Confronto de Fundamentalismos

Confronto de Fundamentalismos Tariq Ali




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Antonio Luiz 18/03/2010

Luzes sobre o Oriente
Tariq Ali nasceu em 1943 de pais que pertenciam a uma próspera e politicamente poderosa família muçulmana de Lahore, mas romperam com a religião e aderiram Partido Comunista Indiano. O filho, ateu desde a infância, pôde testemunhar de perto o nascimento do fundamentalismo islâmico e hindu em sua região a partir da divisão dos antigos domínios britânicos.

Viu como se fizeram poderosos e temidos os mulás de aldeia, ridicularizados pelo folclore popular do seu tempo de criança como desonestos, preguiçosos e pedófilos. E como o islamismo relaxado e sincrético de seu Punjab tradicionalmente pluralista tornou-se cada vez mais rígido e fanático ao passar a fazer parte do Paquistão, país separado da antiga colônia britânica da Índia em nome da religião e sem qualquer outro senso de unidade e identidade.

Mesmo depois de definitivamente exilado, os contatos de sua família e seus parentes que continuaram ligados ao poder sob a sucessão de populistas corruptos e ditadores militares que atormentaram seu país lhe proporcionaram um ponto de vista privilegiado de onde acompanhar a realidade política de um país islâmico, tanto quanto seus estudos de filosofia e política em Oxford.

"Confronto de Fundamentalismos" é a segunda obra de peso publicada no Brasil a abordar o tema – a outra foi "Em Nome de Deus", mas a primeira com uma abordagem materialista.

Para a católica Karen Armstrong, o fundamentalismo é formalmente uma interpretação literal do mythos religioso e historicamente uma reação a outro extremismo, o do racionalismo. De forma a não só tornar o conceito inaplicável à sua religião como também posicioná-la num justo meio, onde supõe que está a verdade e o bom-senso.

Para o ateu Tariq Ali, pelo contrário, o fundamentalismo religioso não é uma resposta ao racionalismo, mas aquilo que restou às massas depois que propostas racionalistas, como o marxismo e o nacionalismo, deixaram de parecer alternativas viáveis ao fundamentalismo imperial (ou neoliberal) – ou seja, à dominação intransigente do terceiro mundo pelo império americano, em nome do neoliberalismo e dos interesses do capital global.

Quanto à responsabilidade de Israel, Tariq Ali prefere passar a palavra a seu companheiro trotskista, o historiador judeu Isaac Deutscher. Em sua entrevista de 1967 sobre a guerra dos seis dias, pouco antes de sua morte, criticou os israelenses por agirem como colonialistas e os advertiu de que corriam o risco de repetir a história da Alemanha, correndo vitoriosamente para a própria sepultura.

A razão instrumental do Império não só não se opõe necessariamente ao fundamentalismo religioso, como procura agir por seu intermédio quando lhe faltaram meios de controle mais diretos. Os EUA, obcecados com depor o governo marxista do Afeganistão, também encorajaram os militares paquistaneses aliados ao fundamentalismo a derrubar o governo constitucional de Ali Bhutto e treinar os fanáticos que criaram o Taliban e a Al-Qaeda a partir de lideranças recrutadas na Arábia Saudita, primeiro estado fundamentalista do mundo islâmico e fiel satélite dos EUA.

O fundamentalismo religioso, porém, não é apenas um fantoche do imperialismo. Tem força própria e a capacidade de voltar-se contra os que o manipulam. Foi o que aconteceu no Afeganistão com o Taleban, abandonado e esquecido pelo Pentágono depois da vitória sobre os soviéticos. Pode acontecer de novo no Paquistão, desta vez colocando armas nucleares nas mãos de lunáticos.

Não só os EUA incorrem nesse erro: no seu tempo, também os comunistas pró-soviéticos do Irã, antes de serem esmagados, cometeram o mesmo erro ao apoiar, em nome de uma “frente popular” com Khomeini, os éditos dos aiatolás acabando com a liberdade de imprensa e obrigando as mulheres a usar véus, quando foram combatidos pelos liberais e pela extrema-esquerda.

Para compreender as raízes dessa força do fundamentalismo islâmico, a maior parte da obra dedica-se a discutir as origens, as derrotas e os dilemas do mundo muçulmano que levaram uma parcela cada vez maior de suas massas a depositar suas esperanças nesse “antiimperialismo dos tolos” – alusão à definição que August Bebel deu do antissemitismo como "socialismo dos tolos".

O leitor da América Latina encontra muito de familiar na história recente do Islã, no que se refere a políticos populistas, coronéis bonapartistas, golpes militares e embaixadas norte-americanas. Exótica, para nós, é apenas a densidade muito maior da história e da religião, ampliando o significado, a repercussão e a violência dos acontecimentos.

Poucos latino-americanos fazem caso do que aconteceu antes de nascerem, mas muçulmanos (e hindus) encaram supostos acontecimentos de séculos atrás como derrotas ou vitórias pessoais. Percebe-se como os acontecimentos na Palestina humilham todo o mundo muçulmano, ao passo que a derrota nas Malvinas afetou apenas os argentinos, se tanto.

Paquistão, Irã, Indonésia e Egito – os quatro países mais importantes do Islã – viram o esmagamento das esperanças que seus líderes seculares chegaram a atiçar. A solidariedade e a identidade coletiva voltaram a se refugiar na religião e na idealização do passado para a frustração de Tariq Ali, paladino da Razão iluminista. Sua aversão à religião não se confina ao islamismo, mas não tem a menor condescendência para com as crenças de seus avós.

Propõe uma Reforma islâmica que abra o mundo do islã a novas idéias ainda mais avançadas que as do Ocidente e varra o conservadorismo enlouquecido. Exige a separação entre Estado e Mesquita, dissolução do clero e liberdade para interpretar livre e racionalmente os textos e a rica cultura islâmica, que não deixa de defender e admirar. O Irã já estaria caminhando para isso, graças à insatisfação da juventude com a ditadura dos aiatolás.

Mas talvez o autor confie demais no seu otimismo racionalista e humanista. O Ocidente teve a Reforma e o Iluminismo, mas isso não impediu os europeus de buscarem formas não-religiosas de conservadorismo enlouquecido, nem o líder republicano no congresso americano de se dizer em missão de Deus para promover uma “visão de mundo bíblica”.

Em outubro de 2001, o próprio Tariq Ali foi preso no aeroporto ao ousar levar na bagagem a obra "Sobre o Suicídio" de Karl Marx, que analisa o capitalismo e o patriarcado como causas sociais da morte voluntária. Teve de recorrer a contatos com as autoridades locais para ser libertado e conseguir embarcar. Não foi no Paquistão, mas em Munique, numa Alemanha governada por social-democratas e verdes.

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