Ladyce 22/12/2012
Nihonjin, de Oscar Nakasato: o jardim zen da literatura brasileira
Há alguns anos, amigos meus nos Estado Unidos, transformaram seu quintal, em um jardim de pedras, um Karesansui, um jardim zen. Com eles aprendi, naquela época, alguns truques de paisagismo oriental que permitem a impressão de grande espaço em uma pequena área, quer por meio de telas, quer por caminhos para passeios sinuosos que levam a cantos raramente explorados do terreno ou que passam sobre um pequeno lago com carpas. O Karesansui, no entanto, permite distanciamento e mais do que isso: uma inimaginável sensação de paz e tranqüilidade, mesmo que sua localização esteja no meio da cidade. O minimalismo das pedras, do cascalho, da água fazem-no um jardim reservado unicamente aos elementos essenciais e parece levar à introspecção e à descoberta daquilo que nos é vital. Karesansui é um jardim que favorece a meditação. A leitura de NIHONJIN me lembrou este jardim. Há na sua narrativa, que cobre três gerações de japoneses e seus descendentes, no Brasil, um arranjo artístico igualmente sensível que faz com que suas 176 páginas sejam suficientes para o retrato da complexidade emocional, da dificuldade física e cultural de adaptação dos imigrantes japoneses que chegaram a este país.
Ainda não visitei o Japão, em pessoa. A literatura japonesa tem aos poucos encontrado seu lugar nas minhas prateleiras de livros favoritos, enquanto que suas famosas xilogravuras policromadas foram objeto de estudo e admiração nas artes visuais. Por causa delas e dos netsuquês, botões de roupa esculpidos com grande detalhe, estudei um ano de japonês. Mas a complexidade da língua e das formas de tratamento me deixaram perplexa e logo abandonei o aprendizado, estudando em seu lugar um pouco de hindu, língua igualmente complexa e frustrante. Foram assim os meus vinte anos, tempos de expansão cultural, onde estudante em terra alheia, uma quase imigrante, tentei alargar meus horizontes e, com afinco, me embrenhar pelos caminhos do outro. Essa atividade não acompanhou a maioria dos imigrantes japoneses no Brasil, como bem mostra Oscar Nakasato em NIHONJIN. O outro, nesse caso nós, brasileiros, era exatamente isso, OUTRO. E assim ficaria até que voltassem à terra do sol nascente.
A temática do imigrante é um dos mais importantes tópicos literários dos últimos 100 anos. Sobretudo a partir de meados do século XX quandoa geração dos filhos ou netos de imigrantes que se estabeleceram na Europa, EUA e Brasil, entre outros, é escolarizada e começa a desvendar os caminhos traçados pelas gerações que os antecederam. Muito tem sido escrito sobre a questão da adaptação e do forjar de uma nova identidade para o imigrante. O movimento voluntário, de massas, de milhares de pessoas de um canto para o outro do mundo procurando melhoria de vida, quer na Europa -- mãe de dezenas de países recém delimitados na África e do Oriente Médio -- quer nas Américas, recipientes de milhares de trabalhadores braçais da Itália, Alemanha, Irlanda, Suiça, Espanha, Portugal, Rússia, Polônia, nunca havia sido tão persistente e grande através da história da humanidade. Seu clímax parece ter sido nos anos que seguiram imediatamente a Segunda Guerra Mundial, ainda que tenha havido fuga numerosa também, nas décadas seguintes, daqueles que não aceitavam a ditadura comunista nos países da antiga Cortina de Ferro.
Mas o caso japonês no Brasil, que hoje tem o maior grupo de pessoas de ascendência japonesa no mundo fora do Japão, é único. Único porque foi o resultado de uma ostensiva política de desafogamento populacional daquele país. Os primeiros contatos diplomáticos entre os governos do Brasil e do Japão sobre esse assunto datam de 1892, ou seja, do governo de Floriano Peixoto. Por causa da maneira como lhes foi mostrada, a emigração japonesa para cá, trouxe cidadãos que se sentiam cumprindo um plano estratégico de seu Imperador e, por consequência, mais do que outros imigrantes sentiam que precisavam voltar com dinheiro, para benefício da própria Terra Mater. Desse modo, mesmo em se deixando de lado diferenças marcantes, e importantes como dignidade cultural e responsabilidade social, que a maioria sentia em relação à terra mãe, a situação psicológica dos imigrantes japoneses, diferia substancialmente das demais nacionalidades que por aqui aportaram, cujos membros, partiam por conta própria, aventurando-se sozinhos, como se ao léu, a caminho do desconhecido, na luta pela sobrevivência, na esperança de uma vida melhor, muitas vezes com fome, sofrendo perseguição política ou religiosa. Diferente dos japoneses, esses imigrantes não sentiam uma dívida de honra com o país de origem, ao contrário, estavam gratos por uma terra para trabalhar, uma oportunidade de criar raízes, constituir família sem perseguições políticas ou religiosas, num lugar de natureza abundante, gerador de maior dignidade de vida.
NIHONJIN não é uma obra unicamente focada na vida dos colonos japoneses por aqui, ainda que precise ser contada. É verdade que na leitura desse romance aprendemos muito sobre o assunto. Mas o romance é mais do que isso. Nele testemunhamos a estética do ”menos é mais” aplicada a um texto literário de forma confiante. A linguagem precisa, repleta de vestígios poéticos, torna o texto fluido e a história corre como água de riacho, num murmurejar incessante. Seu tom é a meia voz e a narrativa, que é simples, despojada de rebuscadas figuras de linguagem, torna o texto relaxante e hipnótico. Como num Karesansui somos convidados a refletir, a ponderar sobre os vagares da mente, sobre o enigma das emoções. Mais tarde, somos levados a reconsiderar o tempo e a memória. Oscar Nakasato é um minimalista da linguagem. E com isso inova a estética literária brasileira. Não há personagens a mais ou a menos, assim como palavras, frases ou histórias. Não é jornalístico. Não é anedótico. Detém-se no essencial. NINHOJIN não chega a ser um haikai da forma narrativa, mas está perto: sucinto, poético, reflexivo. Mínimo. Uma beleza!