Murillo Bertolini 30/12/2023
História forte e impactante sobre abuso infantil
"Batman: Gritos na Noite" é uma história difícil, pesada e densa sobre um dos maiores crimes que se pode cometer: abuso infantil.
A HQ que não era relançada há 30 anos finalmente ganha uma nova edição para apresentar a novos leitores uma das histórias mais densas do homem-morcego. Em Gritos na Noite, Archi Goodwin e Scott Hampton trazem um trabalho artístico belíssimo, tanto estaticamente como narrativamente, trazendo uma história simples e poderosa sobre um tema sensibilíssimo.
Na história vemos os protagonistas Batman e Gordon relatarem uma série de assassinatos suspeitos que ao fim ligam todos ao mesmo tema, o abuso contra crianças.
Um dos principais trunfos do roteiro é, além de tratar do tema central, é o paralelo que ele estabelece com os personagens principais. Bruce sofreu de uma extrema violência quando criança ao ver seus pais sendo assassinados em sua frente, e os "Gritos" que ele ouve toda vez que põe a cabeça no travesseiro e se sente só, não são por acaso. Além disso, a conexão da história fica ainda mais forte na figura de Gordon, que sofreu violência quando criança de seu pai, e inconscientemente reproduz a mesma violência contra sua família, em especial com seu filho James, representando o ciclo eterno de vítima e abusador apresentado e explorado na trama.
O tema principal é tratado de maneira sutil mas poderosa, tomando todo o cuidado de retratar o impacto que tias situações tem nas crianças. Aqui o destaque é o momento em que Bruce, ao se aproximar da garotinha traumatizada, retira sua máscara com o objetivo de não assustá-la, tornando-se mais humano, tanto para a vítima, quanto para si mesmo. O trabalho de Scott Hampton é sensacional, seja nas aquarelas sombrias e escuras, seja no jogo de luzes que é empregado na narrativa durante os momentos em que a trama precisa.
Na leitura da história só fico com um ponto negativo, que é justamente a motivação do assassino serial. Na trama, é colocado que o psicólogo que acompanha um batalhão de missões especiais tem uma empatia exacerbada pelos outros, chegando a níveis paranormais. Isso acaba se tornando um problema quando ele presencia o horror da guerra na pele de crianças que foram dizimadas, e passa a insconcientemente ser um empata infantil, ouvindo "Gritos na Noite" daquelas que mais necessitam. Apesar de bem construída a figura do assassino e seus dilemas, ao meu ver a adição da paranormalidade na história destoa um pouco do caráter real e terreno que a história vinha construindo, mesmo que funcione durante a leitura.
Como um todo, Gritos na Noite é uma história poderosa, que não apenas trata de um tema muito sensível e relevante, mas também desenvolve personagens de maneira interessantíssima, seja com Gordon aceitando seus problemas e incapacidade no relacionamento, seja com Batman se vendo como uma figura solitária na sua eterna batalha pela justiça. Grande história!