Danilo Barbosa Escritor 21/05/2024O leitor brasileiro faz da ficção sua forma de extravasar, liberar daquilo que considera sua opressão diária, uma fuga das pequenas violências e represálias. Com isso, transforma muitas vezes o romance, de certa forma, na passagem para um cenário muitas vezes capaz de sanar questões, resolver situações que, na nossa realidade podem ser difíceis demais de lidar, quiçá impossíveis.
Mas nem toda literatura serve para nos ascender. Algumas, sim, e com muita ênfase, surgem para nos levar aos abismos de nossos próprios medos, incapacidades e demônios. Isso faz com que odiemos a história, falemos mal dela aos quatro cantos e as avaliemos com parcas “estrelas” em sites voltados para isso. Eu, ao contrário, mesmo sem gostar e me incomodar com aquilo que o autor e o texto propõem, tento compreender a mensagem e ver através de um outro viés, dentro da minha compreensão da mensagem ali exposta.
“Está tudo bem”, lançado recentemente no Brasil, é um desses casos. Daqueles que, se eu fizer uma análise rasa, como leitor de entretenimento, ache um livro que me deu raiva, incomodou-me, deu vontade de desistir inúmeras vezes. De forma que poderia até concordar com as avaliações baixas de alguns. Mas, se mergulhar e analisar – digerir, como costumo falar – enxergo os inúmeros méritos da obra e como deva ser indicado, apesar de “não gostar”. A protagonista, uma mulher preta com um pai ativista, vive um relacionamento com um jovem branco, de direita, no período entre o fim do governo Barack e começo do Trump. Trabalha em um lugar preconceito e machista, vive cercada por amigos brancos, não sabe lidar com o peso da sua ancestralidade e se submete dia após dia a misoginia e ao racismo em todos os setores da própria vida, mesmo sabendo que pode – e deve – fazer algo diferente.
Jess incomoda, em cada página do livro, por fugir daquilo que vemos como mudança, como final libertador e “feliz”. Porque, no fundo, mesmo que muitas vezes ela pareça quebrar o ciclo, ESTÁ TUDO BEM. E, num país como o nosso, onde temos quebras de paradigmas políticos tão intensos e fazemos do nosso corpo e raça bandeira social e política, ver alguém como ela incomoda, e muito… quase como se fosse um desserviço para alguns… Mas quantas pessoas como ela vemos no nosso dia a dia, que se submetem, quebram-se e morrem na praia, quando estão prestes a fazer a diferença por si mesmas? Então, se for ler este livro, não espere um romance que vai te proporcionar momentos bons, mas sim aquele texto muitas vezes difícil de engolir, que vai te dar um gosto bem acre na boca.