jota 23/12/2021MUITO BOM: nem todas as histórias são imperdíveis, mas o volume é equilibrado, a maioria dos contos é bastante interessante, simLido entre 04 e 23/12/2021
“Prosa invencível” é o título do prefácio de Mario Sergio Conti, que também selecionou os contos desse volume de John Cheever (1912-1982), apelidado de o Tchekhov americano. Nesta data é possível ler o texto de Conti na sua totalidade no site da Amazon.com.br, muito mais útil para os interessados em Cheever do que tudo que eu possa afirmar aqui. Conti, quer dizer, Cheever, está dizendo com aquele “invencível” que a boa prosa literária é para sempre; ela sempre brilhará acima da literatura medíocre, claro. Que os contos do americano ficarão, como ficaram os do russo. Conti faz o elogio da literatura de Cheever e ainda apresenta alguns dados biográficos dele; os textos contam com dois ótimos tradutores nesta edição: Jorio Dauster e Daniel Galera. Ponto para a Companhia das Letras.
Vamos agora às histórias, lembrando que isto não é uma resenha; esses são apenas pequenos resumos para que os contos não caiam no esquecimento. No meu esquecimento, bem entendido, já que eles estão consagrados na história da literatura americana, não necessitam de nenhum aval nosso:
Adeus, meu irmão - trata de desavenças familiares, e elas tendem para a violência quando toda a família do narrador se encontra reunida a beira-mar: é irmão contra irmão, é pedrada (lembra um pouco Caim e Abel), então adeus, irmão. BOM
O enorme rádio – uma história curiosa, fantasiosa: em vez de transmitir a programação normal o rádio novo do casal irradia as conversas de todos os moradores de um edifício, coisa de enlouquecer. MUITO BOM
Ó cidade dos sonhos falidos - de uma cidadezinha do interior, pai, mãe e filha pequena rumam para Nova York pensando que ali poderiam atingir a glória facilmente, mas pelo título... BOM
Os Hartley - é sobre as férias de inverno de um jovem casal e a filha. Eles decidem visitar a pousada onde estiveram antes e foram felizes. Mas desta vez a coisa não caminha tão bem assim, pelo contrário... BOM
O camponês de verão - um fazendeiro de fim de semana e seus atritos com um fazendeiro de verdade, um russo que lhe presta alguns serviços na propriedade. Preconceito, afinal? Parece que sim. BOM
Lamento amoroso - somente no final do conto compreendemos o motivo pelo qual Jack Lorey chamou de “viúva”, no início da narrativa, Joan Harris, uma mulher com quem ele manteve uma amizade com altos e baixos por mais de trinta anos. ÓTIMO
O pote de ouro - jovem casal de poucos recursos, baixa classe média, busca através de seus empregos ou inventando coisas, ganhar mais dinheiro, melhorar de vida (encontrar um pote de ouro, como se diz), mas a sorte parece estar sempre contra eles. ÓTIMO
O Natal é uma época triste para os pobres - é o que pensa o ascensorista de um edifício residencial em Nova York, porque para ele, entre outras coisas, o dia de Natal não passava de mais um dia normal de trabalho. MUITO BOM
A temporada do divórcio - marido, pai de dois filhos pequenos, narra como um vizinho de bairro, também casado, se apaixonou perdidamente por sua mulher, como as coisas se passaram e se seu casamento terminou ou não em divórcio. MUITO BOM
A cura - Rachel abandona o marido e leva consigo os filhos. É a segunda vez que esse desastroso casamento parece naufragar. Ele não atende suas chamadas quando ela está supostamente ligando para a reconciliação, até que um incidente aponta a direção para sua cura. REGULAR
Os males do gim - garotinha está cansada de ver os pais irem a festas e beber exageradamente. Começa a esvaziar as garrafas de gim da casa, mas a culpa recai sobre outras pessoas. Então decide fugir para Nova York. É isso mesmo que ela quer? MUITO BOM
Oh, juventude e beleza! - é sobre um homem de quarenta anos e sua esposa, casal que ainda mantém certa jovialidade que remete para tempos passados, brincadeira de pular obstáculos que ele ainda pratica revivendo assim sua juventude atlética. Sobrevêm acidentes e um dia as coisas terminam mal... BOM
Só mais uma vez - aristocratas empobrecidos de Nova York podem muito bem receber fortunas em heranças, retornar à antiga vida e então, com seus grandes barcos, salvar ocupantes de um barquinho prestar a afundar, como ocorre aqui. BOM
O invasor de Shady Hill - uma história bem curiosa em que o narrador, morador de subúrbio, sem dinheiro e tendo perdido o emprego, conta como começou a invadir casas da vizinhança à noite para roubar dinheiro dos moradores e assim se sustentar e à família. ÓTIMO
O bicho da maçã - uma fruta aparentemente saudável por fora pode conter um bicho por dentro. A família desse conto, os Crutchman, muito moderada e feliz, admirada pelos vizinhos, teria lá também os seus podres escondidos ou não? BOM
O caminhão de mudanças vermelho - os personagens de Cheever bebem demasiado, perdem dinheiro e empregos e então se mudam. O narrador visita um deles, numa cidade vizinha, que precisa de ajuda. Enfrenta uma nevasca ao voltar para casa e logo depois recebe um telefonema daquele mesmo sujeito beberrão pedindo ajuda... BOM
Só quero saber quem foi – homem rico e mais velho percebe que a esposa se cerca de homens jovens e seus amigos estão sempre comentando esse fato, indiretamente dizendo que ele está sendo traído. Mas ela o traiu com quem? É o que ele quer saber. BOM
A cômoda – esse móvel, uma peça antiga, herança familiar, desencadeia uma disputa entre dois irmãos que o desejam. Um deles acaba ficando com a cômoda, que se torna o centro de sua casa, e tem o poder de trazer os mortos da família de volta. Acredite se quiser. MUITO BOM
Miscelânea de personagens que ficarão de fora – como o título indica, esse conto é apenas uma lista aleatória de personagens que poderiam render outras histórias. Parece haver certa fixação do autor pelo conhecido ator Marlon Brando. REGULAR
O general de brigada e a viúva do golfe – uma curiosa história envolvendo o casal Pastern e seu abrigo antiaéreo (eram os tempos da guerra), bem como a amante do marido, uma irlandesa casada, a sra. Flannagan, cujo marido vivia viajando. Ela desejava ardentemente uma coisa em troca do sexo que oferecia ao sr. Pastern. ÓTIMO
Uma visão do mundo – escritor encontra um bilhete numa latinha enterrada em seu quintal. À noite ele sonha estar numa ilha do Pacífico e constrói uma estranha frase que reaparecerá em outros trechos do conto. Mais para o final ela é substituída por outra frase, que o torna esperançoso, satisfeito, em paz com a noite. BOM
Reencontro - Charlie, filho de pais separados reencontra o genitor que não via há tempos, cerca de uns três anos. Vão a restaurantes, mas o comportamento deselegante do pai, grosseiro para com os empregados dos estabelecimentos, faz com que o rapaz mude seu conceito sobre ele radicalmente. MUITO BOM
Mene, Mene, Tekel, Upharsin - homem é fascinado pelas inscrições rabiscadas em estações de trem e nos banheiros públicos. Mas aqui elas não são simples nem muito curtas como as que podem ser encontradas nesses lugares. Parece um jogo que Cheever faz com o leitor; o título do conto é uma alusão ao livro do profeta Daniel. BOM
Marito in città – título é parte de uma antiga e famosa canção italiana e remete para uma história de adultério. Marido sozinho na cidade precisa de conserto em algumas peças de roupa e encontra uma costureira, a apetitosa sra. Zagreb. Com ela pinta e borda, mas isso não pode ser para sempre, claro. BOM
O nadador – um dos textos mais conhecidos de Cheever. Virou filme homônimo em 1968 e aqui se chamou (apropriadamente?) O Enigma de Uma Vida. É um conto enigmático, a história de Ned Merrill, um homem que decide voltar para sua casa nadando pelas piscinas de vários moradores da cidade. Quando chega lá, tem uma surpresa. MUITO BOM
O mundo das maçãs – é sobre um idoso poeta americano, famoso por um livro que tem o mesmo nome do conto, que há muito se mudou para um vilarejo italiano. Cheever narra sua aventura quando ele decide fazer uma caminhada para doar uma de suas valiosas honrarias literárias, uma medalha de ouro, para uma distante igrejinha. Um belo final. ÓTIMO
Três histórias – a primeira é sobre uma barriga e seu dono, o esforço dele para diminuí-la e o dela para conseguir mais espaço para sobreviver. A segunda trata de uma mulher perseverante, que perdeu familiares em dois acidentes rodoviários, uma estrada indesejada e inúmeros acidentes nela ocorridos. Terceira história: um homem e uma mulher passageiros num avião, ela ríspida, ele cortês e um final inesperado. MUITO BOM
As joias da sra. Cabot – o sumiço das jóias da rica viúva Cabot é apenas uma parte da história de uma excêntrica mulher e sua família igualmente estranha. Ou incorreta, como escreve Cheever. Ele aproveita para também contar alguma coisa sobre si próprio e, claro, sua família. Que também tinha lá suas esquisitices. ÓTIMO.