Camila Nascimento mostra quem não há nada melhor que virar tudo de ponta a cabeça para prender o leitor até o fim.
Tirando alguns pequenos problemas de pontuação, acentuação, digitação e revisão (como o nome de Britney Spears, que aparece grifado errado), “Você Tem Meia Hora” é uma estréia surpreendente. Principalmente porque é um livro sobre o cotidiano, com diversas cenas de rotina, como a parte em que Bia vai ao consulado resolver burocracias da viagem. Cotidiano, para mim, é uma das coisas mais difíceis de escrever.
Como, então, escrever cenas sobre o dia-a-dia sem deixar o leitor bocejando? Camila Nascimento contorna isso bem, principalmente porque faz humor com o universo feminino de maneira peculiar. A visão insegura da protagonista diante de todas as situações provoca risadas inevitáveis, e as comparações criativas dela são divertidas. Em alguns momentos é difícil não rir, como na cena em que uma senhora tenta levar o braço da poltrona do avião para casa, como se fosse brinde. Outra coisa que eu gostei foram as diversas referências à cultura pop (música, filmes e séries). Ao invés de descrever um apartamento, a autora apenas indica que ele é igual ao de Mônica do seriado “Friends”. Para quem conhece o seriado, a citação torna-se uma divertida lembrança e uma ótima maneira de imaginar o ambiente.
“Você Tem Meia Hora” é, acima de tudo, um livro divertido, e uma leitura recomendável para quem tem essa finalidade. É uma história de amor, de grandes amizades e até mesmo de relacionamentos familiares (como o grande destaque da autora para a relação conflituosa de Bia com seu pai). É, ainda, uma história sobre reinvenção, superação e mudança. Uma visão realista e engraçada do universo feminino. Se você for homem, certamente vai aprender muito sobre ele. Mas, seja mulher ou homem, certamente vai se divertir muito com a obra.