Fabio Shiva 06/11/2017
Não é nenhum Umberto Eco
Mais uma exitosa aventura do comissário Salvo Montalbano, personagem criado por Andrea Camilleri e que é, provavelmente, o maior nome da literatura policial na Itália atualmente. Para mim, que já li do mesmo autor “A Forma da Água” e “A Paciência da Aranha”, foi muito instrutivo observar as sutis mudanças na prosa de Camilleri à medida que seu detetive foi fazendo mais e mais sucesso.
De modo geral, a impressão que tive foi que a narrativa foi ficando menos intuitiva e espontânea e mais metódica e sistemática, com o autor se empenhando em atender, sob demanda, aos possíveis motivos de êxito dos livros anteriores. Assim é que aqui estão as principais boas características de uma história com Salvo Montalbano (a julgar pelas três que li):
* A ambiguidade moral do protagonista, capaz de ser canalha e vil com os canalhas, mas obrigado a ser justo e correto com os bons.
* A alternância de cenas violentas, no estilo “máfia italiana”, com investigações mais sutis sobre a natureza humana.
* Um toque moderado de romance e sensualidade, proporcionado pela fiel companheira Lívia e por outras beldades, que insistem em perseguir o pobre comissário.
* Suculentas descrições da rica culinária siciliana.
Isso tudo está em “O Cão de Terracota”, mas tive a impressão de que esses elementos são apresentados de forma mais estudada e intencional, como se o autor estivesse tentando repetir uma fórmula de sucesso descoberta inicialmente meio que por “acaso”.
Senti também que o sucesso afetou Camilleri, e para pior, em suas digressões sobre livros de outros autores. Isso me incomodou porque são evidentes intrusões na trama, que acabam fazendo o leitor sair um pouco da história ao perceber que o autor está “mandando um recado” para alguém. Isso acontece tanto quando ele elogia o texto de um autor contemporâneo, quanto ao dar uma sacaneada em outro, fazendo o livro dele cair na sarjeta logo depois de ser comprado por Montalbano, para em seguida ter um caramujo esmagado (!!!) contra sua capa. É o tipo de cena bizarra que meio que “arranca a cortina do palco” e torna o leitor consciente de que está assistindo a um espetáculo, justamente por ficar imaginando que catzo estava passando pela cabeça do escritor ao imaginar aquilo.
Mas sobretudo não gostei da débil tentativa de zoar e desmerecer Umberto Eco. Melhor teria feito o autor suprimindo toda e qualquer referência, chistosa ou não, ao grande Eco, pois assim teria evitado, na mente do leitor, essa por demais desfavorável comparação entre os dois escritores italianos.
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