sam.cunha 31/05/2024
E os olhos do Dr. T. J. Eckleburg?
Um homem que acredita haver sido escolhido por Deus para grandes coisas de repente se apaixona e se sente desvirtuado de sua missão, pois aquele primeiro beijo tornava ele, Jay Gatsby, para sempre relacionado a Daisy Fay.
Durante toda a leitura, me peguei pensando no significado do outdoor com os olhos do Dr. T. J. Eckleburg, emoldurados por uma armação gigantesca. Que tipo de ideias Fitzgerald queria transmitir ao leitor por meio daquela representação? Por que separar porções do seu romance para descrever detalhes de uma propaganda velha e desimportante até mesmo para a maioria dos personagens da trama? E lá estavam eles, dois olhos enormes que nunca piscavam, para sempre fitando no vale das cinzas as terríveis consequências do consumismo exacerbado, característico dos anos 1920 nos Estados Unidos.
Para mim, Gatsby representa muito deste período livre de restrições na sociedade norte-americana. Ele não apenas vivia o absurdo de querer tudo, como também sempre conseguia tudo o que queria. Talvez por isso, Gatsby era pré-disposto a enxergar os indivíduos ao seu redor como ferramentas que, mais cedo ou mais tarde e de uma maneira ou de outra, se relevariam úteis no longuíssimo processo de conquista de suas ambições. Foi assim que viu o vendedor de títulos Nick Carraway, a esportista Jordan Baker, o capitão Dan Cody e mesmo o gangster Meyer Wolfsheim. Não digo que não sentia empatia por alguns destes personagens, digo que suas intenções, ao se aproximar deles, tinham todas propósitos secundários, que ele sempre parecia considerar mais importantes do que o simples estabelecimento de relacionamentos amistosos. Enquanto que por meio de Dan Cody, ele queria enriquecer para galgar os degraus da sociedade e se tornar um dos figurões importantes (lugar que julgava seu desde a mais tenra infância); através do auxílio dos demais, Gatsby queria reconquistar Daisy Fay e torná-la mais uma de suas realizações materialistas.
Quando os olhos do Dr. T. J. Eckleburg fitaram o destino sombrio; representado pela figura de uma mulher inteligente e profunda, mas triste por se reconhecer vazia e extremamente superficial; que Gatsby — um dos pouquíssimos homens espetaculares o suficiente para viver no luxo extremo, apesar de suas raízes paupérrimas, e influenciar centenas de pessoas numa sociedade de indivíduos embriagados no capital e na egomania — escolhera para si, a mão das decisões pesou forte sobre ele, custando tanto o sangue de indivíduos alheios quanto o fim de uma era de alegrias e a esperança do mais singelo de todos os narradores. Agora que penso nestas palavras e imagino o outdoor observando silencioso, por anos a fim, o vale das cinzas, me recordo dos versos finais de Ozymandias, de Peter Shelley:
“Meu nome é Ozymandias, e sou Rei dos Reis:
Desesperai, ó Grandes, vendo as minhas obras!”
Nada subsiste ali. Em torno à derrocada
Da ruína colossal, a areia ilimitada
Se estende ao longe, rasa, nua, abandonada.