pimet800 01/02/2021
Mais difícil do que vencer a Tormenta é vencer este livro.
Depois de duas tentativas malsucedidas, finalmente consegui finalizar a leitura de O Crânio e o Corvo. E para que fique claro, eu só terminei porque sou insistente e porque gosto muito do cenário, afinal eu acompanho o trio Tormenta antes mesmo do lançamento desta trilogia.
Alguns problemas, que já eram visíveis em O Inimigo do Mundo (título da primeira parte da trilogia) continuaram aqui, enquanto que outros foram inéditos neste romance. Explico a seguir.
O primeiro deles, sem dúvida, é o excesso de páginas e o modo prolixo como o autor descreve acontecimentos, regiões, personagens e histórico de personagens - quase que - totalmente desnecessários para a trama. Talvez o problema não tenha sido originalmente criado pelo autor, mas sim pelo desafio que ele teve ao descrever um cenário criado por outros autores, o que, de certo modo, retira um pouco da autonomia na escrita. Para exemplificar, reinos como Namalkah e Pondsmania - e até Yuden, se quisermos ser um pouco mais criteriosos -, são completamente desnecessários para o fechamento da história em que o exército do Reinado e o exército de Bielefeld enfrentam os seres aberrantes da Tormenta. Ainda que se possa alegar que eles jamais teriam vencido sem a ajuda de 40 mil homens do Exército de Uma Nação, isto não justifica toda a jornada de Vanessa pelos vilarejos fronteiriços de Yuden, com intuito exclusivo de ter uma audiência com o príncipe Mitkov (audiência que levou a lugar algum, visto que ele foi contrário à passagem das tropas pelo seu reino). Haveria várias outras formas mais simples e diretas para que isso ocorresse. Pela graça dos deuses, vários outros reinos foram deixados de lado, senão eu sinceramente não saberia dizer o quão entediante seria esta leitura. Calistia, Salistick e Nova Ghondriann, por exemplo, foram simplesmente ignoradas, felizmente. Outros foram apenas mencionados de passagem, sem aprofundamento. Uma magia de teletransporte resolveu alguns destes problemas, fazendo com que as tropas surgissem em outro ponto do mapa, sem a necessidade de dezenas de páginas descrevendo terras e acontecimentos que em nada acrescentariam à trama. Este recurso poderia ter sido utilizado mais vezes, ao certo.
O segundo ponto, que também ocorria no primeiro livro e continuou aqui, foi a dificuldade em criar personagens. Mais difícil do que isto, ao que parece, foi criar personagem que gerasse alguma simpatia ao leitor. Praticamente todos eles são rasos, unidimensionais, sem carisma e previsíveis (isto quando são coerentes). Aqueles que não se enquadram nesta categoria e que possuem algo um pouco mais elaborado a dizer, como por exemplo Dr. Zebediah Nash, começam numa papel extrovertido, carismático e comunicativo. No decorrer do livro, o personagem simplesmente vai minguando, até que nos capítulos finais ele é apenas alguém que fica repetindo o mesmo bordão "deuses não existem" e age como um completo coadjuvante descartável. Vanessa, para citar outro exemplo, é personagem que chega a ser insuportável. Neste caso, penso, o autor quis demonstrar como pensa um devoto da fé adepto ao radicalismo. Eu só não sei que culpa o leitor tem para ter de aguentar tantas páginas dedicadas a esta figura insossa. A jornada em Yuden é enfadonha e desnecessária, podendo ter sido resolvida em poucos parágrafos, para rapidamente houvesse o encontro entre ela e o príncipe Mitkov. Eu me pergunto em que a história de Ulaf e Thelgarad, por exemplo, acrescentaram ao conflito do primeiro plano da narrativa. Não vou nem entrar no mérito de personagens coadjuvantes como a rainha feérica, Zara, Vicent etc. Todos completamente anticarismáticos, que pouco agregaram à trama principal e que poderiam terem sido descartados na primeira oportunidade. Comparando esta obra com o primeiro livro, neste pelo menos tínhamos os deuses, que eram bem diferentes entre si. Aqui, nem isso! Para não dizer que todos os personagens foram totalmente caricatos, existe um ou outro que se sobressai, como o Paquiderme Galante, Ashlen, Arkham... Mas para por aí. Nem mesmo rainha Shivara, sir Allen Toren, Crânio Negro possuem qualquer traço de personalidade que faça com que o leitor se apegue a eles.
Terceiro ponto: falta de balanceamento e ritmo. Na terceira parte do livro, intitulada Reunião de Família, o livro simplesmente morre. O autor resolve congelar a trama principal por quase 100 páginas, e que já estava arrastada neste ponto, e passa a dedicar páginas e mais páginas a acontecimentos totalmente paralelos ao que de mais importante acontece no mundo de Arton. Trebane indo atrás de Zara; Zebediah voltando à sua terra; como Ingram e Trebane conheceram Orion; Pondsmania. A impressão é de que o autor lembrou que tinham muitos buracos na história e resolveu arrumar tudo de uma só vez antes do encontro entre Orion e Crânio Negro. Péssima escolha! Estas histórias poderiam ter sido espalhadas ao longo do livro, para que a narrativa se tornasse mais coesa e orgânica. Em vez de gastar tempo com tais acontecimentos, penso que se soubéssemos mais aprofundadamente como a União Púrpura, por exemplo, se transformou naquilo que vemos no livro e como a proliferação dos simbiontes se deu ao redor dos reinos (afinal tem-se a impressão de que todos os personagens que não são os principais já são parte da Tormenta) a leitura se tornaria um pouco mais convidativa e estimulante.
Quarto ponto: é muito legal lermos a descrição das criaturas insetoides: carapaças, quelíceras, braços e antenas serrilhados, dezena de olhos, asas. Na primeira vez! Agora, falar a mesma coisa em todos os capítulos que aparecem os insetos e em todos os capítulos em que estes entram em batalha se torna demasiadamente repetitivo, ao ponto de que no capítulo da batalha final o leitor já sabe absolutamente tudo relacionado aos insetos no tocante às aparências e às variações de batalha, tanto que não houve uma surpresa sequer. A batalha foi totalmente previsível. Quelíceras, carapaças, braços serrilhados, olhos, etc. E só! Falando sobre as repetições, estas também são comuns na personalidade e nas falas de vários personagens. Nash diz em capítulo sim e em capítulo também que deuses não existem. Vanessa, guerra e Keenn. Ingram sempre quer atirar em alguém. Trebane vai falar que humanos são assim ou assado. Acho que houve tempo para acrescentar mais camadas nestes personagens, afinal estão entre o que mais aparecem e, portanto, requerem cuidado em seus respectivos desenvolvimentos.
Quinto ponto: o vilão. Entendo que o albino não necessitasse ser alguém carismático, no primeiro livro, afinal era um ser alienígena, desprovido de cultura artoniana, uma folha em branco. Logo, era normal que ele demorasse a apresentar algum traço de personalidade própria. Entretanto, Crânio Negro não tem essa desculpa, por assim dizer. Mesmo assim, Crânio Negro é um personagem extremamente previsível, ainda que tenha sua própria identidade, afinal, é artoniano e, foi, humano por muito tempo. Mesmo depois de mais de 500 páginas não sabemos com clareza o que ele desejava e o motivo por estar se aliando ao que há de pior e de mais absurdo no mundo, que é a Tormenta. Além disso, a revelação no último capítulo não fez o menor sentido, pois nada tinha a ver Crânio Negro com a pessoa que estava por trás da máscara. Nem mesmo fazia sentido ser esta pessoa. O próprio estilo de luta não condizia com a personagem. “Maior caçador de recompensa do mundo?!”. De onde veio isso? Ou seja, reviravolta completamente tirada do nada, sem nenhuma indicação de que pudesse ser quem se revelou, chegando até a ignorar os acontecimentos do final do primeiro livro. Patético plot twist. Sinceramente, o autor poderia ter deixado Crânio Negro sendo apenas Crânio Negro, sem revelar identidade nem nada.
Enfim, eu poderia dizer muitas outras coisas, mas acho que consegui deixar claras as minhas críticas. Embora possa parecer, não chego a dizer que o livro é ruim. Do mesmo modo que não chego a dizer que seja bom. Uma nota 5 de 10 está de bom tamanho. Ainda prefiro o primeiro livro, pois tem menos buracos, a trama dos deuses é muito bem amarrada e temos a presença de Mestre Arsenal, que por si só garante uns pontinhos a mais à primeira parte da história.