João Pedro 18/08/2022Majestoso romanceA escrita de Toni Morrison me cativou desde as primeiras linhas, ainda na introdução do livro, quando ela conta ao leitor sobre o momento da vida em que estava quando lhe surgiu a ideia para escrever “Amada”. Partindo de uma história real, descoberta nas páginas de um jornal, Morrison dá os seus próprios contornos de escritora para dar vida a um romance latente, que joga um olhar bastante peculiar sobre as marcas da escravidão recém-abolida nos Estados Unidos.
Ambientado em 1873, o enredo inicialmente conta a história de Sethe, uma ex-escrava que, grávida, empreendeu fuga do lugar onde antes era maltratada e conseguiu abrigo no casarão de sua sogra, Baby Suggs, uma mulher liberta. A história, porém, não nos é contada linearmente, de modo que o leitor acompanha diante de si um romance montado conforme o avançar da leitura. Além disso, a dimensão de cada personagem introduzido na obra vai se aprofundando gradativamente. Não há qualquer um que não ganhe um capítulo ou passagem em que sua mente nos seja dissecada.
Aliás, há que se pontuar que a escrita de Morrison, robusta e elegante, é permeada por muitos fluxos de consciência. Ao passo que dão uma boa noção da intimidade que a narradora possui com as personagens da história, também desafiam quem lê a redobrar a atenção e reler alguns trechos. A sensação de confusão me acompanhou ao longo de toda a leitura, mas, ainda assim, senti um prazer imenso enquanto lia.
Relendo o prefácio, coisa que gosto muito de fazer após finalizar a leitura – principalmente quando escrito pela própria autora –, notei que Toni Morrison pretendia, desde a concepção do romance, causar o efeito que repercutiu em mim. Ela diz: “Não haveria saguão nessa casa, e não haveria nenhuma ‘introdução’ nem para a casa, nem para o romance. Queria que o leitor fosse sequestrado, impiedosamente jogado num ambiente estranho como primeiro espaço para uma experiência comum com a população do livro – assim como os personagens eram arrancados de um lugar para outro, de qualquer lugar par qualquer outro, sem preparação nem defesa” (p. 12-13). É bem isso. Não há recepção, não há cerimônia. Apenas se é tragado. Impecável. Esplêndido. Majestoso.