Marc 12/10/2023
Pornochanchada a italiana
Infantil. Essa é a palavra que mais me veio à cabeça durante a leitura. Eu já sabia que a intenção era desmoralizar a Igreja Católica, mas queria ver o nível dos argumentos apresentados. E não há muitos. Aqueles que tentaram dominar o mundo pela primeira vez como um empreendimento familiar, não passam de uns imbecis nessa história — e todos que os cercam, inclusive Maquiavel.
O próprio Jodorowsky admite a tentação — e satisfação — de localizar “nas raízes da Igreja” uma família tão corrupta, tentando compor um quadro do que eles poderiam ser e de como o mundo renascentista era organizado. O problema é que mais uma vez, numa hq supostamente histórica, encontramos apenas ideologia e quase nada de história. Aliás, venho pensando que esse meio é propício à propagação de um tipo de ideologia política, porque passa despercebido de filósofos e pessoas que estão lutando pela verdade, mas é muito consumido e geralmente o leitor sai com a impressão de que aprendeu alguma coisa. E, mesmo que não saia com esse sentimento, por não ter lido mais nada relativo ao tema, quando se menciona catolicismo, por exemplo, vai lembrar da “história dos Bórgias”. Então, seria ingênuo pensar que esse tipo de material não realiza a intenção de seus autores.
Para completar o festival de fanfarronice, o próprio autor, no texto final, conta que procurou atribuir ao momento sua interpretação do mundo moderno. Por exemplo, ele fala que às bulas papais, que eram vendidas por Alexandre VI, correspondem as cartas de livre comércio que os EUA concedem aos países. Que à expansão ao continente americano, hoje temos a exploração planetária. E mais outros delírios dessa magnitude.
E como é fácil cair no conto do catolicismo poderoso e corrupto. O chamado Renascimento surgiu justamente na Itália, por volta do século XIV, o que significa que não se poderia falar em domínio da Igreja sobre a sociedade na época de Alexandre VI. A burguesia já não obedecia a Igreja e seu poder não passava de recomendações aos países, além de excomunhões, que não tinham lá muito efeito numa sociedade que estava mais voltada para o poder e para o dinheiro. Nada disso, que fique claro, transforma Rodrigo Borgia em um santo. Mas o contexto não era o que está nessa hq.
Além disso, não poderíamos nos perguntar o quanto de influência dos poderes seculares essa eleição e esse papado sofreram? Será que um Papa como Alexandre VI não era justamente o que os poderosos desejavam? É muito tolo — ou canalhice mesmo — pensar que a Igreja tinha poder para influenciar e modificar o mundo, mas que o mundo não tinha meios de influenciar na Igreja. Basta esse questionamento para não levar a sério essa hq. Eu mesmo já pensei assim, tomando uma visão parcial e propositalmente deturpada como verdade absoluta. Acontece que o estrago que uma obra dessas causa é muito maior do que qualquer tentativa de reparação pode alcançar.
E a ausência do jogo político. É de uma crueza ridícula a maneira como Alexandre VI combate seus inimigos. Jodorowsky perde a chance de fazer uma grande história, mas só queria mostrar sexo e depravação. Comparo com outro trabalho de Manara, dessa vez com um roteirista de verdade, Hugo Pratt: a hq “El Gaucho”, que não apenas é melhor desenhada, como tem uma história muito boa. Essa aqui é uma completa perda de tempo, e ainda tem passagens de extremo mau gosto, que servem apenas para conhecermos as taras do roteirista.