Val 16/07/2023
Stella Maris: uma obra desconcertante.
Após a leitura de O Passageiro, do brilhante Cormac McCarthy, continuei a tortura psicológica no segundo livro de seu díptico, Stella Maris, cujo protagonista passa a ser a irmã do personagem análogo do primeiro livro. Já em seu início a mesma destrói diversos conceitos psicológicos e seus inúmeros testes, inclusive os de QI, em longa conversa com um terapeuta.
McCarthy, neste que seria seu último livro, consegue escrever uma obra sem narrativas, composta só por seguidos diálogos, onde o leitor, em sua própria mente, vai construindo a narrativa. Uma técnica literária excepcional, muito pouco usada. Alicia, a adolescente protagonista, faz doutorado em Matemática e, ao discorrer sobre sua infância e pré-adolescência, faz um arrazoado entre filosofia e física. E quem lê, defronta-se com uma obra que põe em cheque conceitos sobre Deus, a verdade e a própria existência humana.
Num livro curto, mas extremamente profundo, esta é uma obra que dignifica a literatura moderna com suas proposições viscerais em cima de um enredo breve, bastante complexo e essencialmente diverso. As críticas de uma jovem de apenas vinte anos – mas extremamente inteligente, vivida e sofrida – à sociedade que insiste em enxergar tudo sempre sob a mesma ótica, impressiona-nos pela contrastante lucidez de uma esquizofrênica, em diálogos contundentes sobre perda, saudade e loucura. Aqui, mais uma vez, McCarthy arrasa.
Como se previsse seu fim, McCarthy vem iluminar certos pontos escuros encontrados em O Passageiro e, talvez, em algumas obras anteriores. Consagra-se, sem dúvida, como um dos maiores escritores norte americanos de dois séculos.
Valdemir Martins
15.07.2023
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