Bee 12/09/2016
Mandrake, jogos de mulheres e de mistérios
O advogado criminalista Mandrake, personagem de Rubem Fonseca que aparece no excelente romance "A grande arte" e em vários outros contos, volta em nova aventura de mistério e suspense que embarca os elementos clássicos do gênero policial ─ e temos aí, de praxe: assassinato, roubos de incunábulos preciosos impressos por Gutenberg, personagens de maneiras peculiares, investigação, mistério e sedução. Sedução que não poderia faltar, claro, estamos falando do grande Mandrake. Mas a pergunta que fica no ar, é sobre o livro em si, será que o autor consegue aqui repetir a boa atuação que teve no romance da arte do percor?
A resposta é um direto "não", mas antes temos que analisar os pormenores e separar algumas características atenuantes do grande fiasco. Primeiro, "Mandrake, a Bíblia e a Bengala" é antes de tudo, uma novela. Não é grande o suficiente para ser considerado romance, e nem pequeno para categorizar como conto ─ embora tenhamos aqui dois casos separados sem muita inter-relação entre ambos (fiquei torcendo para que houvesse alguma ligação, alguma reviravolta eletrizante que justificasse a mudança da narrativa, mas não). O decepcionante disso foi que o autor alimentou com migalhas de esperanças de que haveria alguma guinada lá na frente, com os postais mandados pela italiana Altolaguirre, a colecionadora de livros raros "do sexo místico", mas no final das contas nada foi explicado muito bem ─ e nem sequer confirmamos se ela era mesmo a ladra ou não. Será que, com isso, o escritor quis mostrar como é o dilema do Mandrake: relevando os desvios morais de suas parceiras, por estar cegamente apaixonado? Pode ser, e mais ainda na forma como a outra (Helena) é introduzida na história de maneira abrupta (e nem explicou como foram se conhecendo. Pena, poderia enriquecer a história), remetendo com isso, sutilmente, à rotatividade das relações amorosas do advogado. Mesmo assim, não compensa, com efeito, são lacunas que deveriam serem preenchidas.
Segundo, o mais importante: não há uma grande crítica social como pano de fundo para sustentar esse bang fictício. Nem mesmo tivemos contato com aquele submundo de prostitutas, cafetões, ou as observações irônicas ressentidas de algum marginal à beira da sociedade. Dessa vez, Rubem Fonseca vai direto para o centro dela: insere riquinhas lésbicas da society, que dão festinhas regrada à pó e acabam fazendo uma surubinha com o maloqueiro "intermediário" do barato da noite. Fora isso, não vemos algo de mais desenvolvido dentro dessa temática ─ você pode pegar mesmo uma novela e, com sua narrativa curta e concisa, dar o "tom" da representação social que se queira dar com a direção escolhida, como é em "O invasor", de Marçal Aquino. Sem isso, a impressão que fica de "Mandrake, a Bíblia e a Bengala" é de uma novela chula e superficial, onde são entregues estereótipos baratos como personagens secundários (o pai da Altolaguirre, a riquinha burra, a ex-despeitada) e mesmo com eles não se consegue trabalhar a cena satisfatoriamente, à exemplo do momento "vilão 007" que fica proseando dramaticamente o plano (que'é pra dá tempo dos tira chegar) ou do patético interrogatório da riquinha burra (essa cena, na verdade, é um paralelo da "teoria dos jogos") que mais pareceu ter sido escrita nas coxas, na pressa de fechar o arco logo.
Dito isso, falemos do lado bom da história então. Qual que ela é? Apenas isso, a boa história. O bom entretenimento de fácil acesso que encontramos em blockbusters e apreciamos acriticamente sem prestar muita atenção. O legal, ao menos, é que podemos ver a “evolução” das personagens principais de Rubem Fonseca, de maneira global, comparado com outras histórias e outros livros em que eles aparecem, fazendo deste uma leitura convidativa para os fãs e apreciadores do escritor.