Mais comédias para ler na escola

Mais comédias para ler na escola Luis Fernando Verissimo




Resenhas - Mais Comédias para Ler na Escola


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Atena0 25/01/2023

Li em 2 horas.
Li esse livro pois esta a anos na minha estante, gostei, é um livro com muitos temas importantes da nossa sociedade, talvez se eu tivesse lido quando criança, não tivesse me impactado tanto.

Achei curioso o autor ter conhecido a Clarice Lispector.
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Fabianne 01/10/2022

Nem tudo foi comédia
?Algumas crônicas me fizeram pesar...
?Outras me fez ter vontade de conversar com o escritor, por que acabaram do nada, sem um final.
?Algumas eu ri...
?Outras eu tive vontade de chorar.
Então leia...porque é legal, mas sem esperar muitas gargalhadas.
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Sofia 04/09/2022

A sequência de crônicas de "Comédias Para Se Ler na Escola", de Luís Fernando Verissimo.
Eu gostei do livro, ele é bem divertido e rápido de ler, e algumas crônicas trazem histórias realmente curiosas. Como li há muito tempo, não tenho certeza, mas acho que gostei mais do primeiro livro do que desse. De qualquer forma, recomendo-o para todos que gostam de crônicas e histórias leves, mas ao mesmo tempo com mensagens de reflexão!
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amy 07/08/2022

Bom
É uma coletânea de crônicas escritas por Luís Fernando Veríssimo (filho do escritor Érico Verríssimo).
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12/01/2022

:)
Gosto muito de Veríssimo. As crônicas são leves e bem escritas. Recomendo ler quando você tá precisando descontrair depois de uma leitura pesada.
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Eukaua 31/12/2021

Só faltou a comédia...
O livro trás boas crônicas, e de fato eu li na escola rsrs. No entanto, senti falta da comédia que o livro promete e não entrega!
Mas no geral, é um bom livro, pra passar o tempo.
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Acaui 18/10/2021

Legalzinho
São algumas crônicas que são boas para descontrair, ou para sair de uma ressaca literária.
Eu não achei muito humor nas crônicas, mas isso vai de cada um.
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Guetero 30/07/2021

Sendo sincero...Eu dei risada apenas em cinco Histórias contada pelo autor, no meu ver existem algumas "piadas" que objetificam demais o corpo feminino.
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Maria 08/08/2020

Legal
Li esse livro a pedido da escola ano passado, e me diverti bastante com a leitura. É um livro bem descontraído e reúne crônicas que te fazem pensar bastante em algumas coisas e te fazem rir ao mesmo tempo. Me agradou bastante, e me fez ficar bastante interessada em ler mais crônicas.
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Betsy 14/07/2020

Mais um livro de Veríssimo, mais uma leitura maravilhosa
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Thaís Senra 13/05/2020

Comédia?
Não achei muito bom porque gosto de histórias que possuem uma continuidade. Para quem gosta de crônicas, é sim, muito bom!
Não achei o título adequado pois não encontrei humor nas páginas, pode ter sido uma falta de interpretação minha.
Acaui 16/10/2021minha estante
Estou lendo e também não achei graça nenhuma.




Samu 04/05/2016

Bom
LF Veríssimo, é m bom escritor, tem uma fala mansa, boa de ler e fácil de entender, em forma da crônica então, acho ele fantástico e muuuuito bem organizado!
A leitura é ótima para todas as idades, porém em alguns o conteúdo pode ser para pessoas mais velhas (temas sexuais), embora nesse livro ele pegue mais leve e seja muito bom para os mais novos.
Outro ponto a ser considerado é que o autor tem uma visão bem machista, assim como nossa sociedade, eu opto por tentar ver isso de forma irônica, embora em alguns casos ache que não é essa a intenção do autor.
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Rebeca 13/09/2015

Diversão garantidíssima!
Um livro leve e descontraído para se deliciar!!! Luis Fernando Verissimo e suas crônicas não tem como não ser uma leitura gratificante... Aposta certa!
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Carina 11/09/2013

Porque escola é lugar de alegrias literárias
Verissimo é singular no universo das crônicas – impossível encontrar autor mais leve (apesar da barriguinha, responderia ele). Divertido e refinado, é uma opção ideal para os jovens que são obrigados a ler tanto Alencar e tanto Machado (autores incríveis... quando os leitores são adultos e não adolescentes).

Algumas crônicas da seleção não me agradaram – parece que falta um final a muitas delas. O tom de brincadeira com os direitos femininos também me irrita um pouco. Em compensação, outros textos são antológicos (tratando dos assuntos mais diversos, como vestibular, fim do mundo e gramática) como os que posto abaixo.

Trechos:

Um cronista no coração das coisas
por Marisa Lajolo

A palavra crônica começa de forma parecida com outras palavras que também se iniciam com cê, erre, ó e ene: cronologia e cronômetro, por exemplo. Estas palavras compartilham com a palavra crônica a idéia de tempo. Se o cronômetro mede o tempo e a cronologia o marca, a crônica o registra: a crônica documenta sua época, o tempo contemporâneo de sua escrita e de sua leitura.
(...)
Machado de Assis, que também foi cronista, apresentava-se a seus leitores da seguinte maneira: (...) cá virei, uma vez por semana, com o meu chapéu na mão, e os "bons dias" na boca. Se lhes disser já que não tenho papas na língua, não me tomem por homem despachado, que vem dizer coisas amargas aos outros. Não senhor; não tenho papas na língua, e é para vir a tê-las que escrevo. Se as tivesse, engolia-as e estava acabado.
(...)
A crônica cintila em meio a classificados, manchetes, reportagens e editoriais.

Recriação

Deus suspirou. Estava Cansado. Há bilhões de anos, quando era mais jovem e ambicioso, a idéia de criar um Universo não lhe parecera absurda. Agora se arrependia. O empreendimento fugira ao seu controle. Não conseguia se lembrar nem de quantas luas tinha Saturno.
Estava definitivamente ficando velho.
Olhou em volta da mesa de reuniões. Sua presença naquela Comissão de Recriação era dispensável. Como diretor presidente, tinha a última palavra, mas as decisões eram tomadas pela Sua assessoria. Aqueles jovens tecnocratas pensavam que tinham a resposta para tudo. Queriam tornar o Seu projeto mais moderno e dinâmico.
Trabalho mesmo fora o d'Ele. Criara tudo literalmente do Nada. Eles nem eram nascidos. Mas paciência. Precisava acompanhar os tempos.
Vetou a proposta do assessor de RR para que todos se unissem numa oração, e mandou começarem os trabalhos. Odiava o puxasaquismo.
– Quanto tempo levará a Recriação? — perguntou.
– Bem...
O coordenador hesitou. O Velho, como sempre, queria respostas simples e diretas. Com Ele era tudo luz, luz, trevas, trevas. Mas as coisas não eram mais tão simples. O diretor da Divisão de Obras interveio:
– Precisamos fazer uma análise de custos. Depois, um organograma. Um fluxograma. Um...
– Eu fiz tudo em seis dias — interrompeu o diretor presidente.
— E sozinho. Só descansei no domingo. No meu tempo não existia semana inglesa.
Lá vinha o Velho outra vez com suas reminiscências. Está bem, ninguém negava o Seu valor. Mas o tempo dos pioneiros já passara. Agora era o tempo dos técnicos. Dos especialistas.
— Acho que devíamos começar fechando a Terra — disse o diretor financeiro.
Aquele era um assunto delicado. O Velho tinha uma predileção especial pela Terra. Inclusive por questões familiares. Mas Ele ficou em silêncio. O diretor financeiro continuou:
– Acho que a Terra já deu o que tinha que dar. Seus recursos estão esgotados. Não é mais rentável. Não há como recuperá-la. Devemos fechá-la antes que comprometa todo o grupo.
– Você quer dizer simplesmente liquidá-la?
– Isso. Nosso representante lá, o papa, receberia uma indenização. Mas não vejo problemas maiores. E teríamos o que descontar do Imposto de Renda.
O assessor de RP mostrou alguma preocupação.
– Em termos de imagem, pegaria mal.
– Por quê? — perguntou o diretor de pesquisa. — Já eliminamos milhões de outros planetas, alguns bem maiores do que a Terra. Não passa um dia em que não explodimos uma estrela.
– Sei não, sei não...
– Administrar um Universo é um processo aético, meu caro. Temos um projeto a cumprir, metas a serem alcançadas. Não podemos ficar nos preocupando com cada planetinha...
– O problema foi o tipo de colonização escolhido para a Terra... – arriscou o diretor financeiro, olhando com o rabo dos olhos para o Velho. — Desde o começo, com aquele casal, já dava para ver que não daria certo...
– Quem sabe — sugeriu o assessor de RP — se refaz a Terra em outros moldes, mais empresariais? Dias mais longos, para aumentar a produtividade. Uma nova injeção de petróleo, para melhorar sua vida útil.
– Esqueça — disse o diretor financeiro. — A Terra não tem mais volta. Foi muito mal administrada. Está falida. Só estaríamos prolongando a sua agonia, com subsídios. Proponho o fechamento.
A proposta foi aprovada por maioria. Passaram a discutir o formato que teria o novo Universo. A idéia era aumentar a centralização, acabar com a expansão constante para facilitar a administração e cortar os custos de manutenção...
Na cabeceira da mesa, o Velho parecia dormir.

Provocações

A primeira provocação ele agüentou calado. Na verdade, gritou e esperneou. Mas todos os bebês fazem assim, mesmo os que nascem em maternidade, ajudados por especialistas. E não como ele, numa toca, aparado só pelo chão.
A segunda provocação foi a alimentação que lhe deram, depois do leite da mãe. Uma porcaria. Não reclamou porque não era disso.
Outra provocação foi perder a metade dos seus dez irmãos, por doença e falta de atendimento. Não gostou nada daquilo. Mas ficou firme.
Era de boa paz.
Foram provocando por toda a vida.
Não pôde ir à escola porque tinha que ajudar na roça. Tudo bem, gostava da roça. Mas aí lhe tiraram a roça.
Na cidade, para onde teve que ir com a família, era provocação de tudo que era lado. Resistiu a todas. Morar em barraco. Depois perder o barraco, que estava onde não podia estar. Ir para um barraco pior. Ficou firme, firme.
Queria um emprego, só conseguiu um subemprego. Queria casar, conseguiu uma submulher. Tiveram subfilhos. Subnutridos. Os que morriam eram substituídos. Para conseguir ajuda, só entrando em fila. E a ajuda não ajudava.
Estavam provocando.
Gostava da roça. O negócio dele era a roça. Queria voltar pra roça. Ouvira falar de uma tal reforma agrária. Não sabia bem o que era. Parece que a idéia era lhe dar uma terrinha. Se não era outra provocação, era uma boa. Terra era o que não faltava.
Passou anos ouvindo falar em reforma agrária. Em voltar à terra.
Em ter a terra que nunca tivera. Amanhã. No próximo ano. No próximo governo. Concluiu que era provocação. Mais uma.
Finalmente ouviu dizer que desta vez a reforma agrária vinha mesmo. Pra valer. Garantida.
Se animou. Se mobilizou. Pegou a enxada e foi brigar pelo que pudesse conseguir. Estava disposto a aceitar qualquer coisa. Só não estava mais disposto a aceitar provocação.
Aí ouviu que a reforma agrária não era bem assim. Talvez amanhã. Talvez no próximo ano... Então protestou. Na décima milésima provocação, reagiu.
E ouviu, espantado, as pessoas dizerem, horrorizadas com ele:
— VIOLÊNCIA NÃO!

O flagelo do vestibular

Não tenho curso superior. O que eu sei foi a vida que me ensinou, e como eu não prestava muita atenção e faltava muito, aprendi pouco. Sei o essencial, que é amarrar os sapatos, algumas tabuadas e como distinguir um bom beaujolais pelo rótulo. E tenho um certo jeito — como comprova este exemplo — para usar frases entre travessões, o que me garante o sustento. No caso de alguma dúvida maior, recorro ao bom senso. Que sempre me responde da mesma maneira: "Olha na enciclopédia, pô!"
Este naco de autobiografia é apenas para dizer que nunca tive que passar pelo martírio de um vestibular. É uma experiência que jamais vou ter, como a dor do parto. Mas isto não impede que todos os anos, por esta época, eu sofra com o padecimento de amigos que se submetem a terrível prova, ou até de estranhos que vejo pelos jornais chegando um minuto atrasados, tendo insolações e tonturas, roendo metade do lápis durante o exame e no fim olhando para o infinito com aquele ar de sobrevivente da Marcha da Morte de Batan.
Enfim, os flagelados do unificado. Só lhes posso oferecer a minha simpatia. Como ofereci a uma conhecida nossa que este ano esteve no inferno.
— Calma, calma. Você pode parar de roer as unhas. O pior já passou.
— Não consigo. Vou levar duas semanas para me acalmar.
– Bom, então roa as suas próprias unhas. Essas são as minhas...
– Ah, desculpe. Foi terrível. A incerteza, as noites sem sono. Eu estava de um jeito que calmante me excitava. E quando conseguia dormir, sonhava com múltiplas escolhas: a) fracasso, b) vexame, c) desilusão. E acordava gritando: Nenhuma destas! Nenhuma destas! Foi horrível.
– Só não compreendo por que você inventou de fazer vestibular a esta altura da vida...
– Mas quem é que fez vestibular? Foi meu filho! E o cretino está na praia enquanto eu fico aqui, à beira do colapso.
Mãe de vestibulando. Os casos mais dolorosos. O inconsciente do filho às vezes nem tá, diz pra coroa que cravou coluna do meio em tudo e está matematicamente garantido. E ela ali, desdobrando fila por fila o gabarito. Não haveria um jeito mais humano de fazer
a seleção para as universidades? Por exemplo, largar todos os candidatos no ponto mais remoto da floresta amazônica e os que voltassem à civilização estariam automaticamente classificados?
Afinal, o Brasil precisa de desbravadores. E as mães dos reprovados, quando indagadas sobre a sorte dos seus filhos, poderiam enxugar uma lágrima e dizer com altivez:
– Ele foi um dos que não voltaram...
Em vez de:
– É um burro!
Os candidatos à Engenharia no Rio de Janeiro poderiam ser postos a trabalhar no metrô dia e noite; quem pedisse água seria desclassificado.
O Estado acabaria com poucos engenheiros novos — aliás, uma segurança para a população —, mas as obras do metrô progrediriam como nunca. Na direção errada, mas que diabo.
O certo é que do jeito que está não pode continuar. E ainda por cima há os cursinhos pré-vestibulares. Em São Paulo os cursinhos estão usando helicópteros na guerra pela preferência dos vestibulandos que terão que repetir tudo no ano que vem. Daí para o
napalm, o bombardeio estratégico, o desembarque anfíbio e, pior, uma visita do Kissinger para negociar a paz, é um pulo. Em São Paulo há cursinhos tão grandes que o professor, para se comunicar com as filas de trás, tem que usar o correio. Se todos os alunos de cursinhos no centro de São Paulo saíssem para a rua ao mesmo tempo, ia ter gente caindo no mar em Santos. O vestibular virou indústria. E os robôs que saem das usinas pré-vestibulares só têm dois movimentos: marcar cruzinha e rezar.
O filho da nossa nervosa amiga chegou em casa meio pessimista com uma das suas provas.
— Sei não. Acho que entrei pelo cano. O Inglês não estava mole.
– Mas meu filho, hoje não era inglês! Era física e matemática!
– Oba! Então acho que fui bem.

A orelha

De todos OS Órgãos do corpo, a orelha é o único cuja forma ultrapassa a função. Todos os outros órgãos têm a forma adequada à sua finalidade — mais da metade das curvas e nichos da orelha são desnecessários. São, portanto, puro exibicionismo. A complexidade interna do ouvido — seus labirintos e artelhos — se justifica. Nada justifica as viravoltas externas da orelha, as falsas entradas, os cornichos, as cavernas, desafios à lógica e ao cotonete. Alguns órgãos do corpo chegam ao barroco, só a orelha dá o passo fatal, que acabou com o Renascentismo, para o rococó. A orelha denuncia uma perigosa tendência latente na criação para o excesso, para a forma pela forma, para o ornamentalismo vazio. Achei que devia fazer este alerta.

A metamorfose

Uma barata acordou Um dia e viu que tinha se transformado num ser humano. Começou a mexer suas patas e descobriu que só tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação difícil. Acionou suas antenas e não tinha mais antenas. Quis emitir um pequeno som de surpresa e, sem querer, deu um grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás do móvel. Ela quis segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu primeiro pensamento humano foi: que vergonha, estou nua! O seu segundo pensamento humano foi: que horror! Preciso me livrar dessas baratas!
Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente ela seguia o seu instinto. Agora precisava raciocinar. Fez uma espécie de manto da cortina da sala para cobrir sua nudez. Saiu pela casa, caminhando junto à parede, porque os hábitos morrem devagar. Encontrou um quarto, um armário, roupas de baixo, um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se bonita. Para uma ex-barata. Maquilou-se.
Todas as baratas são iguais, mas uma mulher precisa realçar a sua personalidade. Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só um nome não bastava. A que classe pertencia? Tinha educação? Referências? Conseguiu, a muito custo, um emprego como faxineira.
Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras mal suspeitadas, era uma boa faxineira.
Difícil era ser gente. As baratas comem o que encontram pela frente. Vandirene precisava comprar sua comida e o dinheiro não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Se conhecem, namoram, brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos, roupa de cama, mesa e banho. A primeira noite. Vandirene e seu torneiro mecânico. Difícil. Você não sabe nada, bem? Como dizer que a virgindade é desconhecida entre as baratas? As preliminares, o nervosismo. Foi bom? Eu sei que não
foi. Você não me ama. Se eu fosse alguém você me amaria. Vocês falam demais, disse Vandirene. Queria dizer vocês, os humanos, mas o marido não entendeu; pensou que era vocês, os homens. Vandirene apanhou. O marido a ameaçou de morte. Vandirene não entendeu. O conceito de morte não existe entre as baratas. Vandirene não acreditou. Como é que alguém podia viver sabendo que ia morrer?
Vandirene teve filhos. Lutou muito. Filas do INPS. Creches. Pouco leite. O marido desempregado. Finalmente, acertou na esportiva. Quase 4 milhões. Entre as baratas, ter ou não ter 4 milhões não faria diferença. A barata continuaria a ter o mesmo aspecto e a andar com o mesmo grupo. Mas Vandirene mudou. Aplicou o dinheiro. Trocou de bairro. Comprou casa. Passou a se vestir bem, a comer e dar de comer de tudo, a cuidar onde colocava o pronome. Subiu de classe. (Entre as baratas, não existe o conceito de classe.)
Contratou babás e entrou na PUC. Começou a ler tudo o que podia. Sua maior preocupação era a morte. Ela ia morrer. Os filhos iam morrer. O marido ia morrer — não que ele fizesse falta. O mundo inteiro, um dia, ia desaparecer. O sol. O universo. Tudo. Se espaço é o que existe entre a matéria, o que é que fica quando não há mais matéria? Como se chama a ausência do vazio? E o que será de mim quando não houver mais nem o nada? A angústia existencial é desconhecida entre as baratas.
Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado de novo numa barata. Seu penúltimo pensamento humano foi, meu Deus, a casa foi dedetizada há dois dias! Seu último pensamento humano foi para o seu dinheiro rendendo na financeira e o que o safado do marido, seu herdeiro legal, faria com tudo. Depois desceu pelo pé da cama e correu para trás de um móvel. Não pensava mais em nada. Era puro instinto. Morreu em cinco minutos, mas foram os cinco minutos mais felizes da sua vida. Kafka não significa nada para as baratas.

Bandidos

Nos filmes e histórias em quadrinhos da nossa infância recebíamos uma lição da qual só agora me dou conta. Não era a que o Bem sempre vence o Mal, embora o herói sempre vencesse o bandido.
Quem dava a lição era o bandido, e era esta: a morte precisa de uma certa solenidade.
A vitória do herói sobre o bandido era banalizada pela repetição. Para o mocinho, matar era uma coisa corriqueira, uma decorrência da sua virtude. Já o bandido era torturado pela idéia da morte, pela sua própria vilania, pelo terrível poder que cada um tem de acabar com a vida de outro. O bandido era incapaz de simplesmente matar alguém, ou matar alguém simplesmente. Para ele o ato de matar precisava ser lento, trabalhado, ornamentado, erguido acima da sua inaceitável vulgaridade — enfim, tão valorizado que dava ao herói tempo de escapar e ainda salvar a mocinha. Pois a verdade é que nenhum herói teria sobrevivido à sua primeira aventura se não fosse esta compulsão do vilão de fazer da morte uma arte demorada, um processo com preâmbulo e apoteose, e significado.
Nunca entendi por que o bandido não dava logo um tiro na testa do herói quando o tinha em seu poder, em vez de deixá-lo suspenso sobre o poço dos jacarés por uma corda besuntada que os ratos roeriam pouco a pouco, enquanto o gramofone tocava Wagner. Hoje sei que o vilão queria dar tempo, ao mocinho e à platéia, de refletir sobre a finitude e a perversidade humanas.
Os vilões do meu tempo de matinês eram invariavelmente "gênios do Mal", paródias de intelectuais e cientistas cujas maquinações eram frustradas pelo prático mocinho. A imaginação perdia para a ação porque a imaginação, como a hesitação, é a ação retardada, a ação precedida do pensamento, do pavor ou, no caso do bandido, da volúpia do significado. O Mal era inteligência demais, era a obsessão com a morte, enquanto o Bem — o que ficava com a mocinha — era o que não pensava na morte. Quando recapturava o mocinho, mesmo sabendo que ele escapara da morte tão cuidadosamente orquestrada com os ratos e os jacarés, o bandido ainda não lhe dava o rápido e definitivo tiro na testa, para ele aprender. Deixava-o amarrado sobre uma tábua que lentamente, solenemente, se aproximava de uma serra circular, da qual o herói, é óbvio, escaparia de novo.
E, se pegasse o mocinho pela terceira vez, nem assim o bandido abandonaria sua missão didática. Sucumbiria à sua outra compulsão fatal, a de falar demais. Mesmo o tiro na testa precisava de uma frase antes, uma explicação, um jogo de palavras. Geralmente era o que dava tempo para a chegada da polícia e a prisão do vilão, derrotado pela literatura.
Pobres vilões. E nós, inconscientemente, torcíamos pelos burros.

A primeira cena

(...)
Uma grande idéia que eu tenho é para um (romance) policial gramatical. Se chamaria "A terceira pessoa" ou "O sujeito oculto". Começaria assim:
"O inspetor Luft mordeu a haste do seu cachimbo com força, como costumava fazer quando algo o aborrecia. Aquela frase na sua frente não fazia sentido. Faltava alguma coisa... O jeito era interrogar, mais uma vez, todos os seus componentes.
— Mande entrar o pronome — disse o inspetor para o sargento, que fez uma careta de impaciência. O pronome, outra vez? Era um oblíquo, um evasivo..."

Palavras

Tenho o mau hábito de atribuir corpo, sexo, passado, opiniões, roupagens e trejeitos ao substantivo mais comum, inanimado ou não. A palavra, qualquer palavra, sempre desperta em mim uma imagem, e a imagem desencadeia um processo de visões em série, não raro com enredo, trilha sonora e efeitos de luz. Se me falam em "tédio", por exemplo, logo sou assaltado pela patética figura do gato de harém. Imagine um animal que só abre os olhos para botar colírio, que só se deixa coçar com hora marcada! Imagine-se — você — abandonado à porta de um serralho, criado e mimado por 118 odaliscas, um Tarzan peludo das almofadas. Paraíso nada, um inferno. O gato de harém vê tudo, faz tudo, ouve tudo em uma semana de vida, depois só boceja. Um dia resolve fugir e não consegue dar dois passos. A barriga arrasta no chão, ele se enreda na própria cabeleira. Cai de costas e fica ronronando até ser reavivado com água de jasmim. E faz a ronda de 118 colos solícitos, de 236 seios aflitos, antes de voltar à sua pantufa e ao seu tédio.
Outra palavra que tem histórias é "lascívia". Lascívia, imperatriz, filha de Pundonor... Imagino-a atraindo todos os jovens do reino para a cama real, decapitando os incapazes pelo fracasso e os capazes pela ousadia. Pundonor, quando não faz o papel de pai enganado, passa o tempo sentado na Praça da Alfândega de polainas e colarinho duro, o sol brilhando nas caspas que lhe cobrem o terno preto. Pundonor só lê os convites para enterro do Correio do Povo. Um dia escreverá uma carta para o governador, protestando
contra a nudez do cavalo na estátua do Osório.
Falácia é um animal multiforme que nunca está onde parece estar. Quando você o toca, ele desaparece. Tem gente que faz criação de falácias.
Beneplácito é um tipo de gorro usado pelos filhos de Pundonor nos rituais do império. Lorota é uma manicura gorda. Comichão é um móvel, uma espécie de arca, onde Lascívia guarda a cabeça dos seus amantes. Assunto é uma parte do boi. Hoje muito escassa.

O gigolô das palavras

Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha estiveram lá em casa numa mesma missão, designada por seu professor de Português: saber se eu considerava o estudo da Gramática indispensável para aprender e usar a nossa ou qualquer outra língua.
Cada grupo portava seu gravador, certamente o instrumento vital da pedagogia moderna, e andava arrecadando opiniões. Suspeitei de saída que o tal professor lia minhas colunas no jornal, se descabelava diariamente com as suas afrontas às leis da língua e aproveitava aquela oportunidade para me desmascarar. Já estava até preparando, às pressas, minha defesa ("Culpa da revisão! Culpa da revisão!"). Mas os alunos desfizeram o equívoco antes que ele se criasse. Eles mesmos tinham escolhido os nomes a serem entrevistados.
Vocês têm certeza que não pegaram o Verissimo errado? Não. Então vamos em frente.
Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer "escrever claro" não é certo mas é claro, certo? O importante é comunicar. (E, quando possível, surpreender, iluminar, divertir, mover... Mas aí entramos na área do talento, que também não tem nada a ver com Gramática.)
A Gramática é o esqueleto da língua. Só predomina nas línguas mortas, e aí é de interesse restrito a necrólogos e professores de Latim, gente em geral pouco comunicativa. Aquela sombria gravidade que a gente nota nas fotografias em grupo dos membros da Academia Brasileira de Letras é de reprovação pelo Português ainda estar
vivo. Eles só estão esperando, fardados, que o Português morra para poderem carregar o caixão e escrever sua autópsia definitiva. É o esqueleto que nos traz de pé, certo, mas ele não informa nada, como a Gramática é a estrutura da língua mas sozinha não diz nada, não tem futuro. As múmias conversam entre si em Gramática pura.
Claro que eu não disse tudo isso para meus entrevistadores. E adverti que minha implicância com a Gramática na certa se devia à minha pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português.
Mas — isso eu disse — vejam vocês, a intimidade com a Gramática é tão indispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria. Sou um gigolô das palavras. Vivo às suas custas. E tenho com elas exemplar conduta de um cáften profissional. Abuso delas. Só uso as que eu conheço, as desconhecidas são perigosas e potencialmente traiçoeiras. Exijo submissão. Não raro, peço delas flexões inomináveis para satisfazer um gosto passageiro. Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por elas. Não me meto na sua vida particular. Não me interessa seu passado, suas origens, sua família nem o que outros já fizeram com elas. As palavras, afinal, vivem na boca do povo. São faladíssimas. Algumas são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito.
Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria a sua patroa! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção de lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda.
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Marcola. 19/08/2013

Delícia sem preocupações
Não temos muito o que esperar de um livro de crônicas, além de risadas e diversão. Porém o livro traz coisas do dia a dia, que nós meros mortais nunca imaginaríamos que daria uma crônica. E estas crônicas além de divertir nos fazem pensar sobre essas pequenas coisas, desconstruindo nosso conhecimento prévio sobre o tema mostrando uma realidade pouco aceitável mais muito real.
Destaque para as crônicas: Invólucros, O Otimista, O Rico o Pobre e a Galinha, Acho que tou, Lerdeza, Eu Vi o Halley em 2062, A Metamorfose, Porta de Banheiro, Atitude Suspeita, O Gigolô da palavras.
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