jade martins 09/02/2024
[...] em sua ausência [...] me pus em seu lugar. ou melhor, abri espaço para ela em mim
Eu sempre ouvi falar da tetralogia napolitana; falavam que era a obra-prima de elena ferrante, o que me animava, mas ao mesmo tempo me fazia evitar por medo. mas ainda assim, eu queria lê-la, então fui atrás de seus outros romances. li todos, começando por "a vida mentirosa dos adultos", que foi muito especial para mim, foi meu primeiro contato e me tocou bastante, apesar de a mesma massa que falava sobre napolitana ser sua obra-prima dizer o quanto este era seu pior. então parti para os outros, li "a filha perdida", amei também. "um amor incômodo", confesso que foi o que menos me tocou. por fim, "dias de abandono", que ainda carrego comigo e me vem à mente às vezes.
depois de ter lido todos, era finalmente a hora de encarar a tetralogia, que ainda por muito tempo evitei, mas sempre em mente, com uma ânsia por entrar logo neles. ganhei os livros e cedi finalmente, comecei a ler. e em cada palavra, eu via todas as personagens ali, de todos os livros: olga, delia, nina, giovanna e agora lila e lenu. claro, cada um é tão bem construído que não poderiam se igualar tanto assim, mas é mais no sentido de, querendo ou não, compartilharem as mesmas angústias.
o que mais ficou comigo desde "a vida mentirosa dos adultos" é esse desespero e essa ânsia de se diferenciar e abandonar a cidade natal, com todos seus cidadãos carregados de violência e mesquinhez, diferente de nossas personagens, principalmente as mais jovens, lenu e giovanna. os estudos podem parecer uma porta de saída daquela cidade sufocante, com seus açougueiros, salsicheiros, pedreiros e todos esses trabalhos medíocres. esse sentimento de nojo pela cidade também é sentido em casa. lila odeia sua mãe, olha para ela, estrábica e manca. seu maior pavor é de alguma forma se tornar ela: "algo me convenceu, então, de que se eu caminhasse sempre atrás dela [lila], seguindo sua marcha, o passo de minha mãe, que entrara em minha mente e não saía mais, por fim deixaria de me ameaçar. decidi que deveria regular-me de acordo com aquela menina e nunca perdê-la de vista, ainda que ela se aborrecesse e me escorraçasse".
e por mais que a gente de fato entre com ela ali e torça pelos seus sonhos, de se reinventar, continuar os estudos, sair daquele lugar, a gente sabe, assim como ela, que isso não é possível. ela pode ir para a parte mais rica da cidade, não importa, olham para ela como se ali ela nunca fosse pertencer. e ela também sabe que ali não é seu lugar, mas em nápoles, muito menos. é um sentimento tão intenso de deslocamento que também me dói. mas é também essa cidade que se alarga, que permite o aparecimento do 'antes' e revela todos os caminhos tomados até seu resultado.
lila, sua amiga, sua obsessão, seu fascínio e até, por que não, ela mesma. lila e lenu, lenu e lila. uma relação que se retroalimenta à base de desagrados, comentários sarcásticos e principalmente inveja, mas também com uma enorme necessidade de aprovação e um carinho tão intenso que se demonstra por muitas vias.
enfim, acho que já me estendi demais e é apenas o primeiro livro, mas foi um mergulho totalmente direto na história que me deixou paralisada por algum tempo depois de terminar. decidi escrever isso primeiro antes de começar o segundo e enrolei até agora para escrever, mas enfim agora posso começar.