Flávia Menezes 24/12/2023
EU SEREI BOA, POR TODAS AS VEZES QUE EU NÃO PUDE SER.
?Oração para Desaparecer? não é um livro apenas, mas uma verdadeira obra de arte escrita pelas mãos mágicas da jornalista e escritora brasileira, doutora em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense (e bruxa!), Socorro Acioli.
É curioso perceber como os livros têm essa capacidade de ?nos encontrar? nos momentos em que mais necessitamos deles. E quando uma amiga querida aqui no Skoob (obrigada querida Karenzinha!) o adicionou, e a capa me chamou tanto a atenção a ponto de despertar a minha curiosidade o suficiente para ler a sinopse, eu já havia sido tocada pelo seu encanto.
Mas ainda assim (eu confesso!), hesitei em iniciar sua leitura ainda este ano, achando que sua trama seria demasiada triste para essa época de festas de fim de ano, quando me deparei com um post do Pedro Bial no Instagram falando justamente sobre este livro. Confesso que neste momento, minha curiosidade por ele aumentou ainda mais, e acabei por me render em resposta ao seu chamado.
Ouvi recentemente de alguém que me é muito caro que sou demasiadamente emotiva nas minhas leituras, e que quando uma obra não me desperta emoções, eu a descarto na velocidade da luz. Como uma verdadeira amante dos livros e aprendiz da vida sedenta em aprender coisas novas todos os dias, eu sei que preciso melhorar a minha forma de ver um livro, e me permitir ir além do desconforto para alcançar a verdadeira arte que chega apenas em palavras, mesmo que elas não contenham muitas emoções.
Eu compartilho aqui a minha vivência pessoal, apenas para lhes dizer o seguinte: este livro não é o caso! Porque este não é um livro apenas para ser lido e compreendido, mas uma verdadeira experiência sensorial e extracorpórea que te fará ir além do presente, mergulhando em cada uma das 10 trilhões de células e de cada um dos 7 octilhões de átomos que aproximadamente compõe o seu corpo, para revisitar o passado de todos aqueles que compõe a sua história de vida e formam a linhagem da qual você pertence e é por ela se constitui.
Socorro Acioli estudou com ninguém menos do que Gabriel García Marquez, sendo apontada como uma herdeira brasileira do realismo mágico, e em ?Oração para Desaparecer? conseguimos sentir com exatidão como no plano da linguagem, sua escrita vai ganhando forma até alcançar o pulsar da vida através da utilização de símbolos e metáforas que transportam esse enredo repleto de eventos mágicos que vão acontecendo com os seus personagens.
A narrativa é emotiva e bastante poética, sendo dividida em três partes, onde iniciamos e encerramos o livro ouvindo a voz suave de Joana Camelo, a protagonista desta história, a deixando apenas por um instante para na segunda parte poder ouvir a voz de dois de seus amores que nos ajudarão a compreender a Joana através dos olhos daqueles para quem ela foi muito mais do que alguém que cruzou os seus caminhos.
A primeira parte do livro é composta pelo caos, onde pequenos fragmentos de memórias e acontecimentos nos são apresentados para que assim como Joana, possamos nos permitir a confusão, abandonando totalmente a necessidade de obter respostas para compreender os efeitos profundos da desordem de quem perde a memória, e com ela, a sua própria identidade.
Já na segunda parte, depois de termos nos esvaziado de tudo o que nos compõe, ficando apenas diante desse quebra-cabeças da vida ao qual até o presente momento não iniciamos a sua montagem, mas apenas separamos suas peças, entendendo algumas das imagens desmembradas que formarão o todo, é quando (enfim!) recebemos a caixa desse quebra-cabeça, com a imagem que tanto esperávamos para iniciar a sua montagem. Nesta parte, entendemos que todos nós temos um passado, um lugar de onde viemos, e de como são todos os eventos bons e ruins que fazem de nós quem somos. Assim também é com a Joana, e como é bonito conhecer a sua história que tanto esperamos por conhecer.
E na terceira parte (e a final), quando cada peça conheceu o seu devido lugar, e toda a imagem fragmentada agora pode saltar completa e absoluta diante dos nossos olhos, é que podemos compreender o todo do qual ela é feita. E que belo é perceber como um todo resulta de pequenas partes confusas que separadas nada nos dizem, mas quando unidas, formam uma imagem completa e bela que agora sim podemos admirar. Nesta parte, Joana irá nos falar sobre como todos nós temos um passado que é importante e que precisamos aceitar tudo o que ele compõe para a partir daí podemos dar um passo adiante para enfim viver o nosso futuro.
São tantas as lições e reflexões que esse livros nos faz ter, e tudo isso só é possível depois de um árduo trabalho que a autora iniciou em 2006, e que depois escreveu e reescreveu por dedicados 6 anos, nos oferecendo uma verdadeira obra de arte, que muito nos ensina sobre o poder existencial da identidade e da força de todas as vidas que nos rodeiam possuem de influenciar (tanto para o bem quanto para o mal) o destino que inevitavelmente deveremos seguir.
?(...) o que sou me aparece pelo olhar do outro e cada um tem uma opinião distinta.?
Quando li essa frase me lembrei exatamente do que disse acima. De como as pessoas nos vêem através do que vamos comunicando a elas por palavras ou gestos, e como são distintas as opiniões que cada uma têm de nós. Enquanto alguns podem amar a nossa forma emotiva de nos conectarmos às leituras, para outros, estamos mesmo é negligenciando toda a beleza daquilo que o autor escreveu que não tem a ver com conexão, mas com sua própria identidade muito mais objetiva e direta que perpassa o que sentimos para ser o que compreenderemos ao final.
E nessas contradições, ao final, ninguém está totalmente certo ou errado. Apenas esta é a forma que as tocamos nesta vida. E foi isso que Joana Camelo me ensinou neste livro.
Mas este não é o único ensinamento, pois o mergulho que Socorro nos propõe na cultura indígena é de uma beleza indescritível, que nos faz perceber o quanto os preconceitos são forças negativas que nos arrastam para um fechamento nesta vida que se assemelha ao nada da morte em vida.
Isso me fez pensar em algo que carrego dentro de mim, que o que me faz amar as pessoas são as qualidades que possuem, mas que são os seus defeitos que verdadeiramente conquistam o meu respeito. E é assim que devemos mesmo viver as nossas vidas, porque pelos diversos ângulos dela pelo qual seremos vistos, poderemos ser tanto o bem quanto o mal, o céu ou o inferno, e tudo dependerá de como aquele que nos vê, nos enxergará.
?(...) o grande erro da vida é perguntar para onde vamos. Isso não importa. O certo é decidir com quem.?
Com essa bela frase me despeço da Joana e de todos aqueles que lhes são caros, agradecendo à Socorro Acioli por esse grande presente de fim de ano. Agora é chegada a hora de iniciar a minha Oração para Desaparecer, para que uma nova Flávia possa renascer para um novo tempo que irá se iniciar com o novo ano de 2024 que se aproxima, virando a esquina.
Aproveito essa última resenha do ano para desejar a todos os que até aqui ficaram comigo um abençoado Feliz Natal e uma passagem de ano repleta de paz para que o seu 2024 chegue com muitas coisas boas, trazendo um Novo Ano cheio de alegrias, saúde e boas realizações!