AleixoItalo 01/07/2023Aos recém chegados um aviso: este não é nem de longe uma boa porta de entrada para Cormac McCarthy. O autor é famoso por “westerns” distópicos, histórias de ação e sobrevivência de tirar o fôlego e jornadas à terras ermas onde as inscrições pelo caminho poderiam muito bem estar talhadas com: “Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate”! O que aconteceu então com esse Cormac McCarthy famoso pelos seus westerns épicos? Minha teoria é que essa é uma despedida!
Tudo em ‘O Passageiro’ remete a uma longa despedida: o primeiro adeus da trama é um suicídio, a partir daí, acompanharemos Bobby Western, amargurado por essa perda, em sua própria jornada de adeus. Independente do que a sinopse tenha prometido, esqueça qualquer tipo de mistério ou conclusão efetiva, o livro não é um romance policial. Apesar da suposta perseguição à Bobby pelo governo, o livro na verdade é composto unicamente de diálogos entre personagens excêntricos, uma jornada sem rumo de bares em bares que passa pelo passado do personagem. Fique ciente que não é uma jornada em busca de respostas.
Entorpecido por uma melancolia abismal, Bobby é alheio à tudo que acontece consigo mesmo e é quase sempre um agente passivo nos diálogos que participa ao longo da jornada. Encimando toda essa tristeza, percebemos que não só Bobby ou Alicia (através de flashbacks) se despedem ao longo do livro, mas também os outros personagens, amigos de outrora que como velas vão sendo apagados sob o tremular do vento. Em certo momento do livro é o próprio mundo que parece desligar o personagem, toda essa “perseguição do governo” parece ser a própria existência abandonando Bobby.
O díptico (‘O Passageiro’; ‘Stella Maris’) encerrou um hiato de 16 anos sem publicações e também encerrou o legado do autor, que faleceu em 2023. Dado sua grande diferença de estilo com outras obras do autor, eu sou inclinado à imaginar que se tratava mesmo de uma despedida do próprio autor. É notável que todos os diálogos do livro são basicamente sobre o século XX, revivendo alguns de seus momentos históricos chave, que no fundo talvez seja mesmo o próprio McCarthy fazendo um ensaio sobre o século passado e dando um último adeus para personagens e ideias.
Confesso que os diálogos, quase sempre executados por personagens sagazes ou espertinhos, cansam e perdem um pouco da fluidez, mas no fundo não é um livro ruim, só não é um livro para quem quer conhecer a obra do autor. Se a intenção era uma despedida, considero um feito nobre (poucos autores o conseguem), a narrativa energética ficou lá trás, em seus clássicos, ‘O Passageiro’ é uma obra sóbria de um autor fatigado, sentado frente a frente com os fantasmas do passado e ciente de que todo um século já ficou para trás!