Ladyce 12/02/2024
"Cara Paz" de Lisa Ginzburg, tradução de Francesca Criscelli é um romance italiano, finalista do Prêmio Strega de 2021 (Itália). Foi a escolha de um dos meus grupos de leitura para o mês de fevereiro. Trata-se da história de duas irmãs. São interdependentes, quatorze meses as separam e, no entanto, Madalena e Nina são muito diferentes, e se veem como “irmã sol, irmã lua” [159]. Filhas de um casal divorciado, elas sofrem na infância e na adolescência com a separação dos pais, principalmente porque circunstâncias legais não as deixam morar com nenhum dos progenitores. Moram sozinhas com uma governanta numa casa grande. Pouco veem a mãe, Glória, que sai deste casamento infeliz e veem o pai, a cada quinze dias, que, fotógrafo profissional, trabalha, a maior parte do tempo, a mais de seiscentos quilômetros de distância, em Milão. As referências todas remetem à década de 70 do século passado e a ênfase dada à narrativa da separação traz um gosto passado, de questão social ultrapassada, narrativa estereótipa e banal. Quantas e quantas histórias já lemos sobre crianças sem pais próximos, e quantas mais precisaremos ler? Há de haver algum outro tema, outro enfoque ou perspectiva. O processo do contar da história também me pareceu antigo, sem objetividade e repetitivo.
O que me fez achar anacrônica essa narrativa? Primeiro, todos os personagens têm nome, sobrenome, ocasionalmente apelidos, mesmo aqueles que mais tarde vemos serem de menor importância. Isso taxa e dificulta o leitor atento que imediatamente se põe a memorizar detalhes que se mostrarão irrelevantes para a conclusão da história. Segundo, passeamos por Roma suas ruas, famosas lojas de Gucci a sorveteria e café Giolitti; sabemos por que rua ou estação do metrô precisamos andar para chegar à Prima Porta ou se pegamos ou não a linha do metrô Leonardo Express. Marcamos também lagos, praias, ilhas em que as meninas passam férias, visitam, sem falarmos dos bairros em que, mais tarde, já adultas,vivem, uma no Brooklyn, NY outra em Paris. Basta virar algumas páginas e lá estamos com uma sequência de pontos referenciais de Roma, Paris e Nova York, sem sabermos exatamente a razão de sermos apresentados a esses lugares. Não me surpreenderia se alguma promoção de turismo romano não tivesse patrocinando a publicação. No fundo, no final mesmo da história, fica aquela sensação de que é uma obra direcionada às socialites, aqueles que precisam saber a marca do sorvete que tomam, a marca do carro comprado, a loja de moda em que alguém trabalha. As mulheres são marcadas por sua beleza, elegância. Não se pode falar de Gloria sem mencionar sua beleza, nem da filha Nina sem mencionar seus olhos verdes. Pouco se sabe da beleza de Maddi, mas ao final um amante casual, nos diz que ela é bela.
As irmãs crescem e vivem vidas mais glamourosas do que seria de se esperar, um marido trabalhando na UNESCO, outro proprietário de mais de uma galeria de arte de sucesso. É um mundo irreal, que tenta se enraizar no mundo real pela menção de todos os lugares pelos quais os personagens passam. A atenção de leitor é sempre direcionada à Nina, que tem um temperamento difícil e se comporta com rebeldia; Madalena passa a juventude contornando os problemas de Nina, mas pouco sabemos do que sente. Casa-se com um francês, tem filhos, leva a vida de uma mulher mantida pelo marido, sem trabalhar, sem profissão, um papel que de novo me leva a achar o tema obsoleto, com ranço de uma sociedade que já acabou, que já passou. De repente, nos capítulos finais do livro, ela nos surpreende, com um encontro extraconjugal, com rapaz muito mais jovem, desconhecido. Ficaram confirmadas minhas suspeitas de que estava diante de um conto de fadas para mulheres ociosas.
Vim a este livro com grande expectativa. Há tempos li A família Manzoni de Natalia Ginzburg, avó de Lisa, e esposa do conhecido editor, escritor e jornalista Leone Ginzburg. A família GInzburg está por algumas gerações ligada ao mundo cultural italiano. Infelizmente fiquei decepcionada com o resultado desta leitura. Sei que Lisa Ginzburgo é autora de outras obras. Infelizmente esta não me cativou. Muito longa, poderia ter pelo menos umas cinquenta páginas, rasa, repetitiva. Três características que me levam a não recomendar a leitura.
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Uma observação sobre a tradução do título. Li que o título, Cara Paz, que não faz o menor sentido em português, foi mantido ao pé da letra para honrar o trocadilho que existe em italiano, carapaça e cara paz. Mas francamente, não há como em português darmos esse salto para o entendimento. Temos, há muito tempo, o hábito de trocar nomes de filmes e de livros no Brasil, pensando em como melhor chegar ao leitor ou espectador de um filme. Porque não fazer isso com esse livro? Honrou-se o literal em prejuízo da compreensão. Não faz sentido. Como mostrar ao leitor do que se trata? E mais, este título não faz o menor sentido no marketing pata o livro. Má escolha editorial.