Carolina1935 08/07/2023
Um grande potencial não alcançado
Confesso que comecei a ler esse livro com um certo pé atrás. Livros que trazem uma temática religiosa de alguma forma sempre me deixam um pouco com medo. Muitas vezes os autores se rendem ao senso comum, não pesquisam ou estudam, caindo em discursos erradíssimos. Mas felizmente esse não foi o caso aqui (o que não me isentou de ficar incomodada com algumas coisas).
A autora cria seu cenário distópico em cima de coisas que podemos facilmente ligar com a nossa realidade. A pobreza, a miséria, a discriminação violenta contra o diferente e um governo que usa um discurso religioso pra legitimar o que faz. Na narrativa vemos sendo usadas frases que já ouvimos de políticos ditos cristãos, por líderes religiosos influentes e que acabam sendo comprados por um certo grupo de pessoas. Não precisa se esforçar pra ver que o mundo de “Tina, Sofi e os Heróis da Cidade Exterior” é um reflexo do nosso, um pouco mais extremo e com jovens super-poderosos.
Mas não só de mundo se faz uma distopia, e no quesito trama, a história é bem morna, sem-sal. Eu poderia comparar com Jogos Vorazes e X-Men, mas o livro não tem emoção pra isso. Não tem uma trama tão forte nem desafios que instigam. E eu sei que é só a primeira parte, mas o começo de uma saga tem que te fazer querer ler mais daquilo. E enquanto no começo (primeiro capítulo) eu realmente estava investida, querendo saber quais desafios as personagens enfrentariam naquele mundo, no final eu não senti desejo algum de continuar. Porque onde a história chega no final, não te pega a ponto de fazer querer ler mais daquele mundo, daquelas pessoas resistindo a um governo opressor ou das protagonistas.
Aproveitando que estou falando sobre as protagonistas, o romance aqui é outra coisa sem graça. É tudo rápido demais, o “enemies to lovers” é uma tensão inicial que se resolve rápido demais com apenas algumas discussões aqui e ali. Valentina, que foi treinada pelo governo, larga tudo que foi criada acreditando rápido demais. Ela não tem um arco de desenvolvimento em que vamos vendo sua transformação. É tudo vapti-vupti. Se eu for ser bem sincera, só vi ela de fato convicta das ideias do governo em algumas frases soltas. Me parece que a autora quis mostrar tudo aqui, então correu com o romance delas, correu com o “desenvolvimento” da personagem, jogando tudo aqui e no final TENTANDO separar tudo pra que sobrassem coisas pras próximas partes (com um plot twist furreca, devo dizer).
Pra não fazer parecer que o livro é de todo ruim, a escrita da Maria é muito boa. Os trechos iniciais de cada capítulo são muito bem colocados e emendados com a narrativa. Além disso, os toques de brasilidade que se vê em algumas coisas, como no jeito da Sofia falar, o cafezinho que não pode faltar, a atitude acolhedora da Dona Ana Laura, faz a história parecer um pouco mais nossa. Não querendo dizer que todo livro nacional tem que trazer essas coisas, mas é legal ver que mesmo em histórias que não necessariamente estão em cenários contemporâneos, da pra deixar claro as origens do autor, as pequenas coisas que fazem parte do nosso cotidiano e acabam passando pra escrita.
“Tina, Sofi e os Heróis da Cidade Exterior” tinha muito potencial! Ele podia ser mais desenvolvido, ser um pouco mais crítico (e menos genérico) em algumas coisas, mais bem pensado e elaborado. Mas eu sei que estou sendo MUITO chata e esse parece exatamente o tipo de livro que vai agradar bastante gente!