GiihZagatto 04/12/2023
Senhorita Julia
É impressionante o quanto obras dramáticas não são abordadas como literatura na formação que recebemos no fundamental e/ou médio e, ainda assim, estão contidas nelas clássicos que inspiraram diversas outras obras.
Senhorita Julia é uma peça de 3 personagens e que se passa em um só lugar, a cozinha. Tendo em sua composição a Senhorita Julia, filha de um Conde, Jean, um criado e Cristina, a cozinheira, traz questões sociais da época.
Há muita coisa para falar sobre essa obra, mas eu gostaria de começar falando sobre como é fluída. Não tem grandes ações, não há uma emoção comovente de brigas, mas há tanta ação interna que chega a tocar de uma forma bem única.
Os personagens não são jovenzinhos e isso faz com que se levante algumas questões sobre os diálogos. É nítido que a maioria das falas são feitas apenas para convencer o outro, mas é interessante como se junta à realidade deles. Julia demonstra não entender muito bem como se portar diante da educação e criação que recebeu, sobre a questão de odiar homens e sentir-se atraída por eles. Seus conflitos internos são tão explícitos nas suas submissões inesperadas que fica difícil não entender como uma humana, uma mulher, em uma sociedade em que a fala de um homem ainda é mais valiosa, apesar de ele ter uma posição abaixo na hierarquia social.
Tive a sensação de que o medo de Julia não tem a ver com a reação de seu pai ou da sociedade, mas sim com a reação que ela mesma teria caso precisasse se rebaixar ainda mais. Apesar de não ter sido criada com feminilidade, ela ainda sofre as pressões sociais de ser uma mulher e, ao desejar estar abaixo do título que ela tem, é como se quisesse maior liberdade para exercer sua vontade, principalmente quanto aos seus desejos. É como se ela idealizasse ser de outra posição social para não ter tanta atenção voltada a sua vida.
Em contrapartida, Jean idealiza o tempo inteiro subir na hierarquia e se aproveita da primeira oportunidade que vê para isso, ainda que estivesse noivo de Cristina. Ele deixa claro que só se curvaria às vontades do Conde, um homem, enquanto tenta ludibriar Julia com palavras bonitas e zomba dela por acreditar. Parece um homem simplesmente se aproveitando do fato de ser homem e poder arruinar a reputação de uma mulher. Ele tenta a sedução para que Julia arranje dinheiro para ele e compartilha planos que tem, mas ele vai ficando com medo de ficar em uma posição abaixo do que já tem.
É bem interessante observar as disputas de poder dentro das dualidades dos diálogos, são muitas camadas a serem exploradas aqui. Me encantei por essa leitura.