Filósofo dos Livros 21/11/2023
HORROR PSICOLÓGICO EM "O BERÇO VAZIO" DE THOMAS OLDE HEUVELT
Li esse livro da @darksidebooks e amei. Estou falando de "O Berço Vazio", de Thomas Olde Heuvelt. Esse é o tipo de obra que se torna bem escrita pelo fato de não ser bem escrita. Parece confuso, não?
Para que vocês entendam o que desejo dizer, vou contar algo sobre a minha vida. Algumas pessoas já sabem! Quando jovem, estudei para ser padre, e em minha formação, trabalhei com muitas pessoas que passavam por inúmeros problemas. Era comum ouvir pessoas perturbadas. As narrativas dessas pessoas em estado de sofrimento não eram lineares. Muitas vezes, era difícil entender verdadeiramente todo o drama que a pessoa havia enfrentado devido ao fato delas falarem de forma fragmentada, com uma porção de lacunas. Essas narrativas cheias de falhas não vinham de uma formação precária, mas o sofrimento gerava um discurso confuso, o que era compreensível diante das dores dessas pessoas.
No livro "O Berço Vazio", temos Charlotte, uma mulher que desenvolveu uma depressão pós-parto após a morte de sua filha. Quem narra a história é ela mesma. Pelo fato de estar sofrendo, ela não consegue estruturar bem seu discurso e muitas vezes se comunica de uma maneira absurdamente obscura. Entendemos que ela perdeu a criança, mas não captamos realmente o como foi. Algumas vezes, ela parece desmentir o que havia dito antes. Fica evidente que ela não tem condições de falar realmente sobre o que ocorre consigo. Portanto, não é uma narradora confiável. O leitor tem que ficar atento aos pormenores para entender o que acontece.
Para muitos, uma narrativa sem nexo pode ser algo desconfortável e não muito agradável, o que levaria a uma avaliação negativa da obra. Para mim, o incrível do texto é justamente essa estrutura imprecisa. Não faria sentido ter um discurso com introdução, desenvolvimento e fim vindo de uma mulher tão sofrida. Eu me sentiria diante de uma grande mentira devido às experiências de escuta passadas. O texto de Thomas Olde Heuvelt me fez sentir diante de uma pessoa verdadeira que não poderia me entregar uma história narrada de forma perfeita.
Charlotte ouve a voz da criança pedindo socorro. Não se sabe se é algo sobrenatural ou uma alucinação. A morte da menina é um enigma. Algumas vezes, parece que perdeu a filha durante a gravidez de maneira espontânea, outras vezes, por um susto causado pela cachorra. Há momentos em que parece que foi a cachorra que matou a criança. Mas é estranho que essa cachorra continue habitando o lar da família e seja muito querida pelo marido dessa mulher.
O estranho realmente ocorre quando o marido lhe presenteia com um boneco Reborn. É um menino, mas ela transforma esse boneco em menina e age como se estivesse diante de sua filha falecida. Pelo fato de saber reformar bonecas, aos poucos, Charlotte vai modelando o boneco para que se pareça com sua pequena Dolores. Ela ignora o genital masculino do boneco. Sua esperança é de que sua filha reviva por meio da boneca. Ao entender o que ocorre com sua esposa, o marido resolve destruir o brinquedo, pois percebe que ela estava passando dos limites. Nessa hora, senti raiva do marido, embora entendesse que a boneca (boneco) estivesse fazendo mal à saúde mental de Charlotte. Mas arrancar a boneca de forma violenta e tentar levá-la para a cachorra destruir não foi uma opção razoável.
Charlotte consegue salvar o brinquedo, mas perde o acesso. O marido tranca a boneca num quarto. A partir daí, a protagonista faz algo realmente horroroso e o marido não percebe nada. Os acontecimentos são realmente macabros. Não é um terror do tipo que ficamos com medo de que algo nos aconteça, a menos que estejamos realmente vivenciando algo parecido, porém traz um medo de encontrar alguém na situação de Charlotte e não conseguir ajudar. Creio que vocês entenderão o quanto essa leitura é agonizante ao ler a obra.
Sem sombras de dúvida, o livro merece cinco estrelas por revelar de forma tão verdadeira uma das facetas mais sombrias do cérebro e coração humanos.
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