Valdirene.Alecksandro 02/09/2018
Le Livros
A conclusão do livro Capitalismo de Laços – Os Donos do Brasil e Suas Conexões, de Sérgio Lazzarini, professor de estratégia do Insper, após realização de estudo com uma extensa base de dados sobre o perfil societário das principais empresas brasileiras, é que a onda de privatizações e a maior inserção global, que foram consequência da era da hegemonia do neoliberalismo no Brasil, nos anos 90, resultaram em um paradoxo. Ao contrário do que seus ideólogos diziam almejar, publicamente, o resultado prático foi reforçar a influência do governo e de grupos domésticos na economia!
No trabalho, ele estabelece um índice para acompanhar o grau de aglomeração da economia entre 1996 e 2009. O índice cresceu três vezes no período, mostrando que as redes de conexões – no popular, as “panelinhas” – entre proprietários foram reforçadas. Boa parte delas com o apoio do governo. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por exemplo, que detinha participação direta ou indireta em 30 grandes empresas na década de 1990, triplicou esse número até 2009.
Lazzarini fala sobre como o governo Collor, com a abertura comercial e financeira, e o de Fernando Henrique Cardoso, com o programa de privatização de empresas estatais, atuaram como “aprendizes de feiticeiro”. Acabaram por reforçar a formação do Capitalismo de Estado do país. Criaram as condições adequadas para, com a transição para um governo de hegemonia trabalhista, resultar no atual Capitalismo de Estado Neocorporativista.
Portanto, Lazzarini conclui que o governo FHC ajudou a sedimentar o que ele denomina “capitalismo de laços” no Brasil. Por quê?
Ele reconhece que muitas críticas injustas são feitas ao governo Lula, inclusive pelo próprio Fernando Henrique, mas o capitalismo de laços remonta a estruturas montadas antes na era neoliberal. Na verdade, começa no Governo de Fernando Collor (1990-1992), com a privatização da Usiminas, quando se adotou o modelo de montar um consórcio de interesses, para adquirir o controle majoritário da empresa, em vez de pulverizar suas ações no varejo entre investidores pessoas físicas. Modelo similar era adotado, na mesma ocasião, na privatização selvagem realizada nos países da ex-URSS, surgindo lá diversos bilionários entre ex-membros da KGB e/ou da nomenclatura soviética.
A partir de então, durante o governo FHC, mais ou menos 50% dos eventos de privatização envolveram consórcios mistos – uma mistura de grupos nacionais associados a fundos de pensão estatais ou o próprio BNDES. Com esses agentes participando de várias outras firmas juntos, o país acaba observando um grande entrelaçamento geral da economia. Durante o governo FHC, houve inclusive acusações de que o governo incitou certos fundos de pensão de estatais a participar de consórcios.
Esse modelo de Capitalismo de Estado foi, portanto, herdado pelo governo Lula, cuja origem sindical-trabalhista o reforçou com o Neocorporativismo, obtendo inclusive a aprovação tácita de associações patronais para políticas concertadas no âmbito do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
Lazzarini é de opinião que o consórcio em licitação pública não é necessariamente ruim. São proprietários juntando esforços, capital e competência para tocar projetos de magnitudes razoáveis. A tendência de alocação direta ou indireta do capital do governo, via BNDES, e/ou fundos de pensão de estatais, capital de origem trabalhista, também pode ter seu efeito positivo.
Devido à carência de captação de longo prazo no Brasil, fundos de pensão e BNDES tem um horizonte mais de longo prazo, o que ajuda a realização de investimentos mais complicados. A questão, para o autor, é que no Brasil o modelo de consórcio acabou sendo muito arraigado.
Sob o ponto de vista de uma concessão rodoviária, por exemplo, em que três construtoras de obras públicas com maior market-share querem participar do leilão: se elas se juntarem em determinado consórcio, passa-se a ter dois fortes competidores a menos. Outro aspecto que o neoliberal acha negativo é que o governo vai se tornando acionista, mesmo que seja minoritário e de maneira indireta, isto é, via fundos de pensão e BNDESPAR, em tantas empresas que o seu grau de influência acaba aumentando. Recentemente, no caso da Vale, a empresa paraestatal mudou o presidente após pressão do governo para adoção de linha mais voltada para o desenvolvimento do País e não da própria corporação.
Lazzarini faz quatro recomendações no livro, para melhorar o perfil do capitalismo do país. São mudanças para melhorar apenas marginalmente alguns aspectos mais importantes.
A primeira é a questão do isolamento político. Há evidências, segundo ele diz, que o financiamento de campanha para políticos tem um impacto importante nos resultados das empresas que doam. Parece-lhe ser um canal importante para as empresas, gerando uma influência artificial na economia, deixando-a de ser a mais produtiva possível.
Mais transparência também é importante. Acha que é o caso do BNDES, que é um banco de equipe com grande qualidade técnica, que preza em fazer empréstimos para empresas com capacidade de pagamento. Mas o que ele acha é que falta explicar o custo do que está sendo investido. Se eu alocou R$ 18 bilhões no setor frigorífico, o que a sociedade ganha com isso? O que significa alocar dinheiro nesse setor versus outras áreas que possam ser mais interessantes ou meritórias, como saúde, infraestrutura, penitenciárias? Esse cálculo não é feito: o custo de oportunidade, ou seja, quanto a sociedade brasileira ganha ou perde em colocar dinheiro nesse ou naquele setor.
A terceira recomendação de Lazzarini é reforçar o combate às práticas anticompetitivas. Ele, em particular, está preocupado com a questão de consórcios e junção de empresas em leilões de concessão.
Finalmente, ele opina que se deveria ter um esforço generalizado de redução do custo de transação na economia. No Brasil, ainda é muito difícil abrir uma empresa; há pouco capital de longo prazo; o sistema jurídico é complicado. Tudo isso dificulta a possibilidade de novos empreendedores despontarem.
Assim, abre-se maior espaço de competição para quem está mais conectado. Ele não vê problema de haver uma estrutura capitalista formada em laços, mas acha que é importante que esses laços tenham mais renovação – e o que acontece, hoje, é um reforço dos grupos que já são fortes. São sempre os mesmos os vencedores, reforçando a lógica de Capitalismo de Mercado Oligopolista. Ou ele prefere denominar Capitalismo de Estado Neocorporativista?
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