Pandora 11/07/2023Jean e Claire estão juntos há mais de vinte anos e tem um filho, Alexandre, que aos 21 anos, é estudante em uma prestigiosa universidade estadunidense. Jean, um jornalista político de sucesso, é quase trinta anos mais velho que Claire e quer se manter jovem e reconhecido ad eternum, o que o faz, entre outras coisas, esconder Françoise, sua amante há muitos anos e que é quem ele realmente ama, porque ela tem quase a sua idade e está profissionalmente apagada. Claire, uma ensaísta e feminista respeitada, acaba se envolvendo com um professor judeu com problemas no casamento e eles resolvem deixar os parceiros e viver juntos. Um dia, quando o filho está de passagem por Paris, ela pede que ele leve a enteada, Mia, a uma festa e no dia seguinte a garota acusa Alexandre de estupro.
A premissa por si só é intrigante, mas o livro é mais do que isso.
A narrativa começa com uma reflexão que já me conquistou de cara: “A extrema deflagração, a combustão definitiva, era o sexo, nada mais - fim da mistificação”. Algo que eu já havia presenciado, como tanta gente atenta aos escândalos, mas que nunca havia me levado a analisar com mais afinco. O sexo pode ser o estopim da bomba que leva uma vida construída com rigor, pessoal e publicamente, a ir pelos ares e ser para sempre lembrada por um só ato, às vezes uma simples foto, que tenha sido divulgada largamente. Todo o resto passa a ser secundário: o extremo profissionalismo, o sucesso na carreira, as boas relações de amizade, a família harmoniosa, a reputação construída minuciosamente. Aquele deslize - não o ato em si, mas a divulgação dele - é o que será eternizado.
A narrativa nos faz parar para pensar sobre vários temas: escândalo sexual, a vida de aparência (inclusive física), a exclusão profissional pela idade, a aceitação de ser sempre uma segunda opção profissional/amorosa, as questões étnico-religiosas e de imigração, a fogueira das vaidades midiática/profissional, a geração com competência acadêmica, mas fragilidade emocional, o suicídio assistido, os limites do ser humano. No início do livro eu parava a cada duas páginas pra analisar.
A autora tem um estilo que me cansou um pouco no princípio: dar muita informação numa simples frase: “Jean conhecera Françoise Merle três anos após o nascimento de seu filho, Alexandre, nos corredores de uma associação que ele criara, Ambição para Todos, reunindo jornalistas dispostos a ajudar os estudantes de ensino médio oriundos de classes desfavorecidas a ingressar nas escolas de jornalismo (…)” - pág. 24. Eu preciso imaginar os personagens no corredor, a criança aos três anos, os jornalistas, os estudantes, a realidade dos estudantes, a idade dos estudantes, as escolas de jornalismo… Háháháhá... sei que não precisa, mas EU preciso, então fico cansada. Mas depois, não sei se isso diminuiu ou eu fui me acostumando e fluiu melhor.
Aliás, ao longo da leitura, as várias camadas do livro de Tuil, as coisas tão intrinsecamente humanas que ela nos traz, me fizeram ponderar inúmeras vezes. Eu realmente não imaginava que fosse gostar tanto deste livro.
Porém… há alguns problemas técnicos aqui: uns cochilos de revisão, um erro material quanto a uma data na pág 117, uma mistureba na escolha dos pronomes pessoais e uma questão que já observei em mais de um livro com tradução recente: suprimiram o uso de ênclise. Por quê? Qual o problema em usar encontrá-lo, dizer-lhes, deixá-lo etc? Será que eu dormi e acordei após mais uma reforma linguística? Quando eu digo que não me incomodo de pagar mais por um livro bem editado… é sobre isto que eu falo. É triste e um bom livro não merece isso.
“Denunciamos os responsáveis pelo que eles fazem, não pelo que eles são.” - pág. 32
Nota: Há um filme de 2021, dirigido por Yvan Attal, Les Choses Humaines (A acusação), baseado neste livro.